Fora do ar

Justiça manda site tirar do ar acusações contra a Ford do Brasil

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7 de julho de 2004, 16h47

O juiz Carlos Rodrigues, da 15ª Vara Cível de Brasília, determinou que sejam tiradas do ar as acusações feitas contra a Ford do Brasil no site www.nossofilho.com. A página da Internet já está indisponível. Ainda cabe recurso.

A decisão foi tomada em ação condenatória movida pela montadora contra Maria Alice da Silva, que mantinha o site. O juiz também determinou o pagamento de indenização em favor da Ford. O valor será apurado em liquidação de sentença.

A Ford entrou com a ação com o argumento de que Maria Alice excedeu os limites da liberdade de expressão ao publicar na Internet mensagens como “A Ford matou meu filho” e “Esta é a história de uma família destruída pela falta de respeito de uma montadora de veículos com seus consumidores”.

Tais mensagens faziam referência ao acidente de que foi vítima o filho de Maria Alice em janeiro de 2001. Na ocasião, o acidente foi provocado pelo estouro de um dos pneus do veículo.

Depois de ganhar um pedido de indenização proposto contra a montadora junto à 2ª Vara Cível de Brasília, a mãe do rapaz colocou no ar também a sentença. Segundo a Ford, já houve recurso da decisão e há evidências de que o acidente se deu por culpa do condutor e não por culpa da montadora.

Ainda, de acordo com a montadora, ao veicular a sentença pela Internet, Maria Alice o fez “(…) não com cunho informativo, mas como instrumento a incutir em terceiros a falsa idéia de definitividade, a falsa idéia de que o JUDICIÁRIO decidiu que a FORD FOI A RESPONSÁVEL PELA MORTE DE SEU FILHO”.

Os argumentos foram acolhidos pelo magistrado. Contudo, foi negado o pedido de danos materiais feito pela montadora. O juiz ressaltou ainda que o valor apurado por dano à imagem em favor da Ford não deve tornar ineficaz ou anular a indenização que eventualmente se tone definitiva na ação proposta por Maria Alice contra a montadora.

Leia a determinação:

Circunscrição : 1 – BRASILIA

Processo : 2003.01.1.092510-5

Vara : 215 – DECIMA QUINTA VARA CÍVEL

Processo : 2003.01.1.092510-5

Ação : CONDENATÓRIA

Requerente : FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA

Requerido : MARIA ALICE DA SILVA

Sentença

Vistos etc.,

FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA. apresentou em 28/10/03 “Ação Condenatória com Pedido de Antecipação Parcial dos Efeitos da Tutela”, em desfavor de MARIA ALICE DA SILVA, dizendo que em 14/10/03 “… tomou conhecimento de que a Ré, titular de um domínio na Internet, desde 2/10/03, intitulado www.nossofilho.com, divulga informações infamantes – resultado da manipulação deliberada e ardiloga de algumas circunstâncias que serão abaixo abordadas – já causadoras de prejuízos à montadora da Autora” (fl. 03).

Afirmou que a Reqda. excedendo aos limites da sua liberdade de expressão, criou e divulga pela Internet, basicamente, as seguintes mensagens:

“A FORD MATOU MEU FILHO; ESTA É A HISTÓRIA DE UMA FAMÍLIA DESTRUÍDA PELA FALTA DE RESPEITO DE UMA MONTADORA DE VEÍCULOS COM SEUS CONSUMIDORES; LEIA A SENTENÇA COMPLETA.” (fl. 03).

Desse modo, a pretexto de informar sobre um acidente automobilístico que resultou na morte de seu filho em 15/01/01, utiliza indevidamente o nome da Reqte. e macula sua reputação.

Disse que dito acidente desencadeou pedido de indenização intentada pela ora Reqda., em tramitação perante a 2ª Vara Cível local, autos nº 2001.01.1.067850-0, havendo evidências de que o sinistro se deu por culpa do condutor e não por culpa da montadora.

Em 18/09/03 foi proferida a sentença quanto ao pleito indenizatório, onde presumiu-se a culpa da ora Reqte. em razão da inversão do ônus da prova, restando assim reconhecida a sua responsabilidade civil. Todavia, dita sentença foi alvo de recurso de apelação, sem que a questão tenha alcançado o trânsito em julgado.

Sustenta que a Reqda., ao veicular a dita sentença pela Internet o faz “… não com cunho informativo, mas como instrumento a incutir em terceiros a falsa idéia de definitividade, a falsa idéia de que o JUDICIÁRIO decidiu que a FORD FOI A RESPONSÁVEL PELA MORTE DE SEU FILHO.” (fl. 05). Assim, age a Reqda. de maneira abusiva, difamante, buscando macular a reputação da Reqte.

Mesmo após notificada para retirar a mensagem do referido domínio na Internet, a Reqda. se manteve inerte.

Por isso, sofreu danos morais e materiais.

Requereu então a antecipação de tutela, para que fosse determinado à Reqda. que retirasse da Internet o domínio denominado www.nossofilho.com, como ainda abstivesse de veicular qualquer informação de cunho danoso à Reqte., sob pena de multa.

Postulou, ainda, a citação, produção de provas e, ao final, a condenação da Reqda. ao cumprimento definitivo do pedido objeto da antecipação e a condenação no pagamento de indenização por danos morais e materiais, consoante apurado em liquidação.


Atribuiu valor à causa e juntou os documentos de fls. 10/86.

Custas, fl. 88.

Consoante decisão de fls. 89/90, foi deferida a antecipação de tutela, objetivando a proteção perseguida pela autora.

Citada, apresentou a Reqda. a contestação de fls. 98/111.

Sustentou que a “… relação de causalidade entre o estouro do pneu – acidente e evento morte, ficou claramente e sobejamente provado perante o mm. Juiz da 2ª Vara Cível de Brasília.” (fl. 101), de modo que assim, não obstante oportunidade para a inversão do ônus probante, revelou a ora Reqda. os fatos afirmados na inicial do pedido indenizatório. A sentença condenatória referida foi construída em cima de uma certeza a respeito de um determinado fato, e não sobre certa “presunção”, como assinalado na decisão antecipatória de tutela.

Invocou em seu proveito a garantia constitucional sobre a liberdade de expressão e manifestação do pensamento.

Acrescenta que criou o site buscando “… uma justa exteriorização do seu profundo e indescritível sofrimento, dor e anseio por justiça.” (fl. 104).

Disse ainda que “… simplesmente traduziu na Internet, tomada pelo sentimento de perda inigualável, a sentença proferida com maestria pelo MM. Juiz da 2ª Vara Cível de Brasília.” (fl. 110).

Concluiu dizendo que a Reqte. não fez prova de ter sofrido dano material resultante de redução de suas vendas, nem mesmo dano moral.

Daí a improcedência dos pedidos da inicial.

Réplica, fls. 148/152.

Designada data para audiência prévia de conciliação, compareceram as partes, porém não alcançaram a composição voluntária. (fl. 168).

Na ocasião, declararam que não tinham mais provas a produzir, restando assim encerrada a fase instrutória, inclusive com a dispensa da produção de alegações finais em virtude da inexistência de provas orais produzidas em audiência.

Vieram-me conclusos os autos.

É o relatório.

D E C I D O .

Não havendo questões processuais pendentes, segue o exame e decisão da questão, no seu mérito.

Focando a questão sob o ângulo da responsabilidade civil, é de se concluir que pouco importa que a sentença condenatória na obrigação de indenizar, proferida pelo d. Juízo da 2ª Vara Cível local, tenha se baseado em uma certeza quanto aos fatos afirmados, ou em mera presunção.

Afinal, o juízo de valor sobre a conduta da Reqda. não se faz por essa matiz – i. é, se houve presunção ou certeza a respeito do fato considerado como causa da indenização – mas sim quanto ao animus subseqüente com o qual veio a divulgar pela Internet o resultado do julgamento.

É certo que a liberdade de expressão constitui-se num daqueles direitos individuais de que fala o art. 5º IX, embora ali essa faculdade esteja condicionada à produção intelectual, artística, científica e de comunicação.

Também é assegurado o direito à livre manifestação do pensamento (inciso IV) e o direito à informação (inciso XIV). Todavia a divulgação de informações, de idéias e a livre expressão não afastam do mesmo ninho constitucional a proteção à imagem (inciso X), sem olvidar-se da possibilidade de indenização pelo dano moral ou à imagem (incisos V e X).

Deve-se delinear, a partir dessas garantias em apreço, o que se pode ter por exercício regular de um direito, com o excesso capaz de motivar a sanção constitucionalmente admitida.

Daí porque, com precisão ímpar, a Lei 10.406/02, ao instituir o Código Civil em vigor, ao projetar a nível de regulamento o planejamento constitucional em foco, fez dispor em seu art. 187, in verbis:

“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Transpassando o fato para o plano da norma, denota-se que o excesso que o agente pode incorrer se manifesta a partir do momento no qual, a pretexto de exercer determinado direito – sem razão de fato ou de direito que o ampare – termina por causar prejuízo à intimidade, à vida privada, a honra, à imagem (CF, art. 5º, X), sem nos olvidar que dita rol é meramente exemplificativo, para que assim sejam incluídos também, entre outros bens inerentes à personalidade, a integridade física, a dignidade humana, o sossego e tranqüilidade psíquica etc.

Para se apurar o excesso, basta imiscuir-se na mente do agente, buscando a motivação de sua conduta. Logo, se a partir desse exercício mental não se distinguir causas legítimas para justificar a conduta, capazes de traduzir determinada vantagem concreta para o agente do suposto excesso, ter-se-á então que a conduta intentada contra outrem, apenas para atingir negativamente o seu interesse jurídico tutelável, assim o foi por motivo de vingança, já que é incapaz de trazer proveito prático à realização ou concretude do direito individual do agente do excesso.


Ora, se sofreu a Reqda. ação ou omissão da Reqte., que tenha servido de causa eficiente a dano grave – a perda do filho querido em acidente automobilístico – a legitimidade da conduta da Reqda. somente vai até os precisos limites da pretensão indenizatória deduzida, valendo-se para tanto da exclusiva via jurisdicional (quando a composição voluntária não é alcançada). Afinal, salvo raras exceções, não é dado a ninguém fazer justiça pelas próprias forças.

Mas, à toda evidência, não teve a Reqda. o propósito de simplesmente valer-se da liberdade de expressão como afirmou em sua contestação à fl. 103, pois que não teve na sua conduta qualquer motivação intelectual, artística, científica ou de comunicação proveitosa. Nem se trata de hipótese de livre manifestação do pensamento, eis que não buscou a difusão de idéias voltadas ao progresso do meio social. Não buscou a Reqda. “… a exteriorização da faculdade mental através de palavras, atitudes e decisões, protegendo qualquer pessoa para a possibilidade de ser livre para optar por aquilo que entender ser o melhor para ela e para a sociedade,…” conforme anunciou à fl. 103. Não buscou nada que fosse melhor para si, ou para a sociedade. Seu único objetivo lógico era atingir a imagem de quem antes lhe ferira. A vingança era o seu guia.

Diante do dano que motivou o pedido indenizatório que tramitou – ou tramita – perante o d. Juízo da 2ª Vara Cível local, somente se reconhece à Reqda. o direito de postular a composição plena, aliás tal como o fez. Ao adotar força própria para ferir o interesse jurídico da Reqte., através da divulgação feita sem propósitos explícitos, que nada acresceram objetivamente ao interesse jurídico legítimo da Reqda., terminou por cometer inegável excesso, a pretexto do exercício de um direito.

Nada obsta que a informação seja propagada. Porém, ela deve ser embalada pelo sentido de utilidade, seja para quem a divulga ou para quem a recebe. Não se concebe a informação divulgada sem destinação ou motivação.

Aliás, a falta de motivação lógica, capaz revelar proveito prático para a conduta, deixa escapar o excesso. Esse excesso, como tal, não é sequer um “excesso a direito”, pois o “direito” somente se reconhece enquanto encaixado dentro de determinados limites reconhecidos no ordenamento jurídico. Por isso, se há excesso, há na verdade espécie de ato ilícito, a que se referem os arts. 186 e, em especial, por extensão, o art. 187.

Contra os atos ilícitos, a lei contrapõe-se facultando à vítima a possibilidade de postular a compensação correspondente.

Essa compensação se faz não só através do reconhecimento da oportunidade para cominação de obrigação de fazer – retirar o teor da veiculação feita no site criado em proveito da Reqda., ou não fazer – reinserir o que se retirou. Afinal, ditas providências somente faz cessar a causa de dano ao interesse jurídico da Reqte., mas não basta para compor os prejuízos até então verificados.

Para os danos pretéritos, somente a solução indenizatória tem lugar. Porém, a indenização de todo e qualquer dano previsto no âmbito da tutela disciplinada pelo Código Civil reclama não só a verificação do ato ilícito, mas também a sua relação de causa e efeito e a lesão patrimonial propriamente.

No caso vertente, o ilícito civil restou suficientemente apurado, a partir do excesso no qual incorreu a Reqda., ao divulgar pela Internet assunto com a qual não tinha interesse jurídico proveitoso. Somente o fez para ferir a Reqte., embora já tivesse obtido a compensação do dano que antes havia sofrido, por meio da indenização prescrita pelo d. Juízo da 2ª Vara Cível local.

A respeito da relação de causa e efeito, a conduta da Reqda. se mostrou causa eficiente para incutir naqueles a quem a divulgação chegou, o juízo de reprovação pelo qualidade do produto da Reqte., reduzindo-lhe a boa imagem. Nesse aspecto, é de se admitir a lesão ao patrimônio imaterial da Reqte.

Contudo, quanto ao dano material, este somente se reconhece diante da efetiva redução do patrimônio da vítima (dano emergente), ou frustração de lucros pendentes (lucros cessantes).

Porém, ainda que se possa ter por razoável a probabilidade de redução de vendas, somente, essa mesma razoabilidade considerada não pode transmudar-se em uma certeza de redução de lucros, ou mesmo simples presunção. A redução de vendas nem sempre significa redução de lucros, salvo se provado objetivamente que naquele instante a montadora operava em período superavitário.

Nem mesmo por meio do arbitramento haverá como reconhecer a existência de dano material, pois que o arbitramento em si mesmo somente servirá para fixar o quantum do prejuízo indenizável.

A redução de lucro, por redução de vendas ou diminuição do bom conceito que a Reqte. pudesse ter em relação aos seus consumidores haveria de ser provada concretamente na fase cognitiva da demanda, antes da sentença, posto que, como já dito, na liquidação somente haveria oportunidade para fixação de valores ilíquidos.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE, em parte, a pretensão deduzida pela Reqte., pelo que assim, em razão do abuso retro considerado, condeno a Reqda. a excluir, definitivamente, o conteúdo veiculado através da Internet no site www.nossofilho.com, que diga respeito à matéria impugnada com a inicial, como ainda abstenha-se de empreender nova veiculação depreciativa, sob pena de incorrer em multa processual no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo de eventual majoração da multa por descumprimento do preceito.

Quanto ao pedido de indenização por dano moral, melhor diria, dano à imagem, julgo procedente o pedido da inicial e assim condeno a Reqda. a pagar à Reqte. indenização por dano imaterial, no valor que assim for fixado em liquidação de sentença, considerando-se entretanto que o referido valor da liquidação não haverá de tornar ineficaz ou anular o valor da indenização que eventualmente se torne definitiva nos autos submetidos à jurisdição da 2ª Vara Cível local.

Julgo improcedente o pedido de indenização por dano material.

Por força da sucumbência mais expressiva da Reqda., condeno-a a reembolsar as custas adiantadas conforme fl. 88, a pagar as finais, bem ainda honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total da indenização que for arbitrada em liquidação.

Com fundamento no art. 269, I, do CPC, decreto a extinção do processo.

P. R. I.

Brasília, 24 de Junho de 2.004

CARLOS D. V. RODRIGUES

Juiz de Direito

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