Guerra de mercado

Deputados interpelam Cade por decisão que beneficiou a TIM

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9 de julho de 2004, 17h39

O conselheiro do Cade, Fernando de Oliveira Marques, negou que tenha atendido o governo ao permitir que a Telecom Italia integre o conselho de administração da Brasil Telecom. O conselheiro foi interpelado nesta quinta-feira (8/7) pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, da Câmara dos Deputados.

Os parlamentares questionaram os representantes do Cade, da Anatel, da Secretaria de Direito Econômico (SDE), da Telecom Italia e da Brasil Telecom sobre a legalidade da decisão — anunciada com dois dias de antecedência neste site — e os prejuízos que podem ser provocados à livre concorrência e aos acionistas da empresa.

O deputado Júlio César (PFL-PI) se disse perplexo com a decisão que admitiu a presença dos italianos no comando da Brasil Telecom. Ele indagou se o Cade concordaria que a Ambev participasse do controle da Schincariol.

O representante da Telecom Itália foi repetidamente questionado sobre a atuação da empresa no Brasil e em outros países onde enfrenta investigações judiciais sobre fraude e corrupção.

O autor do requerimento que provocou a audiência pública, o deputado José Carlos Araújo (PFL-BA) foi quem interpelou o conselheiro-relator do Cade, Fernando de Oliveira Marques, sobre as “pressões” para mudar o seu parecer anterior, permitindo a presença de representantes da Telecom Italia no Conselho de Administração da Brasil Telecom. Oliveira Marques negou qualquer tipo de pressão, que teria partido do ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu.

O ministro, que se encontrava afastado do comando das operações de governo, enquanto fervilhava o escândalo que afastou seu subchefe de assuntos parlamentares do Planalto, reassumiu seus poderes poucos dias antes da reunião do Cade.

O deputado José Carlos Araújo colocou em dúvida o anúncio de que a Telecom Italia redimensionará seus investimentos no Brasil e afirmou que a empresa “deve ser muito mal-administrada”, pois apresentou prejuízo no balanço de 2003 de R$ 1 bilhão: “Como é que uma empresa que não consegue ter lucro e gerir seus próprios negócios se acha no direito de interferir no negócio dos outros?” questionou ele. O representante da TI na audiência, Ludgero Pataro, argumentou que o negócio de telefonia móvel é de lenta maturação e os prejuízos neste momento seriam naturais.

Os protestos contra as investidas da Telecom Itália e em relação à nova decisão do Cade, não pararam por aí. O deputado Alberto Lupion (PFL-PR) lembrou que o grupo Telecom vem sendo investigado por uma CPI na Itália. A empresa ainda, segundo o próprio deputado paranaense, responde a processos na Sérvia, Venezuela, Chile e Cuba. No Brasil, existem suspeitas de superfaturamento na compra da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). Usando de seu poder de controle na Brasil Telecom, a Telecom Italia dirigiu as negociações no sentido de pagar pela CRT um valor mais de 50% acima da avaliação de mercado.

O parlamentar informou ter pedido à SDE, ao Cade e à Anatel a apuração imediata das denúncias contra a Telecom Itália, para proteger os demais acionistas da Brasil Telecom. Lupion comparou a Telecom Itália com a Parmalat insinuando que, se aos primeiros sinais da quebra, a mega-empresa dos laticínios fosse enquadrada, milhares de empregos não teriam sido perdidos. O retorno pretendido dos italianos, disse, seria um “escândalo de proporções irremediáveis”, Para ele, a Brasil Telecom seria “uma empresa que com toda transparência possível está tentando se proteger da gigante TIM”

Por sua vez, o deputado Gedel Vieira Lima (PMDB-BA) questionou a Anatel e a Telecom Itália no caso dos grampos telefônicos que quase provocaram a cassação do senador Antonio Carlos Magalhães. Vieira Lima pediu também explicações da agência e da empresa sobre um suposto “acordo comercial” entre os parlamentares envolvidos e a Telecom Italia. Indagou se seria esse o tipo de conduta que pretende imprimir na Brasil Telecom.

A representante da Brasil Telecom, Danielle Silbergleid evidenciou a gravidade da decisão. Segundo ela, a situação fere a capacidade e a vantagem competitiva de sua empresa para operar com seus serviços integrados no mercado. A respeito da presença da concorrente no comando da BrT, ainda que com restrições, ela ressaltou a impossibilidade de separar informações e decisões no Conselho, sejam de estratégias, de marketing ou decisões financeiras. Ou seja: as cautelas desenhadas pelo Cade seriam insuficientes para Por fim, Danielle disse que a própria Anatel reconheceu essa convergência em seu segundo parecer.

O representante da Telecom Itália, Ludgero Pattaro, manteve durante o debate os argumentos de que a empresa tenta preservar os investimentos feitos ao longo dos anos. Quanto à volta ao controle da Brasil Telecom afirmou que o investidor italiano procura “exercer esse direito de voltar ao controle, e isso não foi aceito pelas outras partes, tanto que existe um processo que corre na Justiça no Rio de Janeiro”, disse Pattaro.

Também participaram da audiência pública os deputados federais Gilberto Kassab (PFL-SP), presidente da Comissão; Júlio Semeghini (PSDB-SP) e Alberto Fraga (PMDB-SP). Os outros convidados foram: Pedro Jaime Ziller de Araújo, presidente da Anatel e Bárbara Rosemberg, diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE.

Cenário da disputa societária

Dirigentes da Techold, uma das controladoras da Brasil Telecom, informam que o retorno dos italianos seria viável, desde que a Telecom Itália garantisse, formalmente, o ressarcimento dos eventuais prejuízos que viesse a causar à Brasil Telecom, oriundos das conseqüências desse retorno, da Telecom Italia, ao controle da mesma. O argumento da Techold é que, tendo em vista, a decisão da Anatel, o eventual retorno da Telecom Itália pode ser prejudicial à Brasil Telecom, situação que contraria a lei das S.A..

A Telecom Itália, conforme admitiu o seu representante Luggero Pattaro, conta com vitória na decisão da Justiça do Rio de Janeiro sobre o seu retorno ao comando da Brasil Telecom. A ação está nas mãos do juiz Luiz Felipe Salomão, substituto do titular Antônio Carlos Esteves, que se encontra de férias.

Além dessa ação, proposta pelos italianos, existe uma outra, prevista no Acordo de Acionistas da Empresa que estabelece a Câmara de Arbitragem de Londres para dirimir dúvidas nas questões societárias, condição sustentada por um dos acionistas, o Grupo Opportunity.

A Telecom Itália argumenta que o contrato não dá ao Tribunal de Londres a jurisdição sobre este assunto e pretende que o retorno da empresa ao bloco de controle da operadora brasileira se resolva mesmo na justiça do Rio de Janeiro.

Recentemente, o advogado José Antonio Fichtner acusou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de manipular a distribuição dos processos.

Advogados ligados à Brasil Telecom chamam atenção para a incoerência da Telecom Itália que prefere que a decisão seja dada na Justiça do Rio de Janeiro – acusada pelo escritório que a defende, em vez de resolverem a questão na corte de Londres.

Com tudo isso, a citada arbitragem deve demorar um pouco mais, pois a Telecom Itália faz objeções ainda à Câmara de Comercio Internacional, sediada em Londres para julgar o assunto. Integram o painel arbitral o Lord Alexander Andrew Mackay Irvine (ex-chanceler e ministro da Justiça da Inglaterra), L. Ives Fortier (jurista canadense e ex-embaixador do Canadá nas Nações Unidas) e André Faurès (especialista belga em arbitragem internacional)

Paralelamente, a Animec — Associação Nacional de Mercado de Capitais deve tomar uma série de medidas, dependendo ainda de decisão da presidência. A Animec, que já deu entrada com um Mandado de Segurança no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, contra a decisão prepara outras medidas como a notificação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e SEC (Securities and Exchange Comission) dos Estados Unidos, uma vez que a Brasil Telecom possui ações na Bolsa de Nova York. No Brasil, a Associação quer que a CVM, presidida pelo advogado Marcelo Trindade, avalie e assegure os direitos dos demais investidores da Brasil Telecom, bem como dos acionistas minoritários.

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