Anencefalia em questão

Somente pessoas sem cérebro aceitam procuradores de Deus

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13 de julho de 2004, 11h14

Noticia-se que a CNBB vai recorrer da decisão do ministro Marco Aurélio de Mello que concedeu liminar autorizando a interrupção da gravidez em caso de anencefalia do nascituro. Veja-se que não se trata de ato de bispos, agindo como cidadãos e sim da CNBB, isto é, entidade religiosa como tal.

Em primeiro lugar, é de lembrar-se que, apesar do feriado inconstitucional de 12 de outubro, o Brasil é, graças a Deus, um estado laico, em que todas as religiões são permitidas, mas só produzem regras para seus adeptos.

Em segundo lugar, se fôssemos acreditar nas verdades da Igreja Católica, somente quinhentos anos depois de Galileu aceitaríamos que a Terra é redonda e que gira em torno do Sol. Além disto, acreditaríamos até hoje que a humanidade teve origem incestuosa, pois como Adão e Eva só tiveram (segundo a Igreja) filhos homens, estes só poderiam ter dado origem à humanidade se tivessem relação com sua mãe Eva, e depois com as eventuais filhas delas — irmãs e filhas deles.

Em terceiro lugar, como o Estado brasileiro não pode privilegiar uma determinada religião. Se atender à CNBB terá que atender também às testemunhas de Jeová e proibir a transfusão de sangue nos hospitais. E teríamos ainda que reconhecer a validade dos preceitos judaicos, proibindo, para tristeza dos mineiros, o consumo da carne de porco.

Ora, religião segue quem quer e nenhuma organização religiosa tem o direito de intervir nas coisas do Estado. Aliás, Cristo, que os religiosos teimam em ignorar, já dizia: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Meu reino não é deste mundo.”

Embora seja mais fácil ser ateu porque isto evita ter que pensar muito, a religiosidade é inerente ao ser humano. É difícil imaginar-se a perfeição do universo sem se imaginar Deus, como essência indescritível e inconcebível para quem não é Deus. Percebendo essa tendência natural do ser humano à religiosidade constituíram-se religiões como organizações políticas, como forma de domínio dos povos, em que o nome de Deus é usado como intimidação. Isto vale para todas ou as religiões organizadas. Através de suas estruturas impõem seus dogmas e conceitos, nomeiam procuradores de Deus, à revelia Dele e que, em Seu nome, tentam controlar as pessoas e as nações.

Obviamente somente pessoas sem cérebro ou com uso restrito dele aceitam procuradores de Deus que não exibem o instrumento de mandato e aceitam dogmas ante os quais não cabe o direito de indagar o porquê. Talvez por isto mesmo a CNBB tanto defende o nascimento de fetos anencéfalos: porque o campo fértil de domínio das religiões está exatamente entre as pessoas sem cérebro ou com cérebro de pouco uso.

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