Investigação do MP

MP deve exercer a função de fiscal, não de investigador.

Autor

19 de julho de 2004, 14h34

Numa democracia todo o debate é bem vindo, em especial aqueles que buscam a evolução das instituições de direito e procuram colocá-las no verdadeiro caminho para a construção de um país realmente livre e democrático. Contudo, quando o assunto se refere a quantidade de poder é inevitável sua contaminação por interesses políticos ilegítimos, como os puramente classistas e corporativistas. O debate sobre o papel do Ministério Público nas investigações criminais é um dos que está contaminado.

Nesses casos, é necessário separar o joio do trigo, pensar com objetividade e racionalidade, usar da lógica e não das aparências. O problema a ser proposto é o seguinte: a investigação promovida pelo Ministério Público contribui para a realização da justiça criminal?

Responder essa questão apenas com exemplos de casos isolados de investigações eventuais promovidas pelo MP não parece ser seguro para a dimensão do problema proposto. Comparar o sistema brasileiro com os de outros países também não parece adequado, mesmo porque há diversas outras variáveis que dificultam a comparação. Do mesmo modo, os argumentos baseados exclusivamente em interpretações de leis são tão pobres quanto os demais, até porque a lei pode ser alterada.

A lógica pode resolver o problema:

Ao pensarmos a investigação criminal como uma pesquisa que procura revelar o autor e demais elementos de um crime, tem-se que o investigador, ao final de seu trabalho, sustentará uma hipótese com base em dados por ele coletados e analisados de forma racional e objetiva.

Ocorre que toda hipótese carece ser testada, verificada e avaliada, ainda mais aquela que poderá subsidiar uma denúncia contra alguém. É lógico que o investigador deve estar atento a isso, contudo, pelo fato de ter sido o autor da hipótese elucidativa do crime, não será o mais indicado a verificar, ele mesmo, se suas conclusões são plausíveis ou não.

Essa avaliação intermediária serve como mecanismo de controle do trabalho investigativo e proteção aos direitos fundamentais dos sujeitos investigados, é, na sua essência, uma garantia de responsabilização dos culpados e proteção dos inocentes. A investigação não deve poupar ninguém tampouco ser temerária em suas conclusões.

No momento em que o próprio investigador se responsabilizar pela avaliação de sua hipótese o controle deixa de ser eficaz, assim como a qualidade do trabalho investigativo, inocentes poderiam ser acusados temerariamente e culpados poupados negligentemente. A objetividade, racionalidade e legalidade da investigação criminal ficaria prejudicada.

Por isso, não pode o investigador ser, ele mesmo, o responsável pela acusação. Separar o investigador do acusador é garantir maior objetividade e racionalidade às duas funções. Quem ganha com isso é a justiça que poderá ser feita com maior segurança e cientificidade.

Outro fato explica a necessidade da separação entre as duas funções: a ausência da ampla defesa e a utilização de técnicas interventivas na investigação criminal. Tais características fazem que o trabalho investigativo, quase que invariavelmente, invada a esfera dos direitos e garantias individuais dos sujeitos investigados, que a princípio podem ser ou não os verdadeiros culpados. Alguns atos investigativos como as intimações, buscas domiciliares, apreensões de bens, interceptações de comunicações, prisões temporárias, são atos que, sem dúvida, restringem direitos fundamentais do cidadão como sua liberdade e intimidade.

Mesmo que algumas dessas medidas careçam de intervenção judicial, o juiz ficaria rendido as sustentações do investigador caso este fosse sua única fonte de consulta sobre os fatos investigados. O contato do Juiz com a investigação se restringe às provas formalizadas pelo investigador, ele não circula pelas delegacias, não comparece em buscas domiciliares tampouco participa dos depoimentos.

Assim, a presença de uma terceira pessoa interessada na realização da justiça, como o MP, porém não comprometida com as teses do investigador, é imprescindível para a promoção do equilíbrio entre as forças inquisitivas da investigação e os direitos fundamentais dos sujeitos investigados.

Vejamos, não se pode, por questões óbvias de sigilo, dar o direito prévio do contraditório a pessoa cuja residência é objeto de pedido de busca domiciliar ou que tem pedido de prisão temporária formulado pelo investigador, contudo o Ministério Público, na postura de fiscal da lei mais próximo da rotina investigava, tem condições de se manifestar sobre a plausibilidade real do pedido, ou não, garantindo assim uma decisão judicial menos contaminada pela impossibilidade da concessão do contraditório.

Comungamos do pensamento que o Ministério Público é uma parte imparcial na investigação e na Ação Penal. A grandiosidade do trabalho do MP é agir como promotor de justiça e não como um sujeito de poderes que busca sua vitória a qualquer custo. Ele deve ter interesse na responsabilização dos culpados na medida exata do devido processo legal. Isso implica em dizer que o MP deve zelar para que os culpados não só sejam sancionados, mas que também tenham acesso a todos os seus direitos. A participação do MP na investigação criminal como fiscal, e não investigador, é fundamental para que isso ocorra. Isso sim é promover a realização da justiça.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!