Conta única

Justiça Federal determina que Caixa adote conta única no FGTS

Autor

7 de julho de 2004, 10h50

O juiz federal Edmilson da Silva Pimenta, da 3ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, determinou que a Caixa Econômica Federal adote o regime de conta única do FGTS no prazo máximo de três meses. Ainda cabe recurso.

A decisão, que tem abrangência nacional, altera o atual sistema mantido pela Caixa. O Ministério Público Federal entrou com Ação Civil Pública contra a Caixa com o argumento de que a legislação estabelece que cada trabalhador deve ter apenas uma conta de FGTS para os seus sucessivos vínculos profissionais, e não uma conta para cada emprego.

Segundo o procurador da República Paulo Gustavo Guedes Fontes, a atual sistemática prejudica o trabalhador: além de dificultar o controle, o fato de existirem contas diversas pode, em alguns casos, restringir as hipóteses de saque do Fundo de Garantia.

O juiz federal fixou multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento da ordem e determinou que a Caixa reúna numa só as diversas contas já existentes. O procurador Paulo Fontes estima que a decisão poderá beneficiar milhões de trabalhadores e afirmou que se empenhará para mantê-la nos tribunais superiores.

Leia a íntegra da sentença

Processo nº 2003.6239-4 – Classe 05023 – 3ª Vara

Ação: Civil Pública

Partes: Autor: Ministério Público Federal

Réu: Caixa Econômica Federal – CEF

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FGTS. SISTEMA DE MÚLTIPLAS CONTAS. PREJUÍZO PARA O TRABALHADOR EM ALGUMAS HIPÓTESES DE SAQUE PREVISTAS NO ART. 20 DA LEI Nº 8.036/90. NECESSIDADE DE ADOÇÃO DO SISTEMA DE CONTA ÚNICA. LEGITIMIDADE DO MPF PARA PROPOSITURA DA DEMANDA. INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 1º DA LEI Nº 7.347/85. ACOLHIMENTO DO PEDIDO PARA DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE CONTA ÚNICA. EFEITOS ERGA OMNES DA SENTENÇA.

Sentença:

Vistos etc.

O Ministério Público Federal, através do nobre Procurador da República Paulo Gustavo Guedes Fontes, propõe a presente Ação Civil Pública contra a Caixa Econômica Federal – CEF, alegando que tem funcionado em diversos processos de pedido de alvará deduzidos perante a Justiça Federal, onde os trabalhadores pretendem sacar os valores de suas contas vinculadas do FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, sem depósitos há mais de três anos, quando a ré tem contestado o pleito, argumentando que a condição para o saque prevista no art. 20, VIII, da Lei nº 8.036/90 somente se perfaz quando o trabalhador permanece fora do regime do FGTS por três anos ou mais, isto é, quando fica desempregado durante esse período ou ingressa no serviço público, salientando que os mencionados trabalhadores estão sendo, por uma razão conexa, indevidamente lesados pelo fato de que a CEF vem abrindo uma conta vinculada para cada relação empregatícia, quando, de acordo a lei, o correto seria o trabalhador possuir uma única conta do FGTS durante toda a sua vida profissional, razão porque afirma a necessidade do Sistema de Conta Única, fundamentando a sua exigência nas Leis n° 5.107/66 e n° 7.839/89, que regularam o FGTS, antes da vigência da Lei nº 8.036/90, que, por seu turno, também preconiza a existência da conta única aludida.

Proclama a sua legitimidade ativa ad causam, com fundamento no art. 129 da Carta Magna, uma vez que a dimensão do pedido corresponde a autênticos interesses difusos, pois seus titulares são, em parte, indeterminados, assim não se tratando de direitos individuais homogêneos.

Acrescenta que, em relação aos trabalhadores já integrantes do regime do FGTS, não há que se falar em interesses individuais homogêneos, mas em autênticos interesses coletivos stricto sensu, posto que os titulares já têm, entre si ou com a parte adversa, uma relação jurídica base, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual se aconselha o tratamento molecularizado e não atomizado de suas demandas.

Diz, ainda, que a questão jurídica é idêntica para todos, indivisível, e o pedido está formulado para beneficiar coletivamente o grupo, devendo-se ressaltar que mesmo considerando o pedido como individual homogêneo, o mesmo teria inegável relevância social, o que legitimaria o Ministério Público à postulação desse tipo de interesse.

Argüi a possibilidade jurídica do pedido formulado na proemial, através de ação civil pública, patenteando que não deve ser aplicado à questão o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001.

Sustenta a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, com a redação introduzida pela Medida Provisória nº 2.180-35, aduzindo que este dispositivo não deve ser aplicado ao presente caso, pois aqui se faz a defesa de interesses difusos, de titulares indeterminados, ou interesses coletivos stricto sensu, não se pleiteando vantagem pecuniária de caráter individual e que a ação civil pública, instrumento processual criado pela Lei nº 7.347/85, foi albergada no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, resguardando o tratamento coletivo das demandas, o que constitui também em modo de realização do princípio da isonomia.


A propósito do tema, discorre o MPF em sua peça de intróito que:

“13. Ora, albergado pela Constituição, o princípio do tratamento coletivo das demandas não comportou no Texto Maior quaisquer restrições, falando-se ali em inquérito civil e ação civil pública para a defesa do meio ambiente, do patrimônio público e social e de outros interesses difusos e coletivos. Essa cláusula geral permitiu a utilização da ação civil pública, pelo Ministério Público ou por outro legitimado, em quaisquer casos em que se verifique a transindividualidade da demanda, não sendo necessário haver previsão legal específica sobre a matéria versada, o que proporcionou ACP’s benfazejas em temas como saúde, educação, habitação, comunicação social etc.

14. Não pode a lei, pois, restringir o princípio mencionado, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade material, mormente em matérias de grande relevância como tributos, contribuições e fundo de garantia. Diga-se de passagem que a medida provisória questionada atendeu a preocupação contingente do governo federal que, diante da decisão do STF que reconheceu o direito à correção dos depósitos do fundo de garantia, passou a temer o ajuizamento de demandas coletivas nessa matéria.

15. Por outro lado, é sabido que o Supremo Tribunal Federal já decidiu, em relação às ACP’s versando matéria tributária, que o Ministério Público carece de legitimidade para intenta-las, por entender tratar-se de direitos individuais homogêneos , mas em momento algum estabeleceu que a via fosse inidônea a veicular toda e qualquer pretensão daquela espécie, em se tratando de outros legitimados legais. Também não asseverou o STF ser impossível ao Ministério Público manejar a ação civil pública, mesmo em se tratando de matéria tributária, quando se tratar de interesses difusos ou coletivos. Ora, a medida provisória atacada não se identifica com as referidas decisões do Supremo. As limitações que impõe vão muito mais além e se mostram incompatíveis com a Carta Magna, pois: 1) proíbe a ação civil pública e quaisquer legitimados, nas matérias que indica; 2) impede que o MP defenda, nessas matérias, interesses difusos ou coletivos, o que não foi, em absoluto, impedido de fazer pelas decisões do STF acima citadas.

16. Diga-se, igualmente, que os depósitos do Fundo de Garantia não têm natureza tributária, consoante já decidiu o STF e que no presente caso, como já afirmado, são defendidos interesses difusos e coletivos da sociedade e não apenas interesses individuais homogêneos.

17. Por fim, é de se mencionar que o STF tem admitido que as ações civis públicas deduzam pedido de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, desde que o façam incidenter tantum, como passo lógico necessário ao atendimento do pedido principal. O STF, também, em jurisprudência já abundante, tem acatado esse tipo de pedido em ACP, sempre que o pedido principal deduzido nessa ação não possa ser obtido da mesma maneira em sede de ação direta de inconstitucionalidade, não vendo aí usurpação de sua competência originária pelo juiz de primeiro grau.

18. A eventual declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, como requerido nesta ação, é exemplo rigoroso de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, pois, sendo o dispositivo de natureza estritamente processual, a decisão judicial que o invalidar terá efeitos apenas neste processo e não erga omnes, isto é, em outras ações civis públicas, como seria o caso da decisão do STF numa ação direta de inconstitucionalidade”.

Postula o acionante a existência de uma conta única do FGTS, por trabalhador, o que é autorizados pelas normas contidas nos arts. 5º da Lei nº 5.107/66 e 10 da Lei nº 7.839/89, que utilizam a expressão “a conta vinculada” e não “as contas vinculadas”, aduzindo, também, que a Lei nº 8.036/90, como as anteriores, previu um sistema de conta única do FGTS por trabalhador.

Esclarece que, em relação à lei atual – Lei n° 8.036/90, apesar de inexistir dispositivo similar àqueles constantes das leis anteriores, até porque, com a centralização das contas fundiárias, pela CEF, não mais se cogitou de transferência da conta vinculada entre as instituições bancárias diversas, ela mantém a mesma exigência de uma conta única por trabalhador, o que é constatado pela leitura do aludido diploma legal, que utiliza, constantemente, a expressão “a conta vinculada” e não “as contas vinculadas”.

Patenteia que a alteração do art. 20, inciso VIII, da Lei nº 8.036/90, pela Lei nº 8.678/93, consistiu em precisar a necessidade do trabalhador permanecer fora do regime do FGTS, pelo prazo de três anos, para efetuar saque na sua conta vinculada, e que, se a Lei nº 8.036/90 não fez tal previsão, em sua redação original, foi em face da desnecessidade dessa previsão no sistema de conta única, porquanto esta, mesmo com sucessivos vínculos empregatícios, só ficaria sem depósito enquanto o obreiro estivesse desempregado.


Revela que a CEF implantou um sistema de contas múltiplas por trabalhador, abrindo uma conta de FGTS para cada vínculo empregatício, o que ensejou que, algumas dessas contas, que não tiveram o saldo sacado de imediato, em virtude das hipóteses permissivas, ficassem sem depósitos por muitos anos, mesmo que o trabalhador voltasse a se empregar, o que levou à edição da Lei 8.678/93, que estabeleceu as condições para o saque dos depósitos fundiários.

Assevera que o sistema de contas múltiplas causa prejuízos aos trabalhadores, restringindo, indevidamente, as possibilidades de movimentação das contas do FGTS, posto que, caso tivessem uma conta única, suas possibilidades de sacar as quantias depositadas seriam maiores.

Positiva o MPF, em sua exordial, os prejuízos sofridos pelos trabalhadores, com o procedimento adotado pela CEF, dizendo que;

“26. Analisemos a hipótese de movimentação prevista no art. 20, VIII, da Lei 8.036. É sabido que, quando pede dispensa do emprego, o trabalhador não pode sacar logo os depósitos do Fundo de Garantia. Só poderá fazê-lo, segundo a Caixa, se permanecer três anos fora do regime do FGTS, isto é, caso não volte a se empregar nesse período. Se vier a se empregar nesse prazo, não terá direito ao saque, mesmo que a conta do vínculo anterior fique sem movimento por três anos ou mais, só podendo obter esses valores “nas hipóteses de Aposentadoria; de estar acometido de Neoplasia Maligna ou AIDS, o trabalhador ou seu dependente; de ter idade igualou superior a 70 anos, ou na aquisição de imóvel para moradia própria “, conforme informou a CEF a esta Procuradoria da República através do oficio 1-O650/CAIXA (fls. 07 e 08 dos autos anexos).

27. Com efeito, é o que se observa da Circular 278/2003, acostada às fls. 09 a 19 dos autos. Ela estabelece os valores que poderão ser levantados em cada hipótese de saque prevista no art. 20 da Lei 8.036/90 (conferir os itens “valor” na referida Circular). Em alguns deles, como nos casos já citados de aposentadoria, neoplasia maligna, financiamento ou aquisição de moradia, a Caixa libera os saldos de todas as contas que o trabalhador porventura titularizar, inclusive daquelas cujos valores ele não pudera sacar em virtude da forma de desligamento do respectivo vínculo. Em outros casos, muito mais corriqueiros, notadamente o da despedida sem justa causa (art. 20, I), a Caixa não libera todas as contas, mas somente o saldo daquela conta referente ao vínculo de que o trabalhador está se desligando; além da despedida sem justa causa, são outras hipóteses em que não há liberação do total de recursos: extinção da empresa (art. 20, 11), extinção normal do contrato a termo (art. 20,IX), suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90 dias (art. 20, X).

28. Assim, na forma disciplinada pela referida Circular, que é o mesmo procedimento aplicado pela CEF desde que centralizou as contas, os saldos das contas que o trabalhador não pôde sacar em virtude da forma de desligamento (como a justa causa ou o pedido de demissão), somente poderão ser movimentados naquelas hipóteses em que se prevê a liberação dos recursos de todas as contas (aposentadoria, falecimento do trabalhador, câncer, aquisição da moradia etc).

29. Ora, caso o trabalhador tivesse uma conta única de FGTS, suas possibilidades de sacar essas quantias seriam evidentemente maiores! Os depósitos anteriores, a cujo saque não tivera direito, somar-se-iam àqueles das relações de emprego subseqüentes e poderiam ser obtidos, além das hipóteses citadas no parágrafo anterior, sempre que sobreviesse ao trabalhador uma dispensa sem justa causa (art. 20, I, da Lei 8.036/90) ou ainda outras hipóteses de previstas no art. 20, II, IX e X. Esse era o funcionamento do Fundo sob a égide das já citadas Leis 5.107/66 e 7.839/89.

30. A conclusão do parágrafo anterior se mostra mesmo mais consentânea com a natureza do Fundo. Os recursos do FGTS são de propriedade dos trabalhadores e objetivam socorrê-los no desemprego, entre outras hipóteses. Quando a Lei 8.036/90, no seu art. 20, I, assevera que “a conta vinculada do trabalhador no FGTS” poderá ser movimentada em caso de despedida sem justa causa, é claro que dispôs no sentido de que todos os recursos de que o trabalhador dispuser no Fundo poderão ser movimentados. Não faria sentido que, numa situação de desemprego, necessitando dos recursos, o trabalhador só pudesse movimentar uma parte deles, ficando o restante para a aposentadoria.

31. Como já dito, a requerida deu a interpretação contida no parágrafo anterior, no sentido da liberação total dos recursos, em várias hipóteses do multicitado artigo 20. Pode-se dizer que nos casos de aposentadoria e falecimento isso seria uma imposição lógica. E nos outros, como a aquisição de moradia própria? Por que não liberar, também nesses casos, apenas parte dos recursos, aqueles depositados na última conta, reservando o restante para a aposentadoria? O absurdo de tal raciocínio, nessas hipóteses, ilustra sua inadequação também para as demais, como aquela mais comum da despedida sem justa causa (art. 20, 1). Isso porque a Lei 8.036/90 não privilegiou qualquer hipótese, sendo a verificação de qualquer delas bastante para ensejar a liberação de todos os valores que por acaso o trabalhador possuir no FGTS”.


Destaca o MPF que a correção do problema suscitado nos autos seria a implantação do Sistema de Conta Única do FGTS para os atuais e futuros integrantes do regime e outra alternativa seria a determinação judicial para que, também nas hipóteses do art. 20, I, II, IX e X, a requerida libere os saldos de todas as contas vinculadas em nome do titular e não apenas da conta referente ao último vínculo, assim obviando as conseqüências ilegais da existência de múltiplas contas do FGTS.

Discorre o MPF acerca dos efeitos nacionais da medida liminar e da sentença proferidas na ação civil pública, consignando:

“36. A sentença em ação civil pública, em razão da própria natureza dessa ação, deve produzir efeitos erga omnes ou ultra partes, nos termos do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.

37. A razão mesma de ser da ação civil pública é beneficiar todas as pessoas que estejam na mesma situação, rompendo com o individualismo do processo civil clássico. Recentes alterações legislativas, notadamente a Lei 9.494/97, que alterou o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, objetivaram desfigurar a ação civil pública, atingindo-a na sua própria natureza e ferindo, assim, a disposição constitucional que autorizou tal demanda coletiva (art. 129, 1lI). Sabe-se que a nova redação do art. 16 restringe os efeitos da coisa julgada ao território de competência do órgão judicial prolator.

38. Confundiram-se, assim, dois institutos distintos, quais sejam, a competência do órgão judicial e a sua jurisdição. Todo juiz tem competência territorial delimitada, que o habilita a conhecer apenas de determinadas lides, mas sua jurisdição, quer dizer, a validade de suas decisões tem indiscutivelmente abrangência nacional. Um divórcio prolatado em Aracaju tem, à evidência, validade em todo o território nacional e mesmo, observadas as regras do direito internacional privado, no âmbito internacional.

39. Na ação civil pública, a competência define-se pelo local do dano, que no presente caso abrange todo o país, inclusive o Estado de Sergipe, cujos juízes federais se tornam competentes para a demanda. Os efeitos da decisão, contudo, são ditados pela lide posta em juízo, devendo alcançar todos os titulares dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos em causa; ditam-se esses efeitos também pela pessoa do réu, cujas obrigações não podem ser repartidas em tantas partes quanto forem as comarcas existentes no país. O contrário significaria grave afronta ao princípio constitucional da isonomia. Nesse sentido, já decidiram os tribunais:

” AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIl. PREVIDENCIÁRIO. EFICÁCIA TERRITORIAL DE MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUÇÃO NORMAVA/lNSS n° 57. IMPOSTO DE RENDA.

1. A eficácia de liminar concedida em sede de ação civil pública é erga omnes, tendo abrangência em todo o território nacional.

2. A nova redação dada ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pela MP 1570-5 (posteriormente convertida na Lei n° 9.494/97), para restringir a eficácia aos limites da competência territorial do órgão prolator, é de flagrante inconstitucionalidade, em afronta os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da isonomia, pois desmantela o principal intuito de uma decisão coletiva – a eficácia erga omnes irrestrita.

3. Não constitui critério determinante da extensão da eficácia da liminar na ação civil pública a competência territorial do juízo, mas a amplitude e a indivisibilidade do dano que se pretende evitar.

4. Por força do art. 21 da LACP e do art. 90 do CDC, incide, na hipótese, o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor.

5. (…)

6. Precedente desta Turma (AI n° 2002.04.01.008635-0/RS, ReI. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 02/10/2002).

7. Agravo de instrumento provido. (AG n° 2002.04.01.0223778/RS, ReI. Juiz A A Ramos de Oliveira, DJU de 26/02/2003)

40. Por fim, deve-se insistir, no mesmo sentido da lúcida decisão citada, que a alteração do art 16 da LACP, ainda que constitucional fosse, restou inócua. Isso porque a Lei 9.494/97 não alterou o já referido art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre os efeitos erga omnes e ultra partes das sentenças e, como sabido, aplica-se, por força do art. 117 do mesmo CDC, a todas as ações civis públicas e não somente àquelas versando relação de consumo”.

Requer o MPF:

“I) Liminarmente, conceda-se a medida prevista no art. 12 da Lei 7.347/85, determinando-se à requerida que, também nas hipóteses do art. 20, I, II, IX e X, da Lei 8.036/90, libere os saldos de todas as contas vinculadas em nome do titular e não apenas da conta relativa ao último vínculo;

II) Cite-se a requerida para apresentar contestação, no prazo de 15 dias, sob pena de revelia;

III) Declare-se, se Vossa Excelência entender necessário, inclusive para o deferimento da liminar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 10 da Lei 7.347/85, com a redação dada pela Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.08.2001;

IV) Por fim, por sentença, julgue-se procedente o pleito autoral, condenando-se a requerida à obrigação de fazer consistente em, nas hipóteses de movimentação do art. 20, I, II, IX e X, da Lei 8.036/90, liberar os saldos de todas as contas vinculadas em nome do titular, e não apenas da conta relativa ao último vínculo;

V) Alternativamente, por sentença, julgue-se procedente o pleito autoral, condenando-se a requerida à obrigação de fazer consistente em, no prazo máximo de 3 (três) meses a contar da sentença, adotar o regime de conta única por trabalhador, como explicitado no corpo da presente petição, para os atuais e futuros integrantes do regime do FGTS, inclusive reunindo os depósitos das diversas contas eventualmente titularizadas por um mesmo trabalhador em sua conta atual ou mais recente;

VI) Imponha-se multa diária pelo eventual descumprimento da liminar ou da sentença, aferido que seja de qualquer maneira, em valor capaz de dissuadi-lo, levando-se em conta o caráter multitudinário do feito, destinando-se os valores ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD, criado pelo Decreto 1.306/94;

VII) Finalmente, pelas razões expostas, confira-se abrangência nacional às decisões provisórias e definitivas exaradas no presente processo”.


Junta o Inquérito Civil Público de fls. 18 usque 74.

Liminar indeferida, às fls. 77/80.

A CEF oferta contestação, às fls. 85/94, suscitando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa “ad causam” do Ministério Público Federal para propor a demanda, pois, além de não estar legitimado para a defesa dos direitos individuais disponíveis, não está prevista a ação civil pública para a defesa dos interesses individuais homogêneos, conforme se extrai dos arts. 127 e 129 da Carta Política, requerendo a extinção do feito, sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, inciso III, do Código de Processo Civil.

No mérito, argumenta que age em estrita observância ao estamento legal que cinge o FGTS e que as hipóteses de movimentação da conta vinculada estão previstas no art. 20 da Lei nº 8.036/90, sendo que essas novas hipóteses têm em comum o fato de permitir o saque de todas as contas que o trabalhador nomina.

Argumenta que, historicamente, a conta vinculada do FGTS prende-se ao contrato de trabalho havido com um empregador determinado, a quem cabia, anteriormente, indenizar o trabalhador na ocorrência de dispensa sem motivos, após a aquisição do direito à indenização, ao final de dez ou mais anos de trabalhos prestados, acrescentando que a vinculação se prende a um contrato de trabalho que deverá ser protegido por meio de indenização em caso de demissão injusta, sendo a valoração, para o fim de proteção do emprego, proporcional à duração deste, não se estendendo a outros vínculos empregatícios, porque, se assim ocorresse, inviabilizadas estariam as novas contratações para trabalhadores que já contassem com tempo de serviço, o qual seria indenizado cumulativa e indevidamente pelo empregador.

Esclarece que o § 1º do art. 20 da Lei nº 8.036/90 positiva que, à exceção dos incisos I e II do mencionado artigo, nas demais hipóteses é permitido o levantamento do saldo das contas vinculadas.

Informa que o sistema de contas múltiplas não traz prejuízo ao obreiro, em face do princípio basilar do FGTS, que se caracteriza pela constituição de reserva pecuniária que permita a sua subsistência no período de desemprego ou um pecúlio de recompensa à aposentadoria ou, ainda, uma espécie de seguro aos dependentes, decorrente da morte do trabalhador.

Relata a existência de entraves que inviabilizam o sistema pretendido pelo MPF, a exemplo da cumulatividade ilegal e indevida que ocorreria quando houvesse a dispensa indevida do trabalhador, pois, ao se misturar os saldos relativos a vários contratos de trabalho, numa única conta vinculada, estaria comprometido o cálculo da multa de 40% (quarenta por cento) em face da dispensa sem justa causa, como previsto no § 1º do art. 18 da Lei 8.036/90.

Aduz que o modelo adotado para saque do FGTS na hipótese decorrente de terminação do pacto laboral sem iniciativa do trabalhador visa não fomentar a rotatividade da mão de obra, com a prática de admissões e readmissões freqüentes, com o único propósito de levantar os depósitos fundiários, que passariam a ser considerados um fluxo, descaracterizando a função precípua do programa, qual seja, constituir um fundo para socorrer o trabalhador e/ou seus dependentes em momentos de necessidade premente.

Argüi que não há sustentação ao pleito de conta única e universal para o FGTS, ficando prejudicado, pelas mesas razões, a pretensão alternativa de liberação do saldo de todas as contas quando ocorrer uma das hipóteses previstas nos incisos I, II, IX e X do art. 20 da Lei nº 8.036/90.

Junta a Procuração de fl. 95.

Às fls. 98/100, o MPF replica a contestação, refutando a preliminar suscitada e reforçando os argumentos expendidos na exordial, sustentando que não defende, no presente caso, interesses individuais homogêneos, mas interesses difusos e coletivos, relevantes socialmente, e que o conceito de conta vinculada não se prendeu desde o início a um contrato de trabalho específico, antes disso, as leis que regulamentaram o FGTS previram o Sistema de Conta Única e, também, que a multa de 40% (quarenta por cento) em caso de despedida sem justa causa, incide sobre os depósitos efetuados pelo último empregador, que podem ser facilmente identificáveis, independentemente do saldo da conta em questão, através de suas guias de recolhimento ou por códigos instituídos pela própria CEF.

Requer a rejeição dos pedidos, dizendo que a matéria é eminentemente de direito, não havendo provas a ser produzidas em audiência.

É O RELATÓRIO.

ASSIM, DECIDO.

I – DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” DO MPF.

Faz-se mister apreciar, preliminarmente, a argüição de ilegitimidade do Ministério Público Federal para propor a demanda, pois que, somente se superada, adentrar-se-á no mérito da causa.


A propósito, dispõe o art. 127 da Constituição Federal que:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Por seu turno, o art. 129, inciso III, também da Carta Magna, positiva:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

……………………………………………………………………………………………………………

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”

Na hipótese versada nos autos, o MPF instaurou inquérito civil público para apurar os procedimentos administrativos adotados pela CEF, no que toca ao FGTS, especialmente a questão alusiva à liberação dos depósitos fundiários, dentro da sistemática ora adotada da multiplicidade de contas, tendo em vista o número de vínculos empregatícios ostentado pelo trabalhador ao longo de sua vida laboral, concluindo que referido sistema esta em descordo com a legislação anterior e atual do FGTS, inclusive causando prejuízos aos seus beneficiários, que se vêem impedidos de levantar, integralmente, os valores do aludido fundo, nos casos elencados no art. 20, incisos I, II, IV e X da Lei nº 8.036/90.

Discute-se, aqui, para determinação da legitimação ativa no MPF para a causa, qual a natureza jurídica do direito postulado em juízo, sendo necessário, para tanto, perquirir, a nível constitucional, o enquadramento do FGTS, sem o que resulta sem espírito qualquer exercício de hermenêutica a tal respeito.

No art. 6º da Carta Política está assentado que:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Já o art. 7º, inciso III, da Lei Suprema estatui:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

……………………………………………………………………………………………………………………….

III – fundo de garantia do tempo de serviço;”

Registre-se que os arts. 6º e 7º da Lei Suprema estão inseridos no Capítulo II (Dos Direitos Sociais) que, por seu turno, está compreendido no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais).

Somente isso já seria suficiente para patentear que o FGTS está caracterizado na sistematização constitucional como um direito social do trabalhador. Primeiro, porque o direito ao trabalho é considerado direito social; segundo, porque o FGTS, instituto decorrente da relação de trabalho, com vínculo empregatício, também é um direito social.

Se se trata de direito social, o FGTS se inclui no âmago da defesa atribuída ao Ministério Público, como prescrevem os art.s 127 e 129 da Lei Maior.

Sob outra ótica, o MPF patenteia que a preliminar não deve ser acolhida, porque o direito deduzido em juízo se apresenta como interesse difuso, eis que não se pode determinar quem são os seus titulares, diante do pleito formulado de liberação dos valores depositados em todas as contas vinculadas do FGTS, nas hipóteses que indica, inclusive para os futuros integrantes deste regime ou, alternativamente, a adoção do Sistema de Conta Única para o referido fundo, quando, também, haverá indeterminação dos beneficiários.

Ainda acolhendo o ponto de vista esposado pelo MPF, deve-se falar que o direito suscitado configura interesse coletivo “stricto sensu” para os trabalhadores já integrantes do regime do FGTS, posto que, mesmo podendo ser determinados, não há que se falar em interesses individuais homogêneos, pois há uma relação jurídica base que é idêntica para todos, indivisível, de modo a ser afetado coletivamente o grupo de trabalhadores aqui referidos.

Rejeita-se, aqui, a argüição sustentada pela ré de que o direito pleiteado é classificado como individual disponível, posto que o MPF protagoniza a defesa de interesses difusos, de titulares indeterminados e de interesses coletivos “stricto sensu”, assim estabelecida a transindividualidade da demanda.

Admita-se, somente para argumentar, que a lide trate da defesa de direitos individuais homogêneos, o que está autorizado a promover o MPF, nos termo do art. 6º, inciso VII, alínea “d”, e XII da Lei Complementar nº 75/93, que estabelece:

“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

…………………………………………………………………………………………………………………….

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais;

b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

……………………………………………………………………………………………………………………….

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

XII – propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos;”


Destaque-se que a propositura de ação civil pública, em defesa de direitos individuais homogêneos, revela interesse social e, com ela, se previne a proliferação de inúmeras demandas individuais, preservando-se o princípio da economia processual, evitando-se decisões conflitantes sobre o mesmo tema, além de salvaguardar o princípio da isonomia.

Veja-se, a propósito, a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE ATIVA – REGULARIZAÇÃO DE LOTEAMENTOS PARA MORADIAS POPULARES.

1. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, visando a regularização de loteamento destinado à moradias populares.

2. É no pólo ativo das demandas que o Ministério Público cumpre, de forma mais ampla, seu nobre papel de fiscal da lei.

3. O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige: a repetição de processos idênticos.

4. Recurso provido”.

(REsp 404.759-SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 17.02.2003)

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇÃO COLETIVA – SERVIÇOS DE TELEFONIA – CONTAS TELEFÔNICAS DISCRIMINADAS – LIGAÇÕES INTERURBANAS – ESPECIFICAÇÃO DO TEMPO E DESTINO DAS LIGAÇÕES TELEFÔNICAS – INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO ESPECÍFICO – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE – DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS E HOMOGÊNEOS E DIFUSOS – PRECEDENTES.

– O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública em defesa dos direitos de um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica (direitos coletivos).

– Recurso especial conhecido e provido”.

(REsp nº 162.026-MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 11.11.2002)

Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa do MPF para a demanda.

II – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 1º DA LEI Nº 7.347/85, INTRODUZIDO PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.180/35.

Primeiramente, cumpre salientar, em tese, a desnecessidade de declarar a inconstitucionalidade, incidenter tantum, do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, sendo patente a possibilidade do ajuizamento da presente ação civil pública ao presente caso, pois, como analisado linhas atrás, verifica-se que o pedido não se refere a interesses individuais homogêneos, cujos beneficiários podem ser individualmente determinados, mas interesses difusos, de titulares indeterminados, ou até mesmo, interesses coletivos stricto sensu.

Convém ressaltar que a ação civil pública, criada pela lei supracitada, foi recepcionada pela Constituição Republicana de 1988, no seu art. 129, inciso III, que conferiu legitimidade ao Ministério Público para a defesa do meio ambiente, do patrimônio público e social e de outros interesses difusos e coletivos, ou em quaisquer casos em que se verifique a transindividualidade da demanda, não cabendo a lei ordinária restringir tais previsões.

Dispõe o Parágrafo Único do art. 1º da Lei nº 7.347/85:

“Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.

Muito embora esteja convicto da transindividualidade do direito deduzido nessa ação, a se considerar que os direitos aqui patrocinados pelo MPF são da categoria dos individuais homogêneos, para que a pretensão tenha viabilidade processual faz-se necessário reconhecer a inconstitucionalidade flagrante do dispositivo acima transcrito, haja vista que não pode norma infraconstitucional restringir a eficácia de regra constitucional auto-aplicável é de eficácia imediata, integral e direta, portanto não sujeita a restrição por norma de hierarquia inferior.

III- DO MÉRITO

Positivada a legitimidade ativa ad causam do MPF para a demanda e a possibilidade jurídica do pedido, importa, agora, examinar o mérito da lide.

É benfazeja a ação ora intentada pelo MPF, considerando que a grande massa de trabalhadores brasileiros é de assalariados, sujeitos ao regime do FGTS, muitas vezes com inúmeras contas fundiárias, face à alta rotatividade que se verifica no emprego no país, fazendo com que muitos tenham grandes dificuldades ao acesso às referidas contas, dada à burocracia administrativa estabelecida pela CEF, inclusive havendo esquecimento de contas pelo trabalhador, gerando prejuízos, portanto, aos titulares do aludido fundo, que são os trabalhadores.


Indiscutivelmente, as leis que disciplinaram o FGTS – Leis nº 5.107/66 e 7.839/89, utilizam em seus dispositivos a expressão “a conta vinculada” e não “as constas vinculadas”, o mesmo ocorrendo com a Lei nº 8.036/90 que, no próprio art. 20, que disciplina as hipóteses de saque pelo titular da conta, reporta-se à “A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:…”.

Diante disso, como pretende o autor, deveria a CEF ter implantado o Sistema de Conta Única do FGTS e não o atual Sistema de Contas Múltiplas, que, como demonstrado pelo MPF, além de ser ilegal, ainda causa prejuízos aos trabalhadores beneficiários das mencionadas contas, em algumas importantes hipóteses em que é autorizado o levantamento do depósito fundiário.

Observa-se que a política hoje adotada pela CEF, não está respaldada na legislação aplicável – Lei nº 8.036/90, que, no art. 20 prescreve as hipóteses de movimentação da conta fundiária do trabalhador, verbis:

“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

I – despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força maior; (incluído pela MPV 2.197-43, de 24.8.2001)

II – extinção total da empresa, fechamento de quaisquer de seus estabelecimentos, filiais ou agências, supressão de parte de suas atividades, declaração de nulidade do contrato de trabalho nas condições do art. 19-A, ou ainda falecimento do empregador individual sempre que qualquer dessas ocorrências implique rescisão de contrato de trabalho, comprovada por declaração escrita da empresa, suprida, quando for o caso, por decisão judicial transitada em julgado; (Redação dada pela MPV 2.164-41, de 24.8.2001)

III – aposentadoria concedida pela Previdência Social;

IV – falecimento do trabalhador, sendo o saldo pago a seus dependentes, para esse fim habilitados perante a Previdência Social, segundo o critério adotado para a concessão de pensões por morte. Na falta de dependentes, farão jus ao recebimento do saldo da conta vinculada os seus sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, expedido a requerimento do interessado, independente de inventário ou arrolamento;

V – pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), desde que:

a) o mutuário conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;

b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, durante o prazo de 12 (doze) meses;

c) o valor do abatimento atinja, no máximo, 80 (oitenta) por cento do montante da prestação;

VI – liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento imobiliário, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja concedido no âmbito do SFH e haja interstício mínimo de 2 (dois) anos para cada movimentação;

VII – pagamento total ou parcial do preço da aquisição de moradia própria, observadas as seguintes condições:

a) o mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes;

b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH;

VIII – quando o trabalhador permanecer três anos ininterruptos, a partir de 1º de junho de 1990, fora do regime do FGTS, podendo o saque, neste caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta.(Redação dada pela Lei nº 8.678, de 13.7.93)

IX – extinção normal do contrato a termo, inclusive o dos trabalhadores temporários regidos pela Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;

X – suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90 (noventa) dias, comprovada por declaração do sindicato representativo da categoria profissional.

XI – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna. (Incluído pela Lei nº 8.922, de 25.7.94)

XII – aplicação em quotas de Fundos Mútuos de Privatização, regidos pela Lei nº 6.385, de 07/12/76, permitida a utilização máxima de 50% (cinqüenta por cento) do saldo existente e disponível em sua conta vinculada do fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na data em que exercer a opção. (Inciso incluído pela Lei nº 9.491, de 9.9.97)

XIII – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for portador do vírus HIV; (Incluído pela MPV 2.164-41, de 24.8.2001)

XIV – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave, nos termos do regulamento; (Incluído pela MPV 2.164-41, de 24.8.2001)

XV – quando o trabalhador tiver idade igual ou superior a setenta anos. (Incluído pela MPV 2.164-41, de 24.8.2001)

XVI – necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 10.078, de 2004) (Regulamento)

a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal; (Incluído pela Lei nº 10.078, de 2004)

b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e: (Incluído pela Lei nº 10.078, de 2004)

c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento. : (Incluído pela Lei nº 10.078, de 2004)


Tomando-se como exemplo a movimentação prevista no inciso VIII, que, a propósito, foi alterado pela Lei nº 8.678/93, e cuja redação original permitia o saque quando a conta permanecesse 3 (três) anos ininterruptos sem créditos de depósitos, sendo a nova redação determinante de que o saque somente poderia ser efetuado quando o trabalhador estivesse, pelo prazo de 3 (três) anos “fora do regime do FGTS”, o que denota que o Sistema recomendado pela lei era e é o da Conta Única, o que era desnecessário especificar, pois havendo uma só conta fundiária, para os sucessivos vínculos, esta somente ficaria sem depósito enquanto o trabalhador estivesse desempregado.

No caso do aludido inciso VIII, quando o trabalhador pede dispensa do emprego, não lhe é dado o direito de levantar os depósitos fundiários, somente podendo fazê-lo, na ótica da CEF, se ficar três anos fora do regime do FGTS, ou seja, caso não volte a se empregar nesse período. Se vier a se empregar nesse ínterim, não terá direito ao levantamento, mesmo que a conta do vínculo anterior fique sem movimento por três anos ou mais, só podendo receber esses depósitos nas hipóteses de aposentadoria; de estar acometido de neoplasia maligna ou AIDS, o trabalhador ou seu dependente; de ter idade igual ou superior a 70 anos, ou na aquisição de imóvel para moradia própria, como informou a CEF nos autos do inquérito civil público, que embasa a exordial da ação.

A Circular nº 278/2003, também acostada aos autos do inquérito civil público já mencionado, revela que a CEF libera os saldos de todas as contas que o trabalhador titularizar, inclusive daquelas cujos valores ele não pudera sacar em virtude da forma de desligamento do respectivo vínculo, quando ocorrer aposentadoria, neoplasia maligna, AIDS, financiamento ou aquisição de moradia. Em outros casos, bem mais comuns, como o da despedida injusta (art. 20, I), a CEF não libera todas as contas, mas somente o depósito da conta referente ao emprego do qual o trabalhador está se desligando; também não há liberação dos depósitos fundiários de todas as contas do beneficiário quando da extinção da empresa (art. 20, II); da extinção normal do contrato a termo (art. 20, IX); da suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90 dias (art. 20, X).

Como bem patenteou o MPF, se o trabalhador titularizasse uma conta única de FGTS, suas perspectivas de saque seriam maiores, pois os depósitos anteriores, a cujo levantamento não tivera direito, somar-se-iam àqueles das relações empregatícias posteriores e poderiam ser obtidos sempre que lhe sobreviesse uma dispensa sem justa causa (art. 20, I) ou outras situações previstas no art. 20, II, IX e X da Lei nº 8.036/90.

Procede, inteiramente, a argumentação do promovente quando diz que os recursos do FGTS são de propriedade dos trabalhadores e objetivam socorrê-los no desemprego, entre outras hipóteses, como estabelecido no art. 20, I, que permite que a conta vinculada do trabalhador no FGTS possa ser movimentada em ocorrendo despedida sem justa causa, caso em que devem ser liberados todos os recursos que o trabalhador dispuser no FGTS, pois seria inconseqüente que, numa situação de desemprego, necessitando de dinheiro para prover a subsistência própria e de sua família, somente pudesse sacar os depósitos da conta vinculada ao contrato de trabalho que ora se extingue, ficando o restante para receber quando da aposentadoria ou da ocorrência de outro motivo menos relevante, quiçá a morte, decorrente da fome, da doença, do desespero, quando a CEF libera os recursos do trabalhador e de que ela é mera administradora.

Salta aos olhos que o procedimento adotado pela CEF, não unificando a conta de cada titular do programa do FGTS e não liberando o valor depositado nas diversas contas de um mesmo titular viola a lógica do Sistema, submetendo as hipóteses de levantamento total ou parcial dos recursos exclusivamente aos seus critérios administrativos, que, nos casos aqui apreciados, quando parciais, prejudicam o trabalhador, não lhe entregando o dinheiro que lhe pertence, em que pese dele careçam, só o fazendo, muitas vezes, quando no fim da vida ou na morte, o que viola a lei e a própria filosofia do Sistema Fundiário, que deve ser um instrumento de amparo ao trabalhador, obrigando-o, em várias situações, a bater à porta do Poder Judiciário para garantir o seu direito.

Não vejo qualquer entrave à instituição do Sistema de Conta Única para o FGTS, mais conveniente para a administração exercida pela CEF, mais acessível ao trabalhador que passa a ter um controle efetivo de sua conta fundiária, considerando que os recursos disponíveis na área da informática podem ser utilizados para tal fim, muito mais facilmente do que no atual e complexo Sistema de Múltiplas Contas.

Não vislumbro, outrossim, a inviabilização de novas contratações para trabalhadores que já contam com tempo de serviço ou outros vínculos emrpegatícios, porque, no caso de despedida injusta, seriam indenizados com a multa de 40% (quarenta por cento) sobre o total depositado na conta única, o que não é verdadeiro e facilmente resolvido, pois o próprio empregador tem o controle dos depósitos efetuados e a CEF, como administradora do FGTS pode estabelecer códigos e controles que revelam quanto foi depositado por cada empregador, procedimento já adotado quanto à retenção na fonte do Imposto de Renda gerido pela Receita Federal.


É, ainda, inadmissível que o Sistema de Conta Única do FGTS não possa ser implementado, como salienta a CEF, porque haveria o risco de admissões e readmissões freqüentes, com o fito de levantar os depósitos, pois, se tal ocorrer poderá caracterizar fraude e os responsáveis certamente serão punidos na forma da lei.

Por fim, não é óbice ao Sistema de Conta Única pretendido pelo MPF, o disposto no § 1º do art. 20 da Lei nº 8.036/90, posto que ali se garante ao trabalhador o saque de, pelo menos, os depósitos efetuados na conta vinculada (conta única) durante o período de vigência do último contrato de trabalho, o que se extrai da própria palavra que a lei utiliza no mencionado dispositivo, que é: assegurará, com o sentido jurídico de garantirá.

Formula o MPF dois pedidos, alternativos, podendo este Juízo acolher um ou outro, e, assim sendo, inclino-me pelo pleito que me parece mais adequado à fundamentação aqui esposada, qual seja, o da unificação das contas fundiárias do trabalhador no FGTS.

Posto isso, julgo procedente o pedido, condenando a requerida à obrigação de fazer, consistente em, no prazo máximo de três meses, a contar da sentença, adotar o regime de conta única por trabalhador, como explicitado na fundamentação, para os atuais e futuros integrantes do regime do FGTS, inclusive reunindo os depósitos das diversas contas eventualmente titularizadas por um mesmo trabalhador em sua conta atual ou mais recente.

No caso de descumprimento desta decisão ou do seu retardamento pela ré, fixo a multa diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais), que será depositada na conta do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD, criado pelo Decreto nº 1.306/94.

Confiro abrangência nacional a esta sentença. Primeiro, porque a eficácia da decisão proferida na ação civil pública é erga omnes, não podendo a nova redação dada ao art. 16 da Lei nº 7.347/85, pela Medida Provisória nº 1.570-5, posteriormente convertida na Lei nº 9.494/97, restringi-la aos limites da competência territorial do órgão julgador, por ser flagrantemente inconstitucional, por ofensa aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da isonomia, pois fulmina o principal objetivo de uma decisão coletiva, isto é, a eficácia erga omnes irrestrita. Segundo, porque não constitui critério determinante da extensão da eficácia da decisão na ação civil pública a competência territorial do juízo, mas a amplitude e a indivisibilidade do dano que se pretende evitar. Terceiro, porque a alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85, ainda que constitucional fosse, restou inócua, tendo em vista que a Lei nº 9.494/97 não alterou o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor – CDC que dispõe sobre os efeitos erga omnes e ultra partes das sentenças e aplica-se, face ao art. 117 do CDC a todas as ações civis públicas e não somente àquelas que versem sobre relação de consumo, como deflui das razões aduzidas pelo autor e da ementa do Acórdão proferido no Agravo de Instrumento nº 2002.04.01.0223778/RS, Rel. Juiz A A Ramos de Oliveira, DJU de 26/02/2003), colacionado pelo promovente.

P.R.I.

Aracaju, 30 de junho de 2004.

Juiz Edmilson da Silva Pimenta

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!