Livre para falar

Ministro Celso de Mello concede liminar a radialista da Paraíba

Autor

6 de julho de 2004, 16h13

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em Habeas Corpus que suspende a condenação do radialista da Paraíba Remígio Querubino Neto. Ele foi condenado em primeira instância a um ano de prisão, sem direito a substituição da pena privativa de liberdade para restritiva de direito ou multa.

A defesa do radialista, representado pelos advogados Aurélio Okada e Raimundo Audalécio Oliveira, impetrou o Habeas Corpus contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que havia negado o pedido. Segundo os advogados, Remígio foi condenado indevidamente por investigar irregularidades nas contas do município de Coremas, na Paraíba.

Em seu pedido, Okada e Oliveira afirmaram que o radialista descobriu, em 1998, na contabilidade da prefeitura, créditos de R$ 15 mil em nome do juiz Antonio Carneiro de Paiva Junior e de R$ 9.062,91 em nome da mulher do magistrado. De acordo com os advogados, “o radialista foi surpreendido por policial militar que, a mando do juiz levou-o, sem intimação, para satisfazer a curiosidade do magistrado investigado”.

“O magistrado que poderia, se fosse o caso, representar, em desfavor do radialista, por calúnia ou difamação, ao contrário, resolveu criar ilegalmente uma situação que gerou o flagrante de desacato. Remígio foi preso pelo próprio juiz que determinou ainda sua incomunicabilidade”, afirmou Okada.

Depois de ficar 23 dias preso, Remígio foi solto, processado e condenado em primeira instância. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça paraibano em 2000.

No STF, num primeiro momento, o ministro Celso de Mello negou a liminar, sem prejuízo de posterior reapreciação da matéria. Depois de receber o parecer do subprocurador-geral da República, Haroldo Ferraz de Nóbrega, que opinou pelo acolhimento do Habeas Corpus, o ministro concedeu a liminar.

No parecer, o subprocurador-geral pediu a decretação da prescrição para a execução da condenação e o reconhecimento da falta de justa causa para a ação penal. A decisão do ministro Celso de Mello vale até o julgamento do mérito do HC.

Leia a íntegra do pedido de Habeas Corpus e do parecer:

Execelentíssimo Senhor Doutor Ministro Presidente do Colendo Supremo Tribunal Federal

Os impetrantes: (1) AURÉLIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA, brasileiro, solteiro, advogado; maior; inscrito na OAB/SP sob nº 177.014 e com escritório à Rua Silveira Bueno, 123 Vila Nova Manchester, São Paulo (SP) Cep: 03442-050 [endereço onde recebe intimações], tel: 011 6191-3898 e 9846-6866; e (2) RAIMUNDO AUDALÉCIO OLIVEIRA, brasileiro, solteiro, advogado, maior, inscrito na OAB/SP sob nº 179.031 e com escritório à Rua Dendezeiro, 223, Ermelino Matarazzo, São Paulo, SP, CEP: 03813-130, [endereço onde recebe intimações]; (Docs. 01); vêm, mui respeitosamente à presença de V. Exa. para, nos termos do art. 5.º LXVIII da Constituição Federal, do art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal e também pelo art. 9º, inciso 1º, alínea “a”; art. 188 e ss todos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, bem como, em função do transito em julgado em 30/06/00 de v.acórdão (Doc.14) que manteve sentença (Doc.12), em ação movida pela Justiça Pública, juízo da Comarca de Coremas, processo n.º 056990001440, com sentença prolatada em 19/10/99, que o condenou o paciente abaixo qualificado à pena de um ano de detenção, como incurso no art. 331 do CP; e PRINCIPALMENTE pela denegação da ordem de hábeas pelo Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (COATOR), conforme o v.Acórdão nº 17.226-PB, 6ª Turma, Relator Ministro Vicente Leal (Doc.18); pelas razões de fato e de direito a seguir expostas, vem “data venia” impetrar

Habeas Corpus com

Pedido de Liminar

em favor do PACIENTE: REMIGIO QUERUBINO NETO, brasileiro, casado, professor e radialista, RG 9666.296-SSP/PB e CIC/CPF: 337.412.474-72, residente e domiciliado à Rua Capital Antônio Leite, 131, Centro, Coremas, PB,

Dos Documentos Anexos

O presente Hábeas Corpus traz como provas os seguintes documentos:

(DOC. “1”) : Documentos dos impetrantes;

(DOC. “2”) : Ofício protocolado junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba em 15/06/98;

(DOC. “3”) : Sistema de Contabilidade Publica da Prefeitura de Coremas, abril e junho 1998;

(DOC. “4”) : Apoios da API e OAB e matérias veiculadas na Imprensa;

(DOC. “5”) : Ofício protocolado junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba em 13/06/00;

(DOC. “6”) : Ofício encaminhado ao Procurador Geral de Justiça do Estado da Paraíba, protocolado em 14/07/00;

(DOC. “7”) : Nota de Culpa;

(DOC. “8”) : Termo de Declarações do MM Juiz Sr. Antônio Carneiro de Paiva Júnior;


(DOC. “9”) : Denúncia – Ministério Público;

(DOC. “10”) : Auto de qualificação e interrogatório do réu;

(DOC. “11”) : Alegações finais em forma de memoriais;

(DOC. “12”) : Sentença – 1.ª instância;

(DOC. “13”) : Razões de Apelação;

(DOC. “14”) : Acórdão – 2.ª instância;

(DOC. “15”) Ofícios e documentos produzidos pelo Programa Federal de Assistência a Vitimas e a Testemunhas Ameaçadas;

(DOC. “16”) : Alguns documentos que provam arquivamento de autos em que Remígio figurava como acusado;

(DOC. “17”) : Documentos que provam que Remígio trabalhava à época

(DOC. “18”): Venerando Acórdão do Eg. STJ, sob o nº 17.226-PB, 6ª Turma, Relator Ministro Vicente Leal, relativo ao mesmo paciente, objeto deste H.C.;

(DOC. “19”): Venerando Acórdão do Eg. STJ, sob o nº 19.353 – RJ, 5ª Turma, Relator Ministra Laurita Vaz, relativo a outro paciente e, que servirá de paradigma para concessão do presente Hábeas Corpus;

(DOC. “20”): Notícia do Consultor Jurídico de 31 de Janeiro de 2004, referente ao H.C. 83.233;

(DOC.”21”): andamento processual HC 83.233 – RJ;

(DOC.”22”): decisão monocrática HC 83.233 – RJ;

(DOC.”23”): resultado de julgamento do HC 83.233 – RJ, Relator Ministro Nelson Jobim, coator: STJ, pub. no D.J. Nr. 225, de 20/11/2003, ata nº 34.

(DOC.”24”): representação de 11 de março de 2003 pela Defensoria Pública do DF;

(DOC.”25”): Cartas de Senadores e Deputados diversos em solidariedade ao Paciente.

Preliminarmente

O Superior Tribunal de Justiça como provam os Docs. 18 e 19 têm constantemente denegado ordem de hábeas corpus, dizendo, em síntese, serem entendimento pacífico da Corte que ora, o remédio constitucional não se presta para desconstituir decisão condenatória fundada em judicioso exame de provas. Tal medida de exceção só é admissível, quando emerge dos autos de forma inequívoca

Como se constatará, pelas razões que se expõe, não pode prosperar a decisão do STJ.

É cediço, que essa Colenda Corte Maior, já se posicionou em caso análogo (decisão de mérito e votação unânime) v. Acórdão em H.C nº 83.233 – RJ, Relator Ministro Nelson Jobim, conforme apresenta-se, pelos Docs.21 e 23.

Nesse diapasão, sobre o caso em tela, noticiou o Conjur, Doc. 20: (grifos nossos):

“…A Ordem dos Advogados do Brasil entrou com habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para pedir o trancamento da ação penal. O pedido foi negado. O Superior Tribunal de Justiça deferiu a liminar. No mérito, o pedido foi negado.

O caso foi levado ao Plenário da Segunda Turma pelo ministro Nelson Jobim. Segundo ele, a advogada afirmou ter sido coagida pela delegada, que teria lhe mandado calar a boca. Ao protestar, disse que recebeu voz de prisão por desacato, mas alegou que em nenhum momento ofendeu a função pública da delegada.

Jobim, que havia indeferido o pedido de liminar, acolheu o parecer da Procuradoria-Geral da República e concedeu o habeas corpus. De acordo com a PGR, o artigo 331 do Código Penal tipifica como desacato a intenção específica de ofender o funcionário ou de desprestigiar a função por ele exercida, o que não ocorreu no caso, para o MP.

“Nos autos não se deslumbra ter sido atingido o prestígio de função pública. A paciente, patrocinando causa de pessoa da sua família, no caso o irmão, acabou desferindo um desabafo, no meio da circunstância, ainda que inoportuno. Até por incontinência de linguagem que, embora censurável, não leva à convicção de ter atingido o prestígio da função pública exercida pela delegada”, afirmou a PGR. (STF)

HC 83.233”

Nessa ordem de considerações é possível concluir que, essa Suprema Corte, já reformou entendimento do c. STJ, concedendo Ordem de Hábeas Corpus, por entender, como acontece com o paciente, que não se configura o crime de desacato, quando não se pretendeu atingir o prestígio da função pública.

É o que se demonstrará,em seqüência, apenas, enfocando os pontos certos e incontroversos; para evitar o revolvimento de provas e demonstrar que a coação e o equívoco das decisões das instâncias inferiores emergem dos autos.

Histórico

Em apertada síntese, REMIGIO QUERUBINO NETO, como cidadão e por força da sua profissão (radialista) vinha investigando junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba desde 15/06/98 (DOC.2), irregularidades nas contas da Prefeitura do Município de Coremas. Descobriu créditos em nome do MM Juiz (Doc. 03, pág. 11) e de sua esposa (Doc. 03, pág. 04) no Sistema de Contabilidade da Prefeitura de Coremas (Doc. 03). Ainda durante as investigações, foi surpreendido por policial militar que a mando do Juiz levou-o naquele momento (04/03/99), sem intimação, para satisfazer a curiosidade do MM Juiz sobre as investigações que fazia. Foi questionado, obrigado a provar coisas que ainda estava investigando e preso pelo próprio Juiz em flagrante, segundo ele “por desacato”, que ainda determinou sua incomunicabilidade. Ficou 23 dias preso. Não foi arbitrado valor de fiança no mandado de prisão. Teve apoio da API, OAB (Doc. 04). Seu habeas corpus foi negado, (Doc. 12, pág. 02, item 2). Sua prisão foi relaxada de ofício (Doc. 09, item 06). Não teve o benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/95 (Doc. 12, pág. 02, item 3), sob alegação que “o denunciado já cometeu vários delitos”, tudo isso considerando que o paciente é tecnicamente primário (Doc. 15, pág. 08 e Doc. 16). Que o caso foi parar na Corregedoria e o MM Juiz foi transferido de Comarca. O paciente não se intimidou e continuou suas investigações que se transformaram em mais duas representações, uma protocolada no dia 13/07/00 junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (Doc. 05) e outra no dia 14/07/00 junto ao Ministério Público (Doc. 06). Foi condenado em primeira instância a 1 ano de prisão (Doc. 12) sem DIREITO a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito ou multa (art. 43 do CP), também ao sursis (art. 77, II, CP). Em 06/06/00 a sentença foi mantida em 2ª instância, transitando em julgado dia 30/06/00 (Doc. 14). Vem sofrendo ameaça de morte e procurou o Programa Federal de Assistência a Vitimas e a Testemunhas Ameaçadas (Doc. 15).


Das Evidências dos Autos Desconsideradas Mesmo seTtratando de Pontos Certps e Incontroversos

1. DO ABUSO DE PODER E DA RETORSÃO IMEDIATA E LEGÍTIMA.

No Doc. 14, pág. 02. Consta do Voto – Des. Raiff Fernandes de Carvalho Júnior :

Noticiam os autos (…)

Do caderno processual depreende-se que o Juiz, tomando conhecimento de que o apelante havia mencionado que tanto ele, magistrado, como sua esposa, médica; haviam recebido dinheiro da Prefeitura do Município de Coremas, determinou a condução do paciente a sua presença, para esclarecimento dos fatos.

Conduzido ao Fórum, o acusado confirmou a versão perante o Juiz, alegando que, na documentação da prestação de contas da Prefeitura Municipal à Câmara Legislativa local, constava o nome do Magistrado e de sua esposa. Em ato contínuo, determinou o Juiz que o apelante fosse levado à Casa Legislativa e trouxesse o documento comprobatório do alegado e assim foi feito.”

Pois, aqui se levantará a primeira questão sobre fato certo e incontroverso.

No Doc. 08, pág. 1, temos termo de declaração do MM Juiz Antônio Carneiro de Paiva Júnior :

“Que tomou conhecimento através de comentários que o radialista Remígio Querubino, andava afirmando que o juiz havia recebido da prefeitura a quantia de quinze mil reais. Que inicialmente não deu atenção a tais fatos. Que os comentários continuaram e ele depoente resolveu convocar o mencionado Remígio para esclarecimentos (…)” (gn)

No Doc. 14, pág. 3, temos declaração do MM Juiz Antônio Carneiro de Paiva Júnior :

“(…) Que soube através de terceiros que o denunciado andava dizendo que o juiz havia recebido a importância de quinze mil reais da Prefeitura Municipal de Coremas e que a esposa do referido magistrado havia recebido a quantia de oito mil reais; Que solicitou a presença do denunciado no Fórum” (gn)

Ainda no Doc. 14, pág. 04, declaração do policial Carlos Antônio de Bezerra Brasil:

“Que trabalha como motorista da viatura policial; Que no dia 04 de fevereiro[1][1], a pedido do Juiz Dr. Antônio Carneiro de Paiva Júnior, foi a procura do denunciado, pois que o referido magistrado estava querendo se certificar de que o mesmo estava difamando-o, (…)”; (gn)

No Doc. 09, pág. 1, temos denuncia do Ministério Público:

“01. No dia 4 de fevereiro deste ano, por volta das 12 horas, no Fórum desta Cidade e Comarca, o Juiz de Direito da Comarca de Coremas-PB, Dr. Antônio Carneiro de Paiva Júnior, tomou conhecimento de que o denunciado, difamando-o, andava dizendo que o referido magistrado e esposa deste receberam dinheiro ilegal do Município.

02. Apreensivo pela humilhação sofrida, o Juiz de Direito mandou chamar o denunciado ao seu gabinete para saber o que estava acontecendo. Indagado pelo magistrado, Remígio reafirmou que o Dr. Antônio Carneiro havia recebido R$ 15.000,00, e a esposa deste, R$ 9.000,00, prejudicando o Erário Público de Coremas-PB.

(…) 04. (…) ocasião em que imediatamente o agredido pediu provas da acusação.

No Doc. 10, pág. 04, temos termo de declaração do Sr. Remígio Querubino Neto:

“Que vinha da Cidade de Pombal e ao chegar foi abordado por um policial, dizendo que o Juiz da Comarca, Dr. Antônio Carneiro de Paiva Junior, queria falar com o denunciado; que ao chegar ao Fórum lá encontrou o Juiz, 03 soldados, inclusive o condutor, a escrivã Benedita; (..)” (gn)

Questão: O Juiz de Direito da Cidade de Coremas, Exmo. Sr. Dr. Antônio Carneiro de Paiva Júnior, ao seu bel prazer, poderia usar de força policial, no caso através de ordem ao Sr. Carlos Antônio Bezerra Brasil e convocar para esclarecimentos o Sr. Remígio Querubino Neto, sem tê-lo previamente intimado, sem ter aberto processo na condição de ofendido, e ainda tê-lo obrigado a trazer o documento comprobatório do alegado junto à Casa Legislativa ?

Será que esses fatos – singelamente narrados, de maneira fiel ao que existe nos autos – autorizam a condenação de Remígio Querubino Neto a pena de 1 ano de detenção Doc. 12, pág. 05, item 32.

Importante consignar que Coremas é uma cidade pequena de aproximadamente 16 mil habitantes e que possui apenas um juiz de direito para toda a cidade. Também que o único promotor que assistia à Coremas, vinha da cidade de Souza.

É verdade que em 04/03/99, o juiz – Exmo. Sr. Dr. Antônio Carneiro de Paiva Júnior – resolveu e convocou o Sr. Remígio Querubino Neto, porém não o fez formalmente como preceitua a lei, através de intimação, oficial de justiça. Resolveu na hora e pronto. Mandou buscar. Remígio, que foi pego “de surpresa” e levado imediatamente do jeito que se encontrava por policial militar que obedecia a comando (ordem) do MM Juiz, que com esta atitude esperava esclarecer suas dúvidas. Remígio tem curso superior é professor e radialista, no momento em que foi abordado estava de bermuda. Mesmo diante da ilegalidade, não se atreveu a descumprir a ordem do policial militar, que por sua vez cumpria ordem do juiz.


Doc. 11, pág. 03, Alegações finais;

“(…) fez trazer até sua presença o denunciado, inclusive, trajando roupas impróprias para sua apresentação diante de um magistrado.”

Veja ainda que segundo Doc. 14, pág. 04, depoimento da escrevente Benedita Célia Justino Batista:

“(…) que o denunciado estava embriagado no momento em que conversou com o juiz;”

Se realmente estivesse “embriagado”, mais uma prova do abuso de poder. Uma vez que era uma quinta-feira, não tinha compromissos oficiais com a Justiça, não tinha sido anteriormente convocado (data, local e assunto), foi pego de surpresa, no estado em que se encontrava e levado para prestar esclarecimentos junto ao Juiz, escrivã, e mais policiais militares.

Fernando da Costa Tourinho Filho, em sua obra “Processo Penal”, vol 3, Editora Saraiva, 21.º edição, página 459, em face das hipóteses do crime putativo, cita Hungria dizendo:

A terceira das hipóteses, ensina Hungria, é a que se verifica quando alguém insidiosamente provoca outrem à prática de um crime e, simultaneamente, toma as providências necessárias para surpreendê-lo na flagrância de execução, que fica, assim, impossibilitada ou frustrada…E arremata: nesses casos, chamados crimes de ensaio ou de experiência… o seu autor é apenas o protagonista inconsciente de uma comédia…O desprevenido sujeito ativo opera dentro de uma pura ilusão, pois, ab initio, a vigilância da Autoridade Policial ou do suposto paciente torna impraticável a real consumação do crime. Um crime que, além de astuciosamente sugerido e ensejado ao agente, tem suas conseqüências frustradas por medidas tomadas de antemão, não passa de um crime imaginário…(cf. Comentários, cit., v.1, t.2, p. 103-4).

Nesse sentido, vide súmula 145 do Supremo Tribunal Federal: “145. Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Para o Min. Cunha Peixoto basta que “a consumação seja impossível, dado o artifício empregado contra o indiciado, sendo irrelevante que o flagrante tenha sido preparado exclusivamente pela polícia ou com o auxílio da pretensa vítima.” (voto do Relator Min. Cunha Peixoto, no RHC 54.654 do STF, RTJ 84/399)

Outros julgados dizem que “não há crime quando o fato é preparado, mediante provocação ou induzimento, direto ou por concurso, de autoridade, que o faz para o fim de aprontar ou arranjar o flagrante”. (RTJ 98/136; pleno, RTJ 82/140; RF 263/277; TJSC, RT 540/345)

Ora, o fato do juiz se julgar ofendido por denuncias que ouviu de terceiros, não o autoriza agir, “data venia” ao arrepio da lei, ao bel prazer. Veja que utilizou-se de força policial para mandar buscar um cidadão que até o momento não tinha sido acusado de nada. Foi feito sem intimação, sem qualquer aviso, enfim sem o devido processo legal, configurando abuso de poder. Se crime de desacato houve, parece claro que a autoridade que exerceu abuso de poder (MM Juiz) foi a responsável direta na indução do agente para a prática do crime, pois criou as condições para sua configuração e ao mesmo tempo tomou as providências necessárias para surpreendê-lo na flagrância da execução.

O funcionário ou autoridade que provocar a repulsa ultrajante não deve ser considerado desacatado. É legítima a retorsão, que elide o dolo.

Bastante válido o ensinamento de Manzini: “Os funcionários públicos e os empregados de serviço público devem ser respeitados, mas a lei não exige que sejam também venerados como pessoas sagradas e intocáveis, não se podendo interpretar como delitiva a mera reprovação, expressa de modo não injurioso, de seus atos”. A contrário do que decidiu o MM Juiz de 1.ª instância : itens 14 e 15. Não há nada de errado no comentário: “ ‘eu estranho que um Juiz de Direito esteja recebendo dinheiro da Prefeitura’(fl. 85)”. A censura justa, mesmo que áspera, não tipifica o crime.

Parece claro que o próprio MM Juiz, induziu Remígio a praticar o desacato, criando as condições para sua configuração e após a “insidiosa provocação” tomou as providências para surpreende-lo na execução.

2. DA NULIDADE DO DEPOIMENTO DAS TESTEMHUNHAS DE ACUSAÇÃO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES

O MM Juiz em sua decisão itens 25 a 28, menciona necessidade de fato específico para o questionamento do depoimento da testemunha.

Pois, aqui se levantará a segunda questão sobre fato certo e incontroverso.

Com base no disposto no art. 254, I, combinado com o art. 274 do Código de Processo Penal, seria válido o depoimento da Testemunha da acusação – escrevente Benedita Célia Justino Batista, que por muito tempo trabalhava com o MM Juiz ?

Por fim, uma vez que Remígio estava preso, como poderia tê-lo ouvido fazer insinuações com o nome do Juiz e sua esposa nos programas de rádios. Talvez outras pessoas, colegas de imprensa, mas não ele pessoalmente.


O mesmo seja dito para a outra testemunha da acusação, Carlos Antônio Bezerra Brasil, além de Policial Militar, é motorista do MM Juiz (art. 254, I, combinado com o art. 274 do Código de Processo Penal), e também tem seu nome no Sistema de Contabilidade da Prefeitura de Coremas, recebendo créditos. Esse fato mostra que em tese, tal testemunha poderia estar diretamente interessada no feito, provocando nos termos do art. 252, IV combinado com o art. 274 do Código de Processo Penal, também sua suspeição.

Pergunta-se, porque não existe depoimento dos outros soldados que testemunharam os fatos. Veja segundo depoimento de Remígio que não foi contestado, que estavam presentes o MM Juiz, 03 soldados, inclusive o condutor, a Escrivã Benedita. Porque Francisco Claro, indicado como testemunha pelo Ministério Público e que foi o condutor nos termos da Nota de Culpa (Doc. XX) não depôs como testemunha ? Porque só os serventuários mais “íntimos” ao MM Juiz se prestaram a serem testemunhas ? (seu motorista e sua escrivã).

3. Da Falta de Provas

Não existem provas nos autos que possam dar a certeza que Remígio não possui bons antecedentes e boa conduta social. É tecnicamente primário. Tem nível superior, é professor e radialista. Não há provas nos autos que “costuma beber” significa embriagar-se. Costuma beber socialmente difere da expressão costuma beber excessivamente. Não há nada de errado em beber socialmente. Nada que possa reprovar sua conduta social. Também não há provas que Remígio costuma manchar a honra das pessoas da sociedade local. Uma vez que da Certidão que Remígio aparece como acusado constam duas ocorrências. Ambas arquivadas, sendo uma delas por desistência da parte.

Também, não a provas de que o magistrado realmente tenha mostrado os documentos antes da prisão do Sr. Remígio por desacato, como consta do próprio depoimento de Remígio : “Que o Magistrado só lhe fez ciência da existência da ação de desapropriação que tramita nesta Comarca após realizada da sua prisão (…)” também, que “(…) não fez acusações contra o Magistrado e nem contra a Justiça e sim contra a Prefeitura Municipal de Coremas (…) não é verdade que tenha dito na presença do Juiz que o mesmo receberá a importância de quinze mil reis da Prefeitura (…)”

Que antes e durante a sua prisão, Remígio não divulgou pessoalmente na Rádio, o fato que estava sob sua investigação. Foi em virtude de sua prisão que a imprensa divulgou o fato. O próprio MM Juiz admitiu que soube através de terceiros (no caso do Prefeito), pois era a Prefeitura que estava sob sua investigação.

4. DA CIRCUNSTANCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL

No Doc. 12, pág. 05, itens 29, 30, 31, 32, 33 e 34, há de se comentar o seguinte:

>CULPABILIDADE: equivocada o que chamou de intensa reprovabilidade de sua conduta, outrossim agiu com retorsão imediata e legítima numa situação em que foi forçado a comparecer a frente do pretenso ofendido.

CONDUTA SOCIAL: inverídica a afirmação de que não é boa, tecnicamente primário, bebe socialmente, é radialista e trabalhava como servidor da própria Prefeitura Municipal de Coremas, onde através de convênio, chegou a exercer função comissionada junto a Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba – SAELPA, como chefe do Escritório Local de São José da Lagoa Tapada (Doc. 17), tem grau superior e não tem costume de manchar a honra das pessoas da sociedade local (Doc. 15, pág. 08).

ANTECEDENTES: tecnicamente primário, com bons antecedentes.

COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Descrição errada, afinal o MM juiz insidiosamente provocou REMIGIO à prática de suposto “desacato”, antecipadamente e simultaneamente, tomando as providências necessárias para surpreendê-lo na suposta flagrância da execução, que ficou, assim, impossibilitada ou frustrada…. É o que a doutrina chamada de crime de ensaio ou de experiência… o seu autor é apenas o protagonista inconsciente de uma comédia…Remígio (o desprevenido sujeito ativo) operou dentro de uma pura ilusão, pois, ab initio, a vigilância do MM Juiz e da autoridade Policial tornando impraticável a real consumação do crime. Um crime que, além de astuciosamente sugerido e ensejado ao agente, teve suas conseqüências frustradas por medidas tomadas de antemão, não passando de um crime imaginário.

A conclusão de que não fazia jus a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos nos moldes do art. 44 III do Código Penal com redação nova dada pela lei 9.714/98, e nem ao sursis (inciso II do art. 77 do Código Penal) não resiste aos argumentos e fatos trazidos na presente.

5. DA NÃO TIPIFICAÇÃO DO DESACATO EM FUNÇÃO DO FATO NÃO ATINGIR O PRESTÍGIO DA FUNÇÃO PÚBLICA EXERCIDA PELO JUIZ


O radialista, conforme demonstrado anteriormente, em momento algum desprestigiou a função pública do Juiz, apenas, após, ilegal condução coercitiva ao gabinete do mesmo, esclareceu o quanto lhe perguntado pelo magistrado, recebendo voz de prisão por desacato.

De acordo com o artigo 331 do Código Penal, tipifica-se como desacato a intenção específica de ofender o funcionário ou de desprestigiar a função por ele exercida, o que não ocorreu no caso em apreço. Nos autos não se deslumbra ter sido atingido o prestígio de função pública.

Por analogia, vale para o caso, guardadas as devidas peculiaridades, o quanto apontado pelo Conjur, transcrevendo trecho de parecer da Procuradoria Geral da República, da qual pede-se vênia, para reiterar: “Nos autos não se deslumbra ter sido atingido o prestígio de função pública. A paciente, patrocinando causa de pessoa da sua família, no caso o irmão, acabou desferindo um desabafo, no meio da circunstância, ainda que inoportuno. Até por incontinência de linguagem que, embora censurável, não leva à convicção de ter atingido o prestígio da função pública exercida pela delegada”. Eis que, resta evidente que o paciente não tinha qualquer intenção de desacatar o magistrado, apenas, procurou esclarecer a situação, aparentemente irregular,que tinha chegado ao se conhecimento e,que, constava do balancete da Prefeitura, conforme interrogatório do paciente, Doc.10.

do HABEAS CORPUS

Constituição Federal :

Art. 5.º LXVIII – conceder-se-á hábeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Código de Processo Penal:

Art. 647 – Dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa;

V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei autoriza;

VI – Quando o processo for manifestamente nulo;

Regimento Interno do STF:

Art.188 – Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Pois no caso, data venia, se verificam todas as condições legais mencionadas para a concessão do writ, a sentença foi contrária ao texto expresso da lei penal e à evidência dos autos, faltando a justa causa para a condenação, o mesmo com o acórdão. Só foram ouvidas das testemunhas presentes de acusação as duas que tinham vinculo muito próximo com a “pretensa vítima” e seus depoimentos podem, pois, estar marcados com seus interesses diretos na causa. Constata-se a falta de provas sobre os quesitos dos antecedentes e da conduta social de Remígio, que é radialista, tem grau superior e é tecnicamente primário, não foram levados em consideração as circunstâncias que autorizariam a diminuição da pena, sua suspensão, conversão em restritiva de direitos ou multa. Também, não foi admitido prestar fiança. Enfim, não se tipifica o ocorrido em delito de desacato.

A imposição de medida restritiva de liberdade deve decorrer da absoluta convicção de estar caracterizada a infração legal determinadora da limitação, bem como seu autor, pois, de outra sorte, revela-se arbitrária.

Diante de todo o exposto, e é claro pelos melhores acréscimos do Eminente relator e Colenda Turma Julgadora (art. 193 do RISTF) a impetração desta ordem de HABEAS CORPUS, faz-se fundamental, pelo que requer seu deferimento decretando-se LIMINARMENTE a expedição da ordem de contra-mandato de prisão, ou caso encontrar-se o paciente preso, exclusivamente por este motivo, que seja colocado em incontinente liberdade após a expedição do respectivo alvará de soltura. Finalmente, confiantes na sabedoria e elevado senso de justiça em que são norteadas as decisões desse Colendo Supremo Tribunal Federal, aguarda-se, ao final, julgamento favorável do presente pedido, com a definitiva concessão do writ, determinando a nulidade do ato jurídico em que o MM juiz determinou a condução do paciente a sua presença, para esclarecimento dos fatos sem qualquer formalidade legal (art. 564, IV) e conseqüentemente da sua prisão em flagrante e do processo em 1ª instância – seja em função da não observância dos requisitos legais, pela nulidade dos depoimentos das testemunhas, pela retorsão imediata e legítima o que torna o crime em imaginário, também em função da falta de justa causa e pelo abuso de poder quando da não admissão da fiança, do sursis e também da conversão da pena restritiva de liberdade em restritiva de direitos ou multa; e ainda pela não tipificação do crime previsto no art. 331 do Código Penal, data vênia, como jurisprudência selecionada no H.C. 83.233 dessa Excelsa Corte, conforme Docs, 21,22 e 23.


Justitia ita speratur !

Nesses termos, pede deferimento.

São Paulo, 20 de Fevereiro de 2004.

AURÉLIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA

OAB/SP 177.014

RAIMUNDO AUDALECIO OLIVEIRA

OAB/SP 179.031

Leia o parecer:

HABEAS CORPUS N.o. 84.068-0/130 – PARAÍBA

PACTE : REMIGIO QUERUBINO NETO

IMPTE: AURÉLIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA e outro

COATOR: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATOR: EXMO. SR. MINISTRO CELSO DE MELLO.

Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Relator

Inconformados com a respeitável decisão do Superior Tribunal de Justiça, que se vê às fls. 138/43, os impetrantes requerem hábeas corpus cujo pedido é este:

“Diante de todo o exposto, e é claro pelos melhores acréscimos do Eminente relator e Colenda Turma Julgadora (art. 193 do RISTF) a impetração desta ordem de HABEAS CORPUS, faz-se fundamental, pelo que requer seu deferimento decretando-se LIMINARMENTE a expedição da ordem de contra-mandato de prisão, ou caso encontrar-se o paciente preso, exclusivamente por este motivo, que seja colocado em incontinente liberdade após a expedição do respectivo alvará de soltura. Finalmente, confiantes na sabedoria e elevado senso de justiça em que são norteadas as decisões desse Colendo Supremo Tribunal Federal, aguarda-se, ao final, julgamento favorável do presente pedido, com a definitiva concessão do writ, determinando a nulidade do ato jurídico em que o MM juiz determinou a condução do paciente a sua presença, para esclarecimento dos fatos sem qualquer formalidade legal (art. 564, IV) e conseqüentemente da sua prisão em flagrante e do processo em 1ª instância – seja em função da não observância dos requisitos legais, pela nulidade dos depoimentos das testemunhas, pela retorsão imediata e legítima o que torna o crime em imaginário, também em função da falta de justa causa e pelo abuso de poder quando da não admissão da fiança, do sursis e também da conversão da pena restritiva de liberdade em restritiva de direitos ou multa; e ainda pela não tipificação do crime previsto no art. 331 do Código Penal, data vênia, como jurisprudência selecionada no H.C. 83.233 dessa Excelsa Corte, conforme Docs, 21,22 e 23.

Justitia ita speratur!

Nesses termos, pede deferimento.

São Paulo, 20 de Fevereiro de 2004.

AURÉLIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA

OAB/SP 177.014

RAIMUNDO AUDALECIO OLIVEIRA

OAB/SP 179.031” (autos, fls. 11)

Do acórdão do STJ, destaco para compreensão da controvérsia o voto do seu Relator, o Eminente Ministro Vicente Leal:

HABEAS CORPUS N.o. 17226-PB (2001/0078114-5)

EMENTA

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. ATO DE JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. COMPETÊNCIA. EXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT.

– A competência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar habeas-corpus está exaustivamente definida no art. 105, I, c, da Constituição Federal, onde não se contempla o exame de atos de juiz de primeiro grau.

– O habeas-corpus, ação constitucional destinada a assegurar o direito de locomoção em face de ilegalidade ou abuso de poder, não se presta para desconstituir decisão condenatória fundada em judicioso exame de provas, pois o estudo do fato não se compadece com o rito especial do remédio heróico.

– Habeas-corpus denegado.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Tenho que não pode prosperar a pretensão do impetrante.

Por primeiro, falece competência a este Superior Tribunal de Justiça para apreciar, em sede de habeas-corpus, as alegações relativas à nulidade do ato que determinou a condução coercitiva do paciente para prestar informações, bem como da prisão em flagrante efetuada, haja vista tratar-se de atos emanados do magistrado de primeiro grau, sobre os quais não deliberou o egrégio Tribunal a quo.

Com efeito, o STJ tem sua competência definida no art. 105, da Carta Magna. E em matéria de habeas-corpus, no rol exaustivo na alínea c do inciso I daquele dispositivo constitucional, não se contempla ato de juiz de primeiro grau.

Quanto às demais alegações do impetrante, descabe sua apreciação no presente writ. Ora o habeas-corpus, ação constitucional destinada a assegurar o direito de locomoção em face de ilegalidade ou abuso de poder, não se presta para desconstituir decisão condenatória fundada em judicioso exame de provas, pois o estudo do fato não se compadece com o rito especial do remédio heróico.

Isto posto, denego a ordem pleiteada.

É o voto” (autos, fls. 141/2).

Às fls. 202, Vossa Excelência denegou o pedido de liminar, sem prejuízo de ulterior reapreciação da matéria quando do julgamento final do presente writ constitucional.


Parece-me patente a falta de justa causa para a ação penal, pelo que deverá o réu ser absolvido, como se explicitará.

Todavia, preliminarmente, deve esse Excelso Supremo Tribunal Federal decretar nos termos do artigo 112, I do Código Penal a prescrição da pretensão executória, que ameaça de prisão o paciente, expedindo-se contra-mandado de prisão.

É que a sentença condenatória data de 19 de outubro de 1.999 (fls 70/4) e dela só a defesa recorreu (fls. 77/9).

Desde outubro de 1.999, mais de 04 anos decorreram (a condenação foi a 1 ano de detenção (fls. 73 e 81/6).

Assim, nos termos do art. 61 do CPP, combinado com o 193, II do RISTF propõe o Ministério Público Federal Vossa Excelência decrete a prescrição da pretensão executória, expedindo-se contra-mandado de prisão e fazendo-se as necessárias comunicações.

No mérito, parece-me que não havia justa causa para o processo contra o paciente, por um suposto desacato.

Ao julgar o habeas corpus n.o. 17.622 (fls. 138/42), o STJ teve para exame o acórdão na apelação criminal (ver fls. 91/6 e 139).

Assim, com a devida vênia, poderia ter examinado

“as alegações relativas à nulidade do ato que determinou a condução coercitiva do paciente para prestar informações, bem como da prisão em flagrante efetuada, haja vista tratar-se de atos emanados do magistrado de primeiro grau, sobre os quais não deliberou o egrégio Tribunal a quo” (autos, fls. 141).

Tudo isto, porém, é matéria que diz respeito à configuração do delito de desacato, analisado no acórdão do TJ.PB (autos, fls. 81/6).

A meu sentir não se configurou o delito de desacato no caso.

Conheço as limitações do habeas corpus em matéria de prova, mas aqui resta evidente que o denunciado a ninguém desacatou, conclusão a que se chega pelo exame dos autos.

Vê-se da inicial:

“HISTÓRICO

Em apertada síntese, REMIGIO QUERUBINO NETO, como cidadão e por força da sua profissão (radialista) vinha investigando junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba desde 15/06/98 (DOC. 2), irregularidades nas contas da Prefeitura do Município de Coremas. Descobriu crédito em nome do MM Juiz (Doc. 03, pág. 11) e de sua esposa (Doc. 03, pág. 04) no Sistema de Contabilidade da Prefeitura de Coremas (Doc. 03). Ainda durante as investigações, foi surpreendido por policial militar que a mando do Juiz levou-o naquele momento (04/03/99), sem intimação, para satisfazer a curiosidade do MM Juiz sobre as investigações que fazia. Foi questionado, obrigado a provar coisas que ainda estava investigando e preso pelo próprio Juiz em flagrante, segundo ele “por desacato”, que ainda determinou sua incomunicabilidade. Ficou 23 dias preso. Não foi arbitrado valor de fiança no mandado de prisão. Teve apoio da API, OAB (Doc. 04). Seu habeas corpus foi negado (Doc. 12, pág. 02, item 2). Sua prisão foi relaxada de ofício (Doc. 09, item 06). Não teve o benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/95 (Doc. 12, pág. 02, item 3), sob alegação que “o denunciado já cometeu vários delitos”, tudo isso considerando que o paciente é tecnicamente primário (Doc. 15, pág. 08 e Doc. 16). Que o caso foi parar na Corregedoria e o MM Juiz foi transferido de Comarca. O paciente não se intimidou e continuou suas investigações que se transformaram em mais duas representações, uma protocolada no dia 13/07/00 junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (Doc. 05) e outra no dia 14/07/00 junto ao Ministério Público (Doc. 06). Foi condenado em primeira instância a 1 ano de prisão (Doc. 12) sem DIREITO a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito ou multa (art. 43 do CP), também ao sursis (art. 77, 11, do CP). Em 06/06/00 a sentença foi mantida em 2ª instância, transitando em julgado dia 30/06/00 (Doc. 14). Vem sofrendo ameaça de morte e procurou o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (Doc. 15)” (autos, fls. 4/5).

Tem relevo no caso que o paciente foi constrangido pela Polícia – a mando do Magistrado – a comparecer à presença deste (Magistrado) e desta flagrante ilegalidade – condução coercitiva injustificada – é que nasceu o processo por um suposto desacato (autos, fls. 82/3).

O Magistrado poderia, se fosse o caso, representar, em desfavor do ora paciente, por calúnia ou difamação, mas nunca criar ilegalmente uma situação que gerou um flagrante de desacato.

Bem pertinentes me parecem as considerações da defesa no sentido de que:

“Outros julgados dizem que “não há crime quando o fato é preparado, mediante provocação ou induzimento, direto ou por concurso, de autoridade, que o faz para o fim de aprontar ou arranjar o flagrante” (RTJ 98/136; pleno, RTJ 82/140; RF 263/277; TJSC, RT 540/345).

Ora, o fato do juiz se julgar ofendido por denúncias que ouviu de terceiros, não o autoriza agir, “data venia” ao arrepio da lei, ao bel prazer. Veja que utilizou-se de força policial para mandar buscar um cidadão que até o momento não tinha sido acusado de nada. Foi feito sem intimação, sem qualquer aviso, enfim sem o devido processo legal, configurando abuso de poder. Se crime de desacato houve, parece claro que a autoridade que exerceu abuso de poder (MM Juiz) foi a responsável direta na indução do agente para a prática do crime, pois criou as condições para sua configuração e ao mesmo tempo tomou as providências necessárias para surpreendê-Io na flagrância da execução.

O funcionário ou autoridade que provocar a repulsa ultrajante não deve ser considerado desacatado. É legítima a retorsão, que elide o dolo.

Bastante válido o ensinamento de Manzini: “Os funcionários públicos e os empregados de serviço público devem ser respeitados, mas a lei não exige que sejam também venerados como pessoas sagradas e intocáveis, não se podendo interpretar como delitiva a mera reprovação, expressa de modo não injurioso, de seus atos”. A contrário do que decidiu o MM. Juiz de 1ª instância: itens 14 e 15. Não há nada de errado no comentário: “‘eu estranho que um Juiz de Direito esteja recebendo dinheiro da Prefeitura’ (fl. 85)”. A censura justa, mesmo que áspera, não tipifica o crime.

Parece claro que o próprio MM Juiz, induziu Remígio a praticar o desacato, criando as condições para sua configuração e após a “insidiosa provocação” tomou as providências para surpreendê-lo na execução” (autos, fls. 7/8).

Em suma, o parecer é, em preliminar, pela decretação da prescrição da pretensão executória e, no mérito, pelo reconhecimento da falta de justa causa para a ação penal, pronunciando-se a absolvição do paciente, em conseqüência.

Brasília, 15 de junho de 2004.

HAROLDO FERRAZ DA NÓBREGA

SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!