Livre de pagar

Aposentada do RS se livra de pagar contribuição previdenciária

Autor

15 de julho de 2004, 20h36

A servidora estadual inativa, Ana Bela da Silva Machado, teve liminar concedida para que o governo estadual se abstenha de efetuar o desconto relativo à contribuição previdenciária de 11% sobre seus proventos. A determinação é do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador Osvaldo Stefanello. Ana Bela tem 60 anos de idade e foi aposentada em março de 1997 como professora.

A contribuição está prevista na Lei Complementar nº 12.065/04, nos incisos II e III de seu artigo 1º, editada com base na Emenda Constitucional nº 41/03.

Para o presidente do TJ gaúcho, “a contribuição previdenciária é um tributo vinculado, destinado a auxiliar o custeio do sistema de previdência. (…) Logo, quem já está inativado pode até contribuir de outras formas para o custeio do sistema, (…), mas jamais através da contribuição previdenciária que tem uma relação de causa e efeito com o custeio do benefício futuro”.

Ele acrescenta ainda que “o simples recebimento do benefício previdenciário por aposentados e pensionistas induz à percepção de dupla tributação, dado ao fato gerador do imposto de renda ser o mesmo”.

Também lembra Stefanello que é vedada proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais, relacionados no artigo 5º da Constituição Federal.

“Sem maiores exercícios de lógica, aqueles que se aposentaram sob a égide do sistema anterior, onde não havia a imposição de contribuição previdenciária para os inativos, e cujos atos de aposentadoria atenderam a todos os requisitos jurídicos da época, adquiriram o direito do benefício sem que houvesse necessidade de retribuição pecuniária no período de inativação, o que a toda evidência gera uma redução quantitativa do benefício. Assim, adquiriram o direito ao benefício sem a contraprestação na inatividade de contribuição a ele vinculada”.

No caso concreto, conclui o desembargador, o ato de inativação preencheu todos os requisitos exigidos pelo sistema jurídico na época, estando, assim, para os efeitos temporais.

O Mandado de Segurança será redistribuído a um dos membros do Órgão Especial do Tribunal de Justiça e terá o seu mérito apreciado após a instrução.

Leia a liminar:

PROCESSO Nº 70.007.907.694

Vistos os autos.

I – ANA BELA DA SILVA MACHADO, servidora estadual inativa, impetra Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra ato do Exmo. Sr. Governador do Estado e do Exmo. Sr. Secretário da Fazenda, pretendendo que as autoridades apontadas como coatoras se abstenham de efetuar o desconto de contribuição previdenciária, previsto na Emenda Constitucional nº 41/03 e no artigo 1º, incisos II e III, da Lei Complementar Estadual nº 12.065/04, dos seus proventos de aposentadoria.

Sustenta que o Poder Constituinte Originário impôs ao Poder Derivado uma série de restrições de ordem material no que concerne à possibilidade de reforma do texto constitucional através de emenda. Esclarece que a emenda deve guardar, obrigatoriamente, fundamento nos dispositivos da Constituição Federal que sustentam o sistema jurídico, pois nele reside sua validade. As limitações previstas no artigo 60, § 4º, da Carta Maior constituem as chamadas cláusulas pétreas, não estando sujeitas a alterações tendentes a sua abolição que não por ato do Poder Constituinte Originário.

Alega que a Emenda Constitucional nº 41/03 desconsiderou o disposto no inciso IV do § 4º do artigo 60 da Constituição Federal, ultrapassando os limites estabelecidos ao Poder Reformador, pela afronta ao direito adquirido dos servidores inativos e pensionistas. Por conseqüência, o fundamento de validade da Lei Complementar Estadual nº 12.065/04 encontra-se também fulminado, pois assente nas disposições trazidas pela Emenda.

Assevera que a Emenda Constitucional nº 41/03, ao introduzir na Constituição Federal regras com eficácia retroativa, desrespeitou o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o princípio da segurança jurídica (artigo 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal), haja vista que a aposentadoria se rege pelas normas em vigor à época em que são implementadas suas condições, ou seja, o servidor que atendeu aos requisitos estabelecidos pela legislação vigente não se submete à lei nova (Súmula nº 359 STF).

Aduz que a combatida Emenda, assim como a citada Lei Estadual, previu tratamento diferenciado aos servidores que já se encontravam aposentados e aos que vierem a se aposentar após a sua edição. Os já aposentados contribuirão com valor calculado sobre o que exceder 50% do limite estabelecido (R$ 2.508,72) e, os que vierem a se aposentar, contribuirão sobre o excedente de 100% do valor referido.

Refere que ainda que se admitisse que os inativos e pensionistas, que já estavam em gozo dos benefícios na data da publicação da Emenda Constitucional nº 41/03, não tivessem direito adquirido a não sofrer a tributação imposta, é inequívoco que seria esperado, ao menos, que lhes fosse assegurado alguma regra de transição ou algum tratamento mais benéfico em relação aos servidores que ainda não estavam em gozo de seus direitos, mas nunca que sofressem tratamento mais prejudicial.


Diz não fazer sentido que a própria Emenda mantenha como característica do regime próprio de previdência dos servidores o equilíbrio financeiro e atuarial e onere, de forma mais gravosa, o servidor que já está no gozo de seu benefício e que tem um maior volume de contribuição do que aquele que tem menor volume, e que ainda não atendeu aos requisitos para entrar em gozo do benefício. Neste ponto, inconstitucional é a Emenda por violar os princípios da isonomia (artigo 5º, inc. LIV, da CF), da proporcionalidade (artigo 5º, LIV, da CF) e o da razoabilidade.

Por fim, em razão da natureza alimentar dos proventos de aposentadoria, requer a concessão da medida liminar para que as autoridades coatoras se abstenham de efetuar o desconto relativo à contribuição previdenciária de 11% previsto na Lei nº 12.065/04, com base na Emenda Constitucional nº 41/03, nos proventos da impetrante, evitando-se o risco de lesão iminente. No mérito, postula a concessão em definitivo da segurança para declarar a ilegalidade do ato coator apontado, reconhecendo-se a inaplicabilidade das disposições legais que dizem com a incidência da contribuição previdenciária de 11%. Pede, por último, a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

É o relatório.

II – Inicialmente, concedo o benefício da assistência judiciária gratuita à impetrante, tendo em vista a alegação da condição de necessitada e documentos apresentados a demonstrarem esta situação.

Postula, a impetrante, a concessão de medida liminar para que as autoridades coatoras se abstenham de efetuar o desconto relativo à contribuição previdenciária de 11% sob seus proventos, previsto na Lei Complementar nº 12.065/04, na forma dos incisos II e III de seu artigo 1º, editada com base na Emenda Constitucional nº 41/03.

Em 19 de dezembro de 2003 sobreveio a Emenda Constitucional nº 41 que, ao dispor sobre a reforma previdenciária, alterou, substancialmente o artigo 40 da Carta Maior, instituindo a contribuição previdenciária tanto dos servidores ativos, quanto dos inativos e pensionistas. Com base na citada Emenda foi promulgada, no âmbito estadual, a Lei nº 12.065/04, a qual regulamentou a incidência do desconto previdenciário de 11% sobre os proventos e pensões dos servidores civis e militares, de acordo com os critérios que estabelece nos incisos I e II do artigo 1º.

No exame do caso em concreto, tenho que presentes os requisitos autorizadores para a concessão da liminar pleiteada, previstos no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 1.533/51.

A contribuição previdenciária é um tributo vinculado, destinado a auxiliar o custeio do sistema de previdência, conforme se depreende do disposto no artigo 195 da Constituição Federal. E o fato gerador deste tributo é a expectativa de aposentadoria ou pensão a serem prestadas pelo Estado, em caso de preenchimento dos requisitos jurídicos para a respectiva concessão. O sujeito passivo são os servidores que exercem cargo público, no caso do regime próprio da previdência social. Logo, quem já está inativado pode até contribuir de outras formas para o custeio do sistema, conforme se observa do citado dispositivo, mas jamais através da contribuição previdenciária que tem uma relação de causa e efeito com o custeio do benefício futuro.

Outra compreensão do fato gerador da contribuição previdenciária de inativos e pensionistas esbarraria na necessidade de esclarecimento de parte do Estado no exercício do poder de tributar, já que o simples recebimento do benefício previdenciário por aposentados e pensionistas induz à percepção de dupla tributação, dado ao fato gerador do imposto de renda ser o mesmo. Inclusive a própria Emenda Constitucional nº 41/2003 aumentou os requisitos para a aposentadoria dos servidores públicos, o que representa um aumento na contribuição pela exigência de tempo de contribuição e idade mínima de forma mais rigorosa.

Afora o aspecto tributário, no âmbito das garantias constitucionais há previsão expressa no artigo 5º caput e inciso XXXVI pela vedação de prejuízo ao direito adquirido e ato jurídico perfeito por lei superveniente. E de acordo com os limites do constituinte derivado, insertos no artigo 60 § 4º, é vedada proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais, relacionados no artigo 5º citado, que inicia o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – bem como o capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – da nossa Carta Maior.

Ora, sem maiores exercícios de lógica, aqueles que se aposentaram sob a égide do sistema anterior, onde não havia a imposição de contribuição previdenciária para os inativos, e cujos atos de aposentadoria atenderam a todos os requisitos jurídicos da época, adquiriram o direito à percepção do benefício sem que houvesse necessidade de retribuição pecuniária no período de inativação, o que a toda evidência gera uma redução quantitativa do benefício. Assim, adquiriram o direito ao benefício sem a contraprestação na inatividade de contribuição a ele vinculada.


De outro lado, no caso concreto o ato de inativação ou de concessão do pensionamento preencheu todos os requisitos exigidos pelo sistema jurídico na época, estando, assim, para efeitos temporais devidamente perfeito e já perfectibilizado.

Sem olvidar da necessidade de busca de soluções para os problemas da previdência, especialmente no que diz respeito ao seu custeio, embora as causas das dificuldades financeiras não estejam na alíquota e nem na base de contribuintes e sim na gestão dos recursos arrecadados, é certo que num estado democrático nenhum interesse, por mais relevante que seja, supera o de proteção dos princípios fundamentais e das garantias constitucionais, cuja missão espinhosa cabe ao Poder Judiciário desempenhar. O interesse que está por traz de uma regra, ainda que de natureza constitucional, que estabelece uma contribuição para a previdência social àqueles que até então estavam exercendo o direito ao benefício sem contraprestação na inatividade, por mais sublime que seja, pois expressa um interesse público, não se sobrepõe ao interesse também público, de toda a sociedade, de manutenção de uma estrutura democrática onde determinados pilares de sustentação da estrutura social estejam protegidos dos interesses econômicos, ainda que públicos, em determinado momento histórico. E a força econômica, por maior que seja, não impõe o espaço de transigência com as cláusulas pétreas fixadas no pacto originário.

Nessa diretriz, para quem concretamente alcançou as exigências do direito subjetivo de aposentadoria ou pensão, a segurança jurídica da imutabilidade da relação estabelecida e em curso é elemento imune ao poder de tributar, legislar e até emendar a Carta Maior tornando-se insuscetível das variações ideológicas naturais do tempo e alternância do Poder no regime democrático.

Nesse contexto, a relevância do fundamento exigida pelo inciso II do artigo 7º da Lei 1533/51 está demonstrada à saciedade, bem como a ineficácia da medida em caso de aguardo do julgamento do mérito, dado ao caráter continuativo da contribuição e impossibilidade fática de repetição, especialmente levando em conta a idade dos que naturalmente se encontram em situação de inativação e os prazos de cumprimento das dívidas judiciais pelo Poder Público, afora o aspecto alimentar do provento.

No campo inverso, em caso de reversão da decisão por ocasião do julgamento de mérito, há possibilidade de recebimento das contribuições eventualmente em atraso por parte do Estado.

III – Diante do exposto, DEFIRO a liminar pleiteada, para determinar às autoridades coatoras que se abstenham de efetuar o desconto previdenciário sobre os proventos da Impetrante, até o julgamento do mérito do mandado de segurança.

Solicitem-se informações às dignas autoridades apontadas como coatoras.

Intime-se e, oportunamente, distribua-se.

Porto Alegre, 13 de julho de 2004.

DESEMBARGADOR OSVALDO STEFANELLO,

Presidente do Tribunal de Justiça

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!