Escândalo em distribuição

Leia recurso de investigada por fraude em distribuição de ações

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14 de julho de 2004, 18h38

Maria de Jesus Gasparini Lameira, uma das secretárias da primeira vice-presidência do TJ-RJ, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, nesta quarta-feira (14/7). Ela é investigada no caso sobre fraude em distribuição de processos. Até o momento, somente a secretária foi indiciada no inquérito policial instaurado.

Na “Reclamação para preservação de competência” (RCL 1652) — que tenta suspender as investigações feitas no Rio de Janeiro –, a defesa da servidora aposentada alega ser uma agressão “aos mais elementares princípios de direito, de bom senso e moralidade, que os desembargadores destinatários dessas distribuições não sejam objeto da mesma natural suspeita que recai sobre os funcionários manipuladores dos processos”.

O objetivo da ação ajuizada é levar para o STJ todas as investigações sobre as distribuições. O advogado da servidora, Paulo Ramalho, baseia-se no fato de o nome de alguns desembargadores do TJ-RJ aparecerem no relatório da Comissão Especial do próprio Tribunal que analisou as denúncias. Assim, por conta do foro privilegiado a que eles têm direito, o caso deveria ser analisado em Brasília.

O advogado, na sua reclamação, critica também o fato de o inquérito policial instaurado na 1ª Delegacia da capital do Rio (124/04) se destinar apenas a “apurar a responsabilidade de funcionários e ex-funcionários do Tribunal, por uma única distribuição”. Com isto, diz o documento, o delegado pretende instaurar um inquérito para cada um dos 14 processos em que a Comissão Especial de desembargadores concluiu terem sido fraudados na distribuição, comportamento classificado por Ramalho como “exótico”.

Muito embora defenda a tese de que os desembargadores para os quais foram destinados os processos também sejam colocados sob suspeita, o que justifica que o STJ avoque o caso para Brasília, o advogado ressalva não ser seu interesse “extrair ilações levianas, de modo a lançar imprecações subliminares ou indiretas sobre os desembargadores”. Lembra, inclusive, que “mantém relacionamento social com a maioria dos desembargadores citados e crê piamente na honestidade e integridade de todos eles”.

No seu pedido, ele também considera necessário que, assim como os desembargadores destinatários dos processos, os advogados que patrocinaram estas causas com distribuições suspeitas sejam investigados.

A Reclamação, por conta das férias forenses, deverá ser apreciada pelo presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, a quem caberá decidir se concede ou não a liminar suspendendo as investigações até o retorno das atividades do Judiciário, quando então o pedido seguirá o trâmite normal.

Leia a íntegra da Reclamação:

EXMO. SR. MINISTRO PRESIDENTE DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Reclamação para preservação de competência (Lei 8 .038/90, arts. 13 e segs., RISTJ, art. 11, inciso X). Irregularidade na distribuição de processos perante o Tribunal de Justiça. Relatório de Comissão Especial de Desembargadores, concluindo pela existência de fraude na distribuição de vários processos. Instauração de Inquérito Policial contra servidora do Tribunal. Hipótese que, em tese, atrai competência do Superior Tribunal de Justiça, ante o fato de que eventual suspeita de comportamento penal ilícito não pode recair apenas sobre servidora, mas também sobre os Desembargadores que receberam os feitos de distribuição supostamente fraudulenta. Competência do Superior Tribunal de Justiça (LC 35/79, art. 33, parágrafo único, c/c CPP, art.78, inciso III).

MARIA DE JESUS GASPARINI LAMEIRA, brasileira, casada, servidora pública estadual aposentada, residente e domiciliada à Estrada da Bica, 292, Jardim Guanabara, Estado do Rio de Janeiro, por seu advogado que ao final assina (procuração inclusa – doc. 1), com fundamento no art.11, inciso X, do Regimento Interno dessa Colenda Corte, e na Lei 8.038/90, arts. 13 e segs., vem à presença de V.Exa. apresentar RECLAMAÇÃO, para fins de preservação da competência desse Colendo Tribunal, com expresso PEDIDO DE LIMINAR, o que faz pelos fatos e fundamentos seguintes:

Ao longo dos últimos três meses a imprensa do Rio de Janeiro e do Brasil, vem noticiando supostas fraudes na distribuição de processos perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Em razão do noticiário, e, antes, acolhendo denúncia específica, o Tribunal de Justiça do Estado constituiu Comissão Especial de apuração, designando para integrá-la os Desembargadores HUMBERTO DE MENDONÇA MANES, MARCO ANTONIO DE SOUZA FAVER e ANTONIO CESAR SIQUEIRA, que após investigação preliminar, apresentaram relatório (ora junto por cópia – doc. 2, anexo), apontando irregularidade na distribuição, com direcionamento para relator, nos seguintes processos:

1) Apelação Cível nº. 2003.001.22338;


2) Agravo de Instrumento nº. 2003.002.20144;

3) Agravo de Instrumento nº. 2003.002.15342;

4) Mandado de Segurança nº. 2003.004.01499;

5) Agravo de Instrumento nº. 2003.002.16872;

6) Reclamação nº. 2003.023.00056;

7) Agravo de Instrumento nº. 2003.002.20226;

8) Agravo de Instrumento nº. 2003.002.22306;

9) Agravo de instrumento nº. 2004.002.00582;

10) Agravo de instrumento nº. 2004.002.05753;

11) Agravo de instrumento nº. 2004.002.05950;

12) Agravo de instrumento nº. 2004.002.06065;

13) Agravo de instrumento nº. 2003.002.20637;

14) Agravo de Instrumento nº. 2004.002.06523

Na conclusão do relatório da Comissão Especial, consignou-se:

“Diante dos fatos expostos e de toda a documentação que segue em anexo ao presente relatório, a Comissão, que obviamente não tem competência para valorar condutas, conclui suas atribuições afirmando ser evidente a existência de fraudes na distribuição da maioria dos processos analisados, ficando a apuração das respectivas responsabilidades a cargo das instituições competentes(…)

“A Comissão enfatiza que as ocorrências merecem análises aprofundadas, para aferição das reais responsabilidades administrativas e criminais acaso existentes.”

(Do relatório anexo – doc. 2)

O referido relatório foi submetido ao exame do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, que no dia 24 de maio último, decidiu:

“I – Por unanimidade de votos, determinou-se a instauração, no âmbito do Tribunal de Justiça, dos adequados procedimentos administrativos;

II – Por maioria de votos, determinou-se a remessa de cópia do relatório e das peças que o instruem à Procuradoria Geral da Justiça e à Ordem dos Advogados para as providências tidas por cabíveis. (…)”(Certidão anexa – doc. 3).

Depois de ampla divulgação pela imprensa dessas supostas fraudes na distribuição de processos, perante o Tribunal de Justiça, o Escritório de Advocacia SIQUEIRA CASTRO, tomando conhecimento daquele relatório da Comissão Especial do Tribunal de Justiça, ofereceu notitia criminis ao Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, denunciando que um processo de seu interesse, envolvendo a expressiva quantia de R$ 32.000.000,00 (trinta e dois milhões de reais) seria justamente um dos apontados pela Comissão de Apuração como de distribuição fraudada: o agravo de instrumento nº. 2003.002.15342 – doc. anexo 4.

Diante da notitia criminis, o Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro acabou por remeter o expediente para a 1 ª Delegacia Policial, vindo a autoridade policial, de forma precipitada, açodada mesmo, antes de sequer ouvir qualquer pessoa, a determinar o indiciamento da ora reclamante, ex-funcionária do Tribunal de Justiça, sendo a mesma efetivamente indiciada e inquirida (inclusos despacho de indiciamento – doc. 5; e termo de inquirição no Inq. Policial 124/04 – doc. 6).

Paralelamente ao Inquérito Policial 124/04, acima referido, e no qual foi a Reclamante indiciada, o Tribunal de Justiça do Estado remeteu a mesma 1a. Delegacia Policial cópia do relatório elaborado pela Comissão Especial, que apontara fraude na distribuição de vários processos, inclusive o Agravo de Instrumento nº. 2003.002.15342, objeto da notitia criminis apresentada pelo Escritório SIQUEIRA CASTRO.

Referido relatório, por cópia, encontra-se na 1ª Delegacia Policial, não havendo notícia do destino que lhe deu o Delegado Titular daquele órgão.

Observe-se que o despacho que determinou o indiciamento da ora reclamante (doc. 5, anexo), de maneira clara deixa expresso que o procedimento, muito estranhamente, pretende apurar apenas a responsabilidade de funcionários e ex-funcionários do Tribunal, por uma única distribuição, desprezando inclusive o fato de que o relatório indiciador de várias fraudes, foi encaminhado, pelo Tribunal de Justiça, a mesma 1a. Delegacia Policial.

O exótico comportamento da autoridade policial da 1a. Delegacia Policial já deixa antever que seu propósito – e aliás afirmou isso pessoalmente ao signatário – é instaurar tantos inquéritos quantos forem os processos supostamente fraudados na distribuição, conforme apontado no relatório da Comissão Especial do Tribunal de Justiça.

Independente do comportamento pouco compreensível da autoridade policial da 1a. Delegacia de Polícia, o fato concreto é que lhe falta atribuição para apurar as supostas fraudes na distribuição de processos perante o Tribunal de Justiça.

De fato, agride aos mais elementares princípios de direito, de bom senso e moralidade, que na situação presente, quando se cogita de supostas fraudes envolvendo valores milionários, discutidos em recursos judiciais distribuídos de forma irregular para Desembargadores, que os Desembargadores destinatários dessas distribuições irregulares não sejam objeto da mesma natural suspeita que recai sobre os funcionários manipuladores dos processos.


É óbvio que não se está aqui extraindo ilações levianas, de modo a lançar imprecações subliminares ou indiretas sobre os Desembargadores que receberam distribuições irregulares ou fraudadas. O advogado signatário, aliás, mantém relacionamento social com a maioria dos Desembargadores citados no malsinado relatório, e crê piamente na honestidade e integridade de todos eles.

Sem embargo da crença pessoal do signatário, contudo, o fato concreto é que a situação atual é insustentável, eis que a sociedade exige e merece que os fatos sejam apurados amplamente, devendo as investigações não pré-excluir qualquer pessoa, muito menos os Desembargadores que teriam recebido distribuição fraudulenta.

Essa questão em torno das supostas fraudes na distribuição de processos perante o Tribunal de Justiça tem inquietado a sociedade carioca, e quiçá a brasileira, com amplo noticiário sobre o tema, estimulado por comportamentos pouco usuais.

Nessa linha de comportamentos pouco usuais, destaca-se o fato de que o Ministério Público Estadual ajuizou ação cautelar em face de todos os funcionários do Tribunal que trabalhavam na distribuição e dos Desembargadores que receberam as distribuições ilegais, pretendendo o afastamento do sigilo bancário e telefônico de todos.

Essa medida cautelar, distribuída à 9a. Vara de Fazenda Pública do Estado, lá tombada sob o nº. 2004.001.075638-0 (printer da internet anexo – doc.7), foi julgada extinta sem julgamento de mérito, pendente, ainda, de eventual recurso, entre outros argumentos, o de envolver Desembargadores, que só podem ser investigados por esse Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Aduza-se, ainda, que recentemente a combativa associação de classe dos Magistrados do Rio de Janeiro – AMAERJ, num primeiro momento, por decisão de Assembléia, decidiu encaminhar cópia do relatório das supostas fraudes a essa Colenda Corte e, logo depois, em nova Assembléia, revogou a decisão anterior.

Merece anotar-se, igualmente, que segundo amplamente divulgado na imprensa local (doc. 8), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça mantém procedimento de investigação dos Desembargadores citados, que estariam sendo instados a oferecer defesa ou explicações.

Parece manifesta a ilegalidade de apenas a requerente, como ex-funcionária do Tribunal responsável pela manipulação dos processos, estar sendo submetida a investigação policial, indiciada em inquérito – e certamente será indiciada em outros tantos, sobre os mesmo fatos – quando as circunstâncias indicam, de forma clara, cristalina e óbvia, que devem ser investigados, também, os advogados patrocinadores dos feitos distribuídos ilegalmente e os Desembargadores destinatários de tais distribuições.

Ora, se dentre os investigados naturais figuram Desembargadores – os destinatário das distribuições irregulares ou fraudadas – a investigação somente pode ser conduzida perante esse Colendo Superior Tribunal de Justiça (LC 35/79, art. 33, parágrafo único).

E por força dos institutos processuais da conexão e/ou continência, a competência desse Colendo Tribunal Superior de Justiça, estende-se também em relação aos servidores e advogados, não detentores da prerrogativa de foro especial por prerrogativa de função (CPP, art.78, inciso III).

Em face do exposto, havendo necessidade de preservar-se a competência dessa Colenda Corte, tem a presente a finalidade de postular o sobrestamento de toda e qualquer apuração dos fatos em exame perante a Polícia Judiciária do Estado do Rio de Janeiro e/ou Ministério Público Estadual, seja sob os aspecto penal, seja sob o aspecto civil, na perspectiva de eventual inquérito civil público e/ou ação de improbidade, ante os termos do art. 84, § 2º do CPP, acrescentado pela Lei nº 10.628/2002.

DO PEDIDO LIMINAR:

Ao longo da postulação demonstrou-se, no mínimo, a razoabilidade da pretensão de ver-se a investigação do caso em exame sob o Comando dessa Colenda Corte.

Comprovou-se igualmente que a Reclamante sofre constrangimento ilegal, eis que indiciada em inquérito policial de ilegalidade manifesta, ante a competência jurisdicional dessa Colenda Corte e da atribuição institucional privativa da Procuradoria Geral da República para exame da quaestio.

Tais fatores conjugados e, sobretudo, a necessidade imperiosa de preservar-se a competência desse Superior Tribunal de Justiça, tornam imperiosa a concessão de medida liminar, nos exatos termos do art. 14, inciso II, da Lei 8.038/90.

Desse modo, requer como medida liminar:

a) sejam suspensos todos os procedimentos em curso na 1a. Delegacia Policial, que tenham por objeto investigação em torno das supostas fraudes apontadas no relatório do Tribunal de Justiça (doc. 02, anexo), especialmente o inquérito policial nº 124/04 e outros do mesmo gênero;

b) seja suspenso o curso do processo nº. 2004.001.075638-0, em trâmite na 9a. Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que tem por objeto medida cautelar de quebra de sigilo bancário e telefônico da requerente e dos Desembargadores citados na investigação preliminar;

DO PEDIDO FINAL:

Deferida e efetivada a liminar, requer seja o feito distribuído a um dos Eminentes Ministros que compõem a Colenda Corte Especial desse Tribunal, prosseguindo-se nos demais termos, até procedência final da reclamação, nos termos dos arts. 14, 15, 16, 17 e 18 da Lei 8.038/90.

Termos em que,

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 12 de julho de 2004.

PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO – OAB/RJ 49.206

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