No palco

Contos forenses sobem ao palco nesta sexta em São Paulo

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8 de julho de 2004, 18h47

O livro “Nada mais foi dito nem perguntado”, do advogado criminalista Luís Francisco Carvalho Filho, se transformou em peça de teatro. O espetáculo, que leva o mesmo nome do livro, é apresentado pela companhia teatral Folias, nesta sexta-feira (9/7), às 21h, no Teatro Jardim São Paulo (Avenida Leôncio de Magalhães, 382).

São casos divertidos e saborosos, “pequenos contos retirados do universo forense e criminal: interrogatórios de delegacias, análises de processos, julgamentos, defesas, acusações”, como define a apresentação da obra.

Advogado experiente e observador, Luís Francisco mostra o teatro da justiça, em que as nuances e complexidades da vida real são traduzidas para o linguajar padronizado, formal e sem graça dos autos. Do conflito entre os dois mundos, o autor extrai a visão perplexa de se ver um fato corriqueiro e banal do cotidiano passar por crime.

O espetáculo é baseado no livro, que traz treze histórias e todo um universo de linguagem, fatos e episódios desconhecidos do cidadão comum saem das tensas (para os neófitos) e tediosas (para os iniciados) salas de audiência e ganham vida nas histórias da coletânea.

A direção do espetáculo é de Ailton Graça, Atílio Beline Vaz, Bruno Perillo, Carlos Francisco, Dagoberto Feliz e Gabriel Carmona. A coordenação geral do projeto é de Marco Antonio Rodrigues.

Mais informações podem ser obtidas pelo telefone: 6959-2952.

Leia a resenha de apresentação do livro por Marilene Felinto

As treze histórias de Nada mais foi dito nem perguntado parecem ter saído sozinhas dos fóruns, das barras dos tribunais, e se transferido num passe de mágica para as páginas do livro.

Tanta autonomia, tanta vida própria — como se dispensassem um autor –, é precisamente o principal mérito delas ou do estilo de seu criador, o advogado criminalista, que agora se revela escritor, Luís Francisco Carvalho Filho.

São pequenos contos retirados do universo forense e criminal: interrogatórios de delegacias, análises de processos, julgamentos, defesas, acusações. São parábolas da Justiça: narrativas curtas que reproduzem, com “realismo insubornável” — para usar o que Otto Maria Carpeaux dizia das descrições de Kafka — toda a eloqüência literário-teatral inerente ao discurso jurídico e ao próprio sistema penal.

São mesmo pequenas peças de teatro, histórias substantivas, cujos títulos (não à toa) são sempre um substantivo — “Perna”, “Injúria”, “Cigarro”, “Pederasta” etc. –, e cujo desenrolar se dá em forma de diálogos concisos, tensos e rápidos, num tom que vai do patético ao cômico.

Interessante perceber a argúcia estética com que o olhar observador do advogado se transfigura em golpe de vista literário — só o narrador como este criado por Luís Francisco, a partir de tanta experiência vivida, pode ser o juiz isento, imparcial, tão almejado pela Justiça, o “não-eu” do realismo, preocupado apenas em apresentar um sinônimo da realidade concreta.

A Justiça fracassa. A literatura não fracassa, eis o que se pode, desde logo, depreender dos pequenos contenciosos judiciais que constituem os enredos dessas histórias deliciosas de ler. A narrativa de Luís Francisco encerra em sua estrutura dramática o questionamento das contradições internas da lei e da Justiça: discute o que é relevante e irrelevante para a busca da verdade ou da correção na dinâmica dos julgamentos e das condenações de homens defeituosos por homens defeituosos.

Todo um universo de linguagem, fatos e episódios desconhecido do cidadão comum sai das misteriosas e tediosas salas de audiência e ganha vida nas histórias desta coletânea. A lei e a Justiça são mostradas aqui no âmago da sua ferida, no que têm de dor e humor, de cacoete e de representação. Os personagens criados pelo escritor — caricaturas de juízes, advogados, réus, funcionários, investigadores, delegados etc. — São a expressão mesma dos vícios e paradoxos de um sistema fragilizado, quase falido na sua atuação nos seus duvidosos critérios de interpretação.

Os finais incompletos de todos os contos — em que nada mais há para ser dito, em que perdura a interrogação, a demora, a inconclusão — são a confirmação estética de que a Justiça não passa de impossibilidade — impossibilidade de expressão e de realização.

Enquanto em Kafka o desfecho é, em qualquer caso, que somos fatalmente culpados e condenados à morte, à qual todas as criaturas são condenadas, na literatura de Luís Francisco Carvalho Filho — e eis aí mais um aspecto da importância histórico-literária de seu texto — estamos, a maioria de nós, brasileiros, condenados não apenas à morte fatal. A nossa condenação tem o agravante da desigualdade, da insensibilidade, da corrupção da falta de inteligência — estamos condenados ao nada, ao silêncio aterrador da falta de possibilidade.

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