Imagem e realidade

Documentário Justiça escancara fragilidade do sistema penal

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7 de julho de 2004, 14h46

O documentário Justiça, da cineasta brasiliense Maria Augusta Ramos, exibido na semana passada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), é o retrato frio e cruel da realidade carcerária e processual do nosso sistema penal.

A iniciativa do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, levando para o espaço cultural do tribunal a discussão sobre as mazelas que atingem o Poder Judiciário, é conseqüência de anos de descaso do poder público com a segurança do estado e do cidadão.

Maria Augusta Ramos, que vive na Holanda, colocou sua câmera como se fosse mira telescópica e atirou, certeira, no coração do problema. Com visão aguçada pela tranqüilidade em que vive na Europa, a cineasta mergulhou na vida dos principais personagens envolvidos nos delitos, desde a sua prática até o julgamento: o réu e sua família, a polícia, o promotor, o defensor público e o juiz; suas vidas cruzadas pelos aspectos humanos e a diferença das funções que cabe a cada um e a todos na sociedade.

O filme deveria ser exibido no horário nobre para que todos pudessem sentir a realidade sem a agressiva reportagem do fim de tarde que mostra o sangue correndo nas avenidas, mas que não expõe, com calma e transparência, a dureza da vida.

Neste momento, em que se discute projeto de lei que pretende alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, é oportuno mencionar a proposta do deputado Vicente Cascione, que deseja aumentar as penas, até 27 anos de punição. A tentativa de encarcerar crianças e adolescentes nas masmorras dos presídios é a cara do Brasil. Não aplicamos as medidas educativas e aceitamos discutir propostas indecentes que levarão os nossos jovens à morte em vida.

O filme Justiça demonstra a fragilidade do nosso sistema penal e o desinteresse em se desenvolver alternativas que possam, efetivamente, recuperar jovens infratores. As soluções que respeitam as determinações legais, de modo geral, são relegadas por terem sido criadas em outros governos, não recebendo das autoridades os recursos que gerariam possibilidades para formação de cidadãos de bem. Os discursos políticos são misturados à demagogia de que somente com educação será possível salvar nossos jovens.

A verdade é que poucos são os jovens que não se sentem amedrontados em ir à escola pelas ruas escuras e inseguras da periferia de qualquer cidade brasileira. Como receber educação se não é possível, sequer, chegar à sala de aula?

A presença de gangues nas proximidades dos cursos noturnos, ameaçando e assaltando, é a imagem não premiada dos filmetes exibidos pela televisão nas rondas das ruas. A facilidade da compra de drogas pelos jovens os remete ao tráfico miúdo e às prisões infectas e desumanas. A violência cotidiana leva o jovem a acreditar que a vida é assim mesmo.

A vida não é assim mesmo. A vida pode ser melhor se, desde o início, a família e o Estado proporcionarem às crianças o caminho do conhecimento e da cidadania. Os maus exemplos aparecem diariamente na mídia vindo dos que deveriam oferecer as condições ideais na formação de uma grande Nação e, no entanto, roubam, corrompem e pervertem gerações de brasileiros há anos.

A ação do presidente do Superior Tribunal de Justiça, abrindo espaço para o debate público e permanente – fora dos autos – sobre os caminhos dos jovens e os destinos do País, é sopro de esperança e alento para o futuro.

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