Tortura psicológica

Conheça a tese para autorização de interrupção de gravidez

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13 de julho de 2004, 17h33

“Impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia e frustração, importa violação de ambas as vertentes de sua dignidade humana. A potencial ameaça à integridade física e os danos à integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. A convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro de seu corpo, que nunca poderá se tornar um ser vivo, podem ser comparadas à tortura psicológica”.

A afirmação é do advogado Luís Roberto Barroso, que representou a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A CNTS pediu ao ministro Marco Aurélio para autorizar a interrupção de gravidez cujo feto é anencefálico, ou seja, sem cérebro. O pedido foi atendido.

Em 1° de julho, Marco Aurélio deferiu a liminar. A medida, que tem efeito vinculante, passou a valer de imediato. No STF, os ministros Celso de Mello, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa já se manifestaram no mesmo sentido.

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem insistido na sua admissão no processo como “amicus curiae”. A figura do “amicus curiae” é permitida pela Lei 9.868/99 e significa a manifestação de terceiros, que não são partes no processo, na qualidade de informantes. A intervenção permite que o STF disponha de todos os elementos informativos possíveis e necessários para julgar os casos.

O ministro negou o pedido para que a CNBB pudesse se manifestar na ação. A CNBB renovou o pedido, que ainda não foi analisado.

Leia a íntegra da petição:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE – CNTS, entidade sindical de terceiro grau do sistema confederativo, inscrita no CNPJ sob o nº 67.139.485/0001-70 e registrada no Ministério do Trabalho sob o nº 24000.000490/92, com sede e foro na SCS – Qd. 01 – Bl. G – Edifício Bacarat, sala 1605, Brasília, DF, com fundamento no art. 102, § 1, da Constituição Federal e no art. 1 e segs. da Lei n 9.882, de 3.12.99, por seu advogado ao final assinado (doc. nº 01), que receberá intimações na Av. Rio Branco, nº 125, 21º andar, Centro, Rio de Janeiro, vem oferecer ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, indicando como preceitos vulnerados o art. 1, IV (a dignidade da pessoa humana), o art. 5, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade) e os arts. 6, caput, e 196 (direito à saúde), todos da Constituição da República, e como ato do Poder Público causador da lesão o conjunto normativo representado pelos arts. 124, 126, caput, e 128, I e II, do Código Penal (Decreto-lei n 2.848, de 7.12.40).

A violação dos preceitos fundamentais invocados decorre de uma específica aplicação que tem sido dada aos dispositivos do Código Penal referidos, por diversos juízes e tribunais: a que deles extrai a proibição de efetuar-se a antecipação terapêutica do parto nas hipóteses de fetos anencefálicos, patologia que torna absolutamente inviável a vida extra-uterina. O pedido, que ao final será especificado de maneira analítica, é para que este Tribunal proceda à interpretação conforme a Constituição de tais normas, pronunciando a inconstitucionalidade da incidência das disposições do Código Penal na hipótese aqui descrita, reconhecendo-se à gestante portadora de feto anencefálico o direito subjetivo de submeter-se ao procedimento médico adequado.

A demonstração da satisfação dos requisitos processuais, bem como da procedência do pedido, de sua relevância jurídica e do perigo da demora será feita no relato a seguir, que obedecerá ao roteiro apresentado acima.

I. NOTA PRÉVIA

ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO NÃO É ABORTO

1. A presente ação é proposta com o apoio técnico e institucional da ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, associação civil com sede em Brasília, voltada para a defesa e promoção da bioética, dos direitos humanos e dos grupos vulneráveis, dentre outros fins institucionais(1). A ANIS apenas não figura formalmente como co-autora da ação à vista da jurisprudência dessa Corte em relação ao direito de propositura. Requer, no entanto, desde logo, sua admissão como amicus curiae, por aplicação analógica do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868, de 10.11.99.

2. No Brasil, como em outras partes do mundo, é recorrente o debate acerca da questão do aborto e de sua criminalização, com a torrente de opiniões polarizadas que costuma acompanhá-lo. O Código Penal de 1940, como se sabe, tipificou o aborto na categoria dos crimes contra a vida. Esta visão, nos dias atuais, está longe de ser pacífica. A diversidade de concepções acerca do momento em que tem início a vida tem alçado este tema à deliberação de parlamentos e cortes constitucionais de diversos países, como Estados Unidos(2), Canadá(3), Portugal(4), Espanha(5), França(6) e Alemanha(7), dentre outros. Na presente ação, todavia, passa-se ao largo dessa relevante discussão, com todas as suas implicações filosóficas, religiosas e sociais. A argumentação desenvolvida, portanto, não questiona o tratamento dado ao aborto pelo direito positivo brasileiro em vigor, posição que não deve ser compreendida como concordância ou tomada de posição na matéria.


3. O processo objetivo que aqui se instaura cuida, na verdade, de hipótese muito mais simples. A antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos situa-se no domínio da medicina e do senso comum, sem suscitar quaisquer das escolhas morais envolvidas na interrupção voluntária da gravidez viável(8). Nada obstante, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal tornou-se indispensável na matéria, que tem profundo alcance humanitário, para libertá-la de visões idiossincráticas causadoras de dramático sofrimento às gestantes e de ameaças e obstáculos à atuação dos profissionais de saúde.

II. A HIPÓTESE

ANENCEFALIA, INVIABILIDADE DO FETO E ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO

4.A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico(9). Conhecida vulgarmente como “ausência de cérebro”, a anomalia importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central – responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas algumas funções inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal(10). Como é intuitivo, a anencefalia é incompatível com a vida extra-uterina, sendo fatal em 100% dos casos. Não há controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica.

5.Embora haja relatos esparsos sobre fetos anencefálicos que sobreviveram alguns dias fora do útero materno, o prognóstico nessas hipóteses é de sobrevida de no máximo algumas horas após o parto. Não há qualquer possibilidade de tratamento ou reversão do quadro, o que torna a morte inevitável e certa(11). Aproximadamente 65% (sessenta e cinco por cento) dos fetos anencefálicos morrem ainda no período intra-uterino(12).

6. O exame pré-natal mais comumente utilizado para detectar anomalias resultantes de má-formação fetal é a ecografia(13). A partir do segundo trimestre de gestação, o procedimento é realizado através de uma sonda externa que permite um estudo morfológico preciso, incluindo-se a visualização, e.g., da caixa craniana do feto. No estado da técnica atual, o índice de falibilidade dessa espécie de exame é praticamente nulo, de modo que seu resultado é capaz de gerar confortável certeza médica.

7.Uma vez diagnosticada a anencefalia, não há nada que a ciência médica possa fazer quanto ao feto inviável. O mesmo, todavia, não ocorre com relação ao quadro clínico da gestante. A permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-útero desses fetos. De fato, a má-formação fetal em exame empresta à gravidez um caráter de risco, notadamente maior do que o inerente a uma gravidez normal(14). Assim, a antecipação do parto nessa hipótese constitui indicação terapêutica médica: a única possível e eficaz para o tratamento da paciente (a gestante), já que para reverter a inviabilidade do feto não há solução.

8.Como se percebe do relato feito acima, a antecipação do parto em casos de gravidez de feto anencefálico não caracteriza aborto, tal como tipificado no Código Penal. O aborto é descrito pela doutrina especializada como “a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção)”(15). Vale dizer: a morte deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Não é o que ocorre na antecipação do parto de um feto anencefálico. Com efeito, a morte do feto nesses casos decorre da má-formação congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorridos os 9 meses normais de gestação. Falta à hipótese o suporte fático exigido pelo tipo penal. Ao ponto se retornará adiante.

9.Note-se, a propósito, que a hipótese em exame só não foi expressamente abrigada no art. 128 do Código Penal como excludente de punibilidade (ao lado das hipóteses de gestação que ofereça risco de vida à gestante ou resultante de estupro) porque em 1940, quando editada a Parte Especial daquele diploma, a tecnologia existente não possibilitava o diagnóstico preciso de anomalias fetais incompatíveis com a vida. Não se pode permitir, todavia, que o anacronismo da legislação penal impeça o resguardo de direitos fundamentais consagrados pela Constituição, privilegiando-se o positivismo exacerbado em detrimento da interpretação evolutiva e dos fins visados pela norma.

III. DO DIREITO

QUESTÕES PROCESSUAIS RELEVANTES E FUNDAMENTOS DO PEDIDO


III.1. Preliminarmente

a) Legitimação ativa e pertinência temática

10.Nos termos do art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99, a legitimação ativa para a ADPF recai sobre os que têm direito de propor ação direta de inconstitucionalidade, constantes do elenco do art. 103 da Constituição Federal(16). Tal é o caso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, que é uma confederação sindical (CF, art. 103, IX), de acordo com o art. 535 da CLT, com registro no Ministério do Trabalho (doc. nº 03) e tem âmbito nacional (Estatuto Social, art. 1º – doc. nº 02). Há expresso reconhecimento, nesse sentido, por parte do Supremo Tribunal Federal, manifestado no julgamento das ADIns nº 1.458 (Rel. Min. Celso de Mello)(17) e 1.497 (Rel. Min. Marco Aurélio)(18).

11.A pertinência temática é igualmente inequívoca. A CNTS tem, dentre suas finalidades, a de substituir e/ou representar, perante as autoridades judiciárias e administrativas, os interesses individuais e coletivos da categoria profissional dos trabalhadores na saúde (Estatuto, art. 3º, h). Ora bem: os trabalhadores na saúde, aí incluídos médicos, enfermeiros e outras categorias que atuem no procedimento de antecipação terapêutica do parto, sujeitam-se a ação penal pública por violação dos dispositivos do Código Penal já mencionados, caso venham a ser indevidamente interpretados e aplicados por juízes e tribunais. Como se percebe intuitivamente, a questão ora submetida à apreciação dessa Corte afeta não apenas o direito das gestantes, mas também a liberdade pessoal e profissional dos trabalhadores na saúde.

12.Caracterizadas a legitimação ativa e a pertinência temática, cabe agora examinar a presença dos requisitos de cabimento da ADPF.

b) Cabimento da ADPF

13. A Lei n 9.882, de 3.12.99, que dispôs sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental(19), contemplou duas modalidades possíveis para o instrumento: a argüição autônoma e a incidental. A argüição aqui proposta é de natureza autônoma, cuja matriz se encontra no caput do art. 1 da lei específica, in verbis:

“Art. 1. A argüição prevista no § 1 do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”(20).

14. A ADPF autônoma constitui uma ação, análoga às ações diretas já instituídas na Constituição, por via da qual se suscita a jurisdição constitucional abstrata e concentrada do Supremo Tribunal Federal. Tem por singularidade, todavia, o parâmetro de controle mais restrito – não é qualquer norma constitucional, mas apenas preceito fundamental – e o objeto do controle mais amplo, compreendendo os atos do Poder Público em geral, e não apenas os de cunho normativo.

15. São três os pressupostos de cabimento da argüição autônoma: (i) a ameaça ou violação a preceito fundamental; (ii) um ato do Poder Público capaz de provocar a lesão; (iii) a inexistência de qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Confira-se, a seguir, a demonstração da satisfação de cada um deles na hipótese aqui examinada.

(i) Ameaça ou violação a preceito fundamental

16. Nem a Constituição nem a lei cuidaram de precisar o sentido e o alcance da locução “preceito fundamental”. Nada obstante, há substancial consenso na doutrina de que nessa categoria hão de figurar os fundamentos e objetivos da República, assim como as decisões políticas fundamentais, objeto do Título I da Constituição (arts. 1 a 4). Também os direitos fundamentais se incluem nessa tipificação, compreendendo, genericamente, os individuais, coletivos, políticos e sociais (art. 5 e segs). Devem-se acrescentar, ainda, as normas que se abrigam nas cláusulas pétreas (art. 60, § 4) ou delas decorrem diretamente. E, por fim, os princípios constitucionais ditos sensíveis (art. 34, VII), que são aqueles que, por sua relevância, dão ensejo à intervenção federal(21).

17. Conforme será aprofundado pouco mais à frente, na questão aqui posta os preceitos fundamentais vulnerados são: o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, IV), um dos fundamentos da República brasileira; a cláusula geral da liberdade, extraída do princípio da legalidade (art. 5, II), direito fundamental previsto no Capítulo dedicado aos direitos individuais e coletivos; e o direito à saúde (arts. 6 e 196), contemplado no Capítulo dos direitos sociais e reiterado no Título reservado à ordem social.

(ii) Ato do Poder Público

18. Como decorre do relato explícito do art. 1 da Lei n 9.88299, os atos que podem ser objeto de ADPF autônoma são os emanados do Poder Público, aí incluídos os de natureza normativa, administrativa e judicial. Na presente hipótese, o ato estatal do qual resulta a lesão que se pretende reparar consiste no conjunto normativo extraído dos arts. 124, 126, caput, e 128, I e II, do Código Penal, ou mais propriamente, na interpretação inadequada que a tais dispositivos se tem dado em múltiplas decisões (docs. nos 7 a 9). Os dispositivos têm a seguinte dicção:


“Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

“Aborto provocado por terceiro

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.”

“Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

19. O que se visa, em última análise, é a interpretação conforme a Constituição da disciplina legal dada ao aborto pela legislação penal infraconstitucional, para explicitar que ela não se aplica aos casos de antecipação terapêutica do parto na hipótese de fetos portadores de anencefalia, devidamente certificada por médico habilitado.

(iii) Inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesividade (subsidiariedade da ADPF)

20. A exigência de “inexistir outro meio capaz de sanar a lesividade” não decorre da matriz constitucional do instituto. Inspirada por dispositivos análogos, relativamente ao recurso constitucional alemão(22) e ao recurso de amparo espanhol(23), a subsidiariedade da ADPF acabou por constar do art. 4, § 1, da Lei n 9.88299:

“§ 1º. Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”.

21. A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal têm construído o entendimento de que a verificação da subsidiariedade em cada caso depende da eficácia do “outro meio” referido na lei, isto é, da espécie de solução que as outras medidas possíveis na hipótese sejam capazes de produzir(24). O outro meio deve proporcionar resultados semelhantes aos que podem ser obtidos com a ADPF. Ora, a decisão na ADPF é dotada de caráter vinculante e contra todos, e dificilmente uma ação individual ou coletiva de natureza subjetiva poderá atingir tais efeitos(25). Ademais, caso, a pretexto da subsidiariedade, se pretendesse vedar o emprego da ADPF sempre que cabível alguma espécie de recurso ou ação de natureza subjetiva, o papel da nova ação seria totalmente marginal e seu propósito não seria cumprido. É por esse fundamento, tendo em vista a natureza objetiva da ADPF autônoma, que o exame de sua subsidiariedade deve levar em consideração os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional.

22.Assim, não sendo cabível qualquer espécie de processo objetivo – como a ação direta de inconstitucionalidade ou a ação declaratória de constitucionalidade –, caberá a ADPF. Esse é o entendimento que tem prevalecido nesse Eg. STF(26).

23. No caso presente, as disposições questionadas encontram-se no Código Penal, materializado no Decreto-lei n 2.848, de 7.12.40. Trata-se, como se percebe singelamente, de diploma legal pré-constitucional, não sendo seus dispositivos originais suscetíveis de controle mediante ação direta de inconstitucionalidade, consoante pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal(27). Não seria hipótese de ação declaratória de constitucionalidade nem de qualquer outro processo objetivo.

24. Pelas razões expostas, afigura-se fora de dúvida o cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental na hipótese.

III.2. No mérito: preceitos fundamentais violados

25.No início desta peça, mencionou-se que a hipótese aqui em exame não envolve os elementos discutidos quando o tema é aborto. De fato, a discussão jurídica acerca da interrupção da gravidez de um feto viável envolve a ponderação de bens supostamente em tensão: de um lado, a potencialidade de vida do nascituro e, de outro, a liberdade e autonomia individuais da gestante(28). Como já referido, no caso de feto anencefálico, há certeza científica de que o feto não tem potencialidade de vida extra-uterina.

26. Diante disso, o foco da atenção há de voltar-se para o estado da gestante. O reconhecimento de seus direitos fundamentais, a seguir analisados, não é a causa da lesão a bem ou direito de outrem – por fatalidade, não há viabilidade de uma outra vida, sequer um nascituro(29), cujo interesse se possa eficazmente proteger. É até possível colocar a questão em termos de ponderação de bens ou valores, mas a rigor técnico não há esta necessidade. A hipótese é de não-subsunção da situação fática relevante aos dispositivos do Código Penal. A gestante portadora de feto anencefálico que opte pela antecipação terapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais que imunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva.


a) Dignidade da pessoa humana. Analogia à tortura

27. A dignidade da pessoa humana foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos. A banalização do mal(30) ao longo da primeira metade do século XX e a constatação, sobretudo após as experiências do fascismo e do nazismo, de que a legalidade formal poderia encobrir a barbárie levaram à superação do positivismo estrito e ao desenvolvimento de uma dogmática principialista, também identificada como pós-positivismo.(31) Nesse novo paradigma, dá-se a reaproximação entre o Direito e a Ética, resgatam-se os valores civilizatórios, reconhece-se normatividade aos princípios e cultivam-se os direitos fundamentais. Sob este pano de fundo, a Constituição de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de direito (art. 1º, III).(32)

28.O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. Relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. Aliás, o reconhecimento dos direitos da personalidade como direitos autônomos(33), de que todo indivíduo é titular(34), generalizou-se também após a Segunda Guerra Mundial e a doutrina descreve-os hoje como emanações da própria dignidade, funcionando como “atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano.”(35) Tais direitos, reconhecidos a todo ser humano(36) e consagrados pelos textos constitucionais modernos em geral, são oponíveis a toda a coletividade e também ao Estado(37).

29.Uma classificação que se tornou corrente na doutrina é a que separa os direitos da personalidade, inerentes à dignidade humana, em dois grupos: (i) direitos à integridade física, englobando o direito à vida, o direito ao próprio corpo e o direito ao cadáver; e (ii) direitos à integridade moral, rubrica na qual se inserem os direitos à honra, à liberdade, à vida privada, à intimidade, à imagem, ao nome e o direito moral do autor, dentre outros.

30.A relevância desses direitos para a hipótese aqui em discussão é simples de ser demonstrada. Impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia e frustração, importa violação de ambas as vertentes de sua dignidade humana. A potencial ameaça à integridade física e os danos à integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. A convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro de seu corpo, que nunca poderá se tornar um ser vivo, podem ser comparadas à tortura psicológica. A Constituição Federal, como se sabe, veda toda forma de tortura (art. 5°, III) e a legislação infra-constitucional define a tortura como situação de intenso sofrimento físico ou mental(38) (acrescente-se: causada intencionalmente ou que possa ser evitada).

b) Legalidade, liberdade e autonomia da vontade

31.O princípio da legalidade(39), positivado no inciso II do art. 5 da Constituição, na dicção de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, flui por vertentes distintas em sua aplicação ao Poder Público e aos particulares. Para o Poder Público, somente é facultado agir por imposição ou autorização legal(40). Em relação aos particulares, esta é a cláusula constitucional genérica da liberdade no direito brasileiro: se a lei não proíbe determinado comportamento ou se a lei não o impõe, têm as pessoas a auto-determinação de adotá-lo ou não.

32.A liberdade consiste em ninguém ter de submeter-se a qualquer vontade que não a da lei, e, mesmo assim, desde que seja ela formal e materialmente constitucional. Reverencia-se, dessa forma, a autonomia da vontade individual, cuja atuação somente deverá ceder ante os limites impostos pela legalidade. De tal formulação se extrai a ilação óbvia de que tudo aquilo que não está proibido por lei é juridicamente permitido.

33.Pois bem. A antecipação terapêutica do parto em hipóteses de gravidez de feto anencefálico não está vedada no ordenamento jurídico. O fundamento das decisões judiciais que têm proibido sua realização, data venia de seus ilustres prolatores, não é a ordem jurídica vigente no Brasil, mas sim outro tipo de consideração. A restrição à liberdade de escolha e à autonomia da vontade da gestante, nesse caso, não se justifica, quer sob o aspecto do direito positivo, quer sob o prisma da ponderação de valores: como já referido, não há bem jurídico em conflito com os direitos aqui descritos(41).

c) Direito à saúde

34.Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão dispostos no art. 6°, caput, e nos arts. 196 a 200 da Constituição Federal. O art. 196 é especialmente importante na hipótese:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

35.A previsão expressa do direito à saúde na Carta de 1988 é reflexo da elevação deste direito, no âmbito mundial, à categoria de direito humano fundamental. Ressalte-se, neste ponto, que saúde, na concepção da própria Organização Mundial da Saúde, é o completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. A antecipação do parto em hipótese de gravidez de feto anencefálico é o único procedimento médico cabível para obviar o risco e a dor da gestante. Impedir a sua realização importa em indevida e injustificável restrição ao direito à saúde. Desnecessário enfatizar que se trata, naturalmente, de uma faculdade da gestante e não de um procedimento a que deva obrigatoriamente submeter-se.

IV. DO PEDIDO

INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

36.A técnica da interpretação conforme a Constituição, desenvolvida pela doutrina moderna(42) e amplamente acolhida por essa Corte(43), consiste na escolha de uma linha de interpretação para determinada norma legal, em meio a outras que o texto comportaria. Por essa via, dá-se a expressa exclusão de um dos sentidos possíveis da norma, por produzir um resultado que contravém a Constituição, e a afirmação de outro sentido, compatível com a Lei Maior, dentro dos limites e possibilidades oferecidos pelo texto(44).

37.Pois bem. O legislador penal brasileiro tipificou o aborto na categoria dos crimes contra a vida. Assim é que são tutelados, nos artigos 124 a 128 do Código Penal, o feto e, ainda, a vida e a integridade física da gestante (vide CP, art. 125 – aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da mãe). A antecipação consentida do parto em hipóteses de gravidez de feto anencefálico não afeta qualquer desses bens constitucionais. Muito ao contrário.

38.Como já exposto, na gestação de feto anencefálico não há vida humana viável em formação. Vale dizer: não há potencial de vida a ser protegido, de modo que falta à hipótese o suporte fático exigido pela norma. Com efeito, apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo de aborto. Assim, não há como se imprimir à antecipação do parto nesses casos qualquer repercussão jurídico-penal, de vez que somente a conduta que frustra o surgimento de uma pessoa ou que causa danos à integridade física ou à vida da gestante tipifica o crime de aborto(45). Sobre o ponto, vale reproduzir a lição clássica de Nelson Hungria que, embora escrita décadas antes de ser possível o diagnóstico de anencefalia, aplica-se perfeitamente ao caso:

“Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracterize o abôrto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em abôrto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto.” (grafia original)(46)

39.O Judiciário já tem examinado essa questão em várias ocasiões. Na realidade, nos últimos anos, decisões judiciais em todo o país têm reconhecido às gestantes o direito de submeterem-se à antecipação terapêutica do parto em casos como o da anencefalia, concedendo-lhes alvarás para realização do procedimento(47). Recentemente, porém, algumas decisões em sentido inverso desequilibraram a jurisprudência que se havia formado. Uma delas, inclusive, chegou à apreciação desse Eg. Supremo Tribunal no início de 2004.

40. Trata-se do HC 84.025-6/RJ, no qual se versava hipótese, precisamente, de pedido de antecipação do parto de feto anencefálico. Seria a primeira vez que o STF teria oportunidade de apreciar a questão. Lamentavelmente, porém, antes que o julgamento pudesse acontecer, a gravidez chegou a termo e o feto anencefálico, sete minutos após o parto, morreu. O eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator designado para o caso, divulgou seu preciso voto, exatamente no sentido do que aqui se sustenta. Vale transcrever trecho de seu pronunciamento, que resume toda a questão em análise:

“Em se tratando de feto com vida extra-uterina inviável, a questão que se coloca é: não há possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno, pois, qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento que se interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser considerada crime? Entendo que não, Sr. Presidente. Isso porque, ao proceder à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, entendo que, no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal.”(48)

IV.1. Pedido cautelar

41.No curso da argumentação desenvolvida demonstrou-se, de maneira que se afigura inequívoca, a presença do fumus boni iuris. A violação dos preceitos fundamentais representados pela dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade, autonomia da vontade e direito à saúde é ostensiva, caso se interpretem as normas penais como impeditivas da antecipação terapêutica do parto na hipótese de feto anencefálico.

42.Quanto ao periculum in mora, note-se que tramitam perante tribunais de todo o país diversas ações judiciais em que gestantes – notadamente as de baixa renda, que dependem da rede pública de saúde – buscam autorização judicial para poderem submeter-se à antecipação terapêutica do parto, por serem portadoras de feto anencefálico. Note-se que o procedimento médico somente é realizado na rede do SUS – e mesmo na maioria dos hospitais privados – mediante a apresentação de tal autorização. Desnecessário dizer (e o caso do HC 84.025-6/RJ, acima citado, é prova disso) que a demora inerente aos trâmites processuais muitas vezes torna inócua eventual decisão judicial favorável à gestante.

43.Configurados o fumus boni iuris e o grave periculum in mora, a CNTS requer, com fulcro no art. 5, caput e § 3 da Lei n. 9.882/99, seja concedida medida liminar para suspender o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais que pretendam aplicar ou tenham aplicado os dispositivos do Código Penal aqui indigitados, nos casos de antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos. E que se reconheça, como conseqüência, o direito constitucional da gestante de se submeter ao procedimento aqui referido, e do profissional de saúde de realizá-lo, desde que atestada, por médico habilitado, a ocorrência da anomalia descrita na presente ação.

IV.2. Pedido principal

44.Por todo o exposto, a CNTS requer seja julgado procedente o presente pedido para o fim de que essa Eg. Corte, procedendo à interpretação conforme a Constituição dos arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal (Decreto-lei n° 2.848/40), declare inconstitucional, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a interpretação de tais dispositivos como impeditivos da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal procedimento sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.

IV.3. Pedido alternativo

45.Por fim, alternativamente e por eventualidade, a CNTS requer que, caso V. Exa. entenda pelo descabimento da ADPF na hipótese, seja a presente recebida como ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que o que se pretende é a interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal, sem redução de texto, hipótese, portanto, em que não incidiria a jurisprudência consagrada dessa Corte relativamente à inadmissibilidade desse tipo de ação em relação a direito pré-constitucional.

46. De fato, a lógica dominante na Corte, reiterada na ADIn nº 2, é a de que lei anterior à Constituição e com ela incompatível estaria revogada. Conseqüentemente, não se deve admitir a ação direta de inconstitucionalidade cujo propósito é, em última análise, retirar a norma do sistema. Se a norma já não está em vigor, não haveria sentido em declarar sua inconstitucionalidade. Esse tipo de raciocínio, todavia, não é válido quando o pedido na ação direta é o de interpretação conforme a Constituição. É que, nesse caso, não se postula a retirada da norma do sistema jurídico nem se afirma que ela seja inconstitucional no seu relato abstrato. A norma permanece em vigor, com a interpretação que lhe venha a dar a Corte.

Por fim, nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, a CNTS se coloca à disposição de V. Exa. para providenciar a emissão de pareceres técnicos e/ou a tomada de declarações de pessoas com experiência e autoridade na matéria, caso se entenda necessário.

Nestes termos, pede deferimento.

Do Rio de Janeiro para Brasília, 16 de junho de 2004.

LUÍS ROBERTO BARROSO

OAB/RJ 37.769

Notas de rodapé:

1-A ANIS tem, nos termos do art. 3º de seu Estatuto, como objetivos institucionais: defender e promover a bioética, a paz, os direitos humanos, a democracia e outros valores considerados universais; defender e promover a cidadania e a liberdade por meio da difusão de princípios bioéticos pautados nos direitos humanos; colaborar no combate de todas as formas de opressão social e discriminação, especialmente de gênero, que impeçam o exercício da liberdade; e difundir a bioética como um instrumento eficaz na proteção dos direitos humanos, especialmente de grupos vulneráveis, no Brasil ou em qualquer parte do mundo (doc. nº 05).

2- Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973) e, mais recentemente, Planned Parenthood of Southwestern Pennsylvania v. Casey 505 U.S. 833 (1992). Nos Estados Unidos, reconhece-se à mulher o direito constitucional amplo para realizar aborto no primeiro trimestre de gravidez. Em relação ao segundo e ao terceiro trimestres, as restrições instituídas por leis estaduais podem ser progressivamente mais severas.

3- Morgentaler Smoling and Scott v. The Queen (1988). No julgamento desse caso, a Suprema Corte canadense reconheceu às mulheres o direito fundamental à prática do aborto. Esta nota e as quatro subseqüentes beneficiam-se de pesquisa desenvolvida pelo Doutor e Procurador da República Daniel Sarmento, gentilmente cedida ao signatário da presente.

4- O Tribunal Constitucional português reconheceu a constitucionalidade de lei que permitia o aborto em circunstâncias específicas, dentre elas o risco à saúde física ou psíquica da gestante, feto com doença grave e incurável, gravidez resultante de estupro e outras situações de estado de necessidade da gestante (Acórdão 25/84).

5- A Corte Constitucional espanhola considerou inconstitucional lei que autorizava o aborto em casos de estupro, anomalias do feto e riscos à saúde física e mental da mãe porque a lei não exigia prévio diagnóstico médico nos casos de má-formação fetal e risco à saúde da gestante.

6- Em 1975, foi editada lei francesa permitindo o aborto, a pedido da mulher, até a 10ª semana de gestação, quando a gestante afirmasse que a gravidez lhe causa angústia grave, ou a qualquer momento, por motivos terapêuticos. A norma foi submetida ao controle de constitucionalidade (antes de editada) e ao controle de convencionalidade (após sua edição), tendo sido considerada compatível tanto com a Constituição francesa quanto com a Convenção Européia dos Direitos Humanos. Hoje, outra norma cuida da matéria, mantendo a possibilidade relativamente ampla de aborto na França.

7- Na Alemanha, após uma posição inicial restritiva, materializada na decisão conhecida como “Aborto I” (1975), a Corte Constitucional, em decisão referida como “Aborto II” (1993), entendeu que uma lei que proibisse em regra o aborto, sem criminalizar a conduta da gestante, seria válida, desde que adotasse outras medidas para proteção do feto. Registrou, contudo, que o direito do feto à vida, embora tenha valor elevado, não se estende a ponto de eliminar todos os direitos fundamentais da gestante, havendo casos em que deve ser permitida a realização do aborto.

8- Inexiste qualquer proximidade entre a pretensão aqui veiculada e o denominado aborto eugênico, cujo fundamento é eventual deficiência grave de que seja o feto portador. Nessa última hipótese, pressupõe-se a viabilidade da vida extra-uterina do ser nascido, o que não é o caso em relação à anencefalia.

9- Richard E. Behrman, Robert M. Kliegman e Hal B. Jenson, Nelson/Tratado de Pediatria, Ed. Guanabara Koogan, 2002, p. 1777.

10- Debora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro, Aborto por anomalia fetal, 2003, p. 101.

11- Debora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro, Aborto por anomalia fetal, 2003, p. 44.

12- Debora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro, Aborto por anomalia fetal, 2003, p. 102.

13- V. definição constante do Dicionário enciclopédico de medicina (A. Céu Coutinho), p. 748: “Método auxiliar de diagnóstico baseado no registro gráfico de ecos de ultra-sons que são emitidos e captados por um aparelho especial que emite as ondas e capta os seus reflexos, fazendo também o seu registro gráfico (ecograma).” .

14- Em parecer sobre o assunto, a FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia atesta: “As complicações maternas são claras e evidentes. Deste modo, a prática obstetrícia nos tem mostrado que: A) A manutenção da gestação de feto anencefálico tende a se prolongar além de 40 semanas. B) Sua associação com polihidrâminio (aumento do volume no líquido amniótico) é muito freqüente. C) Associação com doença hipertensiva especifica da gestação (DHEG). D) Associação com vasculopatia periférica de estase. E) Alterações do comportamento e psicológicas de grande monta para a gestante. F) Dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencéfalos de termo. G) Necessidade de apoio psicoterápico no pós-parto e no puerpério. H) Necessidade de registro de nascimento e sepultamento desses recém-nascidos, tendo o cônjuge que se dirigir a uma delegacia de polícia para registrar o óbito. I) Necessidade de bloqueio de lactação (suspender a amamentação). J) Puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratilidade uterina. K) Maior incidência de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstetrícias do parto de termo.” (doc. nº 06)

15 Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 2002, p. 424

16- CF, art. 103: “Pode propor a ação direta de inconstitucionalidade: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembléia Legislativa; V – o Governador de Estado; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

17- STF, ADIn/MC 1.458-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20.09.1996.

18- STF, ADIn/MC 1.497-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 13.12.2002.

19- Anteriormente à promulgação desse diploma legal, a posição do Supremo Tribunal Federal era pela não-autoaplicabilidade da medida. V. DJU, 31.05.1996, Ag. Reg. na Pet. 1.140, rel. Min. Sydney Sanches.

20- A argüição incidental decorre do mesmo art. 1, parágrafo único, I: “Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”, combinado com o art. 6, § 1 da mesma lei: “Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou, ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria” (grifo acrescentado).

21- Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro (obra ainda inédita), 2004.

22- A Lei sobre o Tribunal Constitucional Federal exige, em seu § 90, alínea 2, que antes da interposição de um recurso constitucional seja esgotada regularmente a via judicial.

23- Lei Orgânica 2, de 3.10.79, do Tribunal Constitucional, art. 44, 1, a.

24- Embora na ADPF n 17 (DJU 28.09.2001), o relator, Min. Celso de Mello, não tenha conhecido da argüição, por aplicação da regra da subsidiariedade, esse ponto não lhe passou despercebido, como se vê da transcrição da seguinte passagem de seu voto: “É claro que a mera possibilidade de utilização de outros meios processuais não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir, revelar-se-á essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se aptos a sanar, de modo eficaz, a situação da lesividade.

Isso significa, portanto, que o princípio da subsidiariedade não pode – e não deve – ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental, eis que esse instrumento está vocacionado a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República.

Se assim não se entendesse, a indevida aplicação do princípio da subsidiariedade poderia afetar a utilização dessa relevantíssima ação de índole constitucional, o que representaria, em última análise, a inaceitável frustração do sistema de proteção, instituído na Carta Política, de valores essenciais, de preceitos fundamentais e de direitos básicos, com grave comprometimento da própria efetividade da Constituição. Daí a prudência com que o Supremo Tribunal Federal deve interpretar a regra inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, em ordem a permitir que a utilização da nova ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental, causada por ato do Poder Público” (negrito no original).

25- exceção pode ocorrer em certas hipóteses de ação popular ou de ação civil pública.

26- DJU 2.12.2002, p. 70, ADPF 33-5, Rel. Min. Gilmar Mendes: “De uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial. Uma leitura mais cuidadosa há de revelar, porém, que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental nesse processo deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva.

(…) Assim, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional. Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade – isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata –, há de se entender possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

É o que ocorre, fundamentalmente, nos casos relativos ao controle de legitimidade do direito pré-constitucional, do direito municipal em face da Constituição Federal e nas controvérsias sobre direito pós-constitucional já revogados ou cujos efeitos já se exauriram. Nesses casos, em face do não-cabimento da ação direta de inconstitucionalidade, não há como deixar de reconhecer a admissibilidade da argüição de descumprimento.

(…) Não se pode admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva excluir, a priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Até porque o instituto assume, entre nós, feição marcadamente objetiva. Nessas hipóteses, ante a inexistência de processo de índole objetiva apto a solver, de uma vez por todas, a controvérsia constitucional, afigura-se integralmente aplicável a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

(…) Assim, o Tribunal poderá conhecer da argüição de descumprimento toda vez que o princípio da segurança jurídica restar seriamente ameaçado, especialmente em razão de conflitos de interpretação ou de incongruências hermenêuticas causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional”.

27- STF, DJU 21.11.1997, p. 60.585, ADIn n 2, Rel. Min. Paulo Brossard. Sobre este tópico específico e as sutilezas que pode envolver, v. itens 45 e segs. da presente petição, nos quais se veicula o pedido alternativo.

28- Sobre a ponderação de bens como técnica de decisão, v. na doutrina brasileira o trabalho pioneiro de Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição Federal, 2000.

29- Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário da língua portuguesa, 2a ed., 36a, imp.: “Nascituro. (…) 3. Jur. O ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato futuro certo”. No caso, só a morte é certa, anterior ou imediatamente após o parto. Veja-se, por relevante, que a Lei nº 9.43797 estabelece como momento da morte humana o da morte encefálica, para fins de autorização de transplante. Confira-se sua dicção expressa: “Art. 3º. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”.

30- A expressão foi empregada por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal, trad. José Rubens Siqueira, Companhia das Letras, 1999.

31- V. Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 1999, p. 237. Sobre o tema, na doutrina nacional, v. tb. Luís Roberto Barroso, “Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo)”. In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 2003.

32- Alguns trabalhos monográficos recentes sobre o tema: José Afonso da Silva, Dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, Revista de Direito Administrativo 212/89; Cármen Lúcia Antunes Rocha, O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social, Anais da XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 1999; Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988, 2001; Cleber Francisco Alves, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, 2001; Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana, 2001.

33- Sobre a discussão acerca da existência autônoma dos direitos da personalidade, v. Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 1997, p. 155.

34- Pietro Perlingieri, La personalità umana nell’ordenamento giuridico, apud Gustavo Tepedino, “A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro”, in Temas de direito civil, 2001, p. 42: “O direito da personalidade nasce imediatamente e contextualmente com a pessoa (direitos inatos). Está-se diante do princípio da igualdade: todos nascem com a mesma titularidade e com as mesmas situações jurídicas subjetivas (…) A personalidade comporta imediata titularidade de relações personalíssimas.”

35- Gustavo Tepedino, “A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro”, in Temas de direito civil, 2001, p. 33.

36- Mônica Neves Aguiar da Silva Castro, Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos, 2002, p. 67: “Identificados como inatos, no sentido de que não é necessária a prática de ato de aquisição, posto que inerentes ao homem, bastando o nascimento com vida para que passem a existir, os direito da personalidade vêm sendo reconhecidos igualmente aos nascituros.”

37- Miguel Ángel Alegre Martínez, El derecho a la propia imagen, 1997, p. 140: “Es de notar, además, que los destinatarios de esse deber genérico son todas las personas. El respeto a los derechos fundamentales, traducción del respeto a la dignidad de la persona, corresponde a todos, precisamente porque los derechos que deben ser respetados son patrimonio de todos, y el no respeto a los mismos por parte de cualquiera privará al otro del disfrute de sus derechos, exigido por su dignidad.”

38- Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997: “Art 1º Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.”

39- Sobre o princípio da legalidade, dentre muitos, v. Geraldo Ataliba, República e constituição, 1985, p. 98/99; Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 1999, p. 32 e ss; e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 2001, p. 67 e ss.

40- Não é este o local apropriado para a discussão acadêmica acerca do desenvolvimento de novos paradigmas relativamente à vinculação positiva da Administração Pública à lei. Sobre o tema, v. Gustavo Binenbojm, Direitos fundamentais, democracia e Administração Pública, 2003, mimeografado (projeto de tese de doutorado apresentado ao programa de pós-graduação em direito público da Universidade do Estado do Rio de Janeio – UERJ).

41- Como assinalado, nada impede que se opte por colocar a questão em termos de ponderação de bens ou valores contrapostos: de um lado os direitos fundamentais da mãe e, de outro, a convicção religiosa ou filosófica que defenda a obrigatoriedade de levar a termo a gravidez, mesmo em se tratando de feto inviável. A ponderação, no entanto, é técnica de decisão que se utiliza quando há colisão de princípios ou de direitos fundamentais, funcionando como uma alternativa à técnica tradicional da subsunção. Não se vislumbra colisão no caso aqui estudado, mas sim uma situação de não subsunção ao Código Penal, vale dizer, de atipicidade da conduta.

42- O princípio da interpretação conforme a Constituição tem sua trajetória e especialmente o seu desenvolvimento recente ligados à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, onde sua importância é crescente. V. Honrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional, 1983, p. 53. V. tb., dentre muitos outros, Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 1983, t. 2., p. 232 e ss; Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade, 1990, p. 284 e ss.; Eduardo García de Enterría, La Constituición como norma y el Tribunal Constitucional, 1991, p. 95; J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, 1991, p. 236.

43- V. sobre o tema, ilustrativamente, STF, Rep. Nº 1.417-7, Rel. Min. Moreira Alves, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 1, p. 314. No mesmo sentido: RTJ 139/624; RTJ 144/146.

44- Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2003, p. 189: “À vista das dimensões diversas que sua formulação comporta, é possível e conveniente decompor didaticamente o processo de interpretação conforme a Constituição nos elementos seguintes: 1) Trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal que a mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admitia. 2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura do texto. 3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição. 4) Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da norma legal”.

45- E, no que toca à gestante, já se registrou que a gravidez de feto anencefálico é potencialmente perigosa, trazendo inúmeros riscos de complicações, além de profunda angústia e sofrimento psicológico não só à mãe como a toda a família. Assim, a antecipação do parto nesses casos somente traz benefícios à saúde da gestante, tanto de ordem física quanto psíquica.

46- Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. V, 1958, p. 297-298.

47- Nesse sentido, vejam-se exemplificativamente: em SP: TJ/SP – JTJ 232/391; TJ/SP, 1ª Câm. Crim., MS nº 309.340-3, Rel. David Haddad, j. 22.05.2000; TJ/SP, 3ª Câm. Crim., MS nº 375.201-3, Rel. Tristão Ribeiro, j. 21.03.2002; em MG: TA/MG, 3ª Câm. Cív, Apel. Cív. nº 264.255-3, Rel. Juiz Duarte de Paula, j. 23.09.1998; TA/MG, 1ª Câm. Cív., Apel. Cív. nº 219.008-9, Rel. Juiz Alvim Soares – RJTAMG 63/272; TA/MG, 6ª Câm. Cív., Apel. Cív. nº 0240338-5, Rel. Juiz Baia Borges, DJ 10.09.1997; no RS: TJ/RS, 2ª Câm. Crim., MS nº 70005577424, Rel. José Antônio Cidade Pitrez, j. 20.02.2003; TJ/RS, 3ª Câm. Crim., Apel. Crim. nº 70005037072, Rel. José Antônio Hirt Preiss, j. 12.09.2002; dentre outros.

48- Íntegra do voto acessível no site “Consultor Jurídico”, no endereço http://conjur.uol.com.br/textos/25241/. No mesmo sentido decidiu a Suprema Corte da Argentina, ao examinar, precisamente, hipótese de antecipação de parto encefálico. O Tribunal confirmou decisão de tribunal inferior no sentido de que “en el caso aqui analizado, y particularmente para una de las hipótesis posibles: la inducción o adelantamiento del parto no se verifican los extremos de la vigencia del tipo objetivo del aborto – artículo 86 del Código Penal”. E acrescentou: “Frente a lo irremediable del fatal desenlace debido a la patología mencionada y a la impotencia de la ciencia para solucionarla, cobran toda su vitalidad los derechos de la madre a la protección de su salud, psicológica y física, y, en fin, a todos aquellos reconocidos por los tratados que revisten jerarquía constitucional, a los que se ha hecho referencia supra”. Referência: T.421.XXXVI. T., S. cGobierno de la Ciudad de Buenos Aires s amparo (doc. nº 10).

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