Hic et Nunc

MP faz manifesto em SP contra limite de investigação criminal

Autor

5 de julho de 2004, 9h36

Magistrados, medalhões dos MPs federal e estadual e segmentos expressivos da sociedade civil fazem, nesta segunda-feira (5/7), a partir das 19h, coro na PUC de São Paulo contra o iminente controle e cerceamento de poder investigatório do Ministério Público — a ser votado pelo Supremo Tribunal Federal em agosto.

A reunião ocorre na rua Monte Alegre, 984, em Perdizes, zona oeste de São Paulo. O evento tem à frente Roberto Romano da Silva, professor de Filosofia da Unicamp, Urbano Ruiz, magistrado e membro do Conselho Administrativo da Associação Juízes para a Democracia, Milton Temer, ex-deputado federal e vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Cid Benjamin, jornalista e professor, e Bruno José Daniel Filho, irmão do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado há dois anos e meio.

Num libelo de 39 linhas, distribuído em amplo espectro por toda a semana que se passou, os responsáveis pelo evento ressaltam: “Nós, cidadãos comuns, mas preocupados com o destino de nossas família e da sociedade global, desejamos manifestar aos Três Poderes a nossa aflição diante das medidas que atenuam ou retiram as prerrogativas do MP nas investigações de irregularidades ou mesmo de crimes contra o patrimônio do Estado, também diminuindo a proteção à vida dos cidadãos”.

José Reinaldo Guimarães Carneiro, promotor do Caso Celso Daniel, relata à revista Consultor Jurídico que “a sociedade civil já percebeu que não pode prescindir de um Ministério Público forte e independente. Já constatou a existência de forças poderosas, oriundas do crime, tentando retirar o poder de iniciativa de promotores e procuradores no combate à corrupção e ao crime organizado. Era questão de tempo. Começou a reagir e vai continuar se manifestando de forma cada vez mais contundente, para impedir que a impunidade vença a batalha instalada dentro do Poder Público”.

O lobby contra o MP no STF cresceu teratologicamente depois que os promotores de Santo André começaram a roçar, em suas investigações, membros do PT. Por exemplo: o Ministério Público de São Paulo anunciou, em 19 de maio, que passava a investigar o deputado Donisete Pereira Braga. Ele é acusado de participar da trama que culminou com o assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel.

De acordo com as investigações do Grupo de Atuação Especial Regional de Prevenção e Repressão ao Crime Organizado, há “indício de participação do deputado estadual Donisete Pereira Braga nos fatos que ensejaram o homicídio”. O documento acusatório era assinado pelos promotores Roberto Wider Filho, Amaro José Thomé Filho e José Reinaldo Guimarães Carneiro.

O lobby contra o MP tem nuanças hollywoodianas. Já se distribuem a escritórios de advocacia de São Paulo e Brasília, por exemplo, cópias comentadas do filme “Em nome do pai”, com Daniel Day Lewis. O filme começa em 1974, quando atentado a bomba promovido pelo IRA (Exército Republicano Irlandês) matou cinco pessoas num pub de Guilford, periferias londrina. O adolescente e rebelde irlandês Gerry Conlon, mais três amigos, foram presos e condenados pelo crime. Giuseppe Conlon, pai de Gerry, que tentava ajudar o filho, também é condenado e morre na cadeia.

A advogada Gareth Peirce, dos Conlon, leva décadas para provar que o Parquet propositadamente omitira provas a inocentar seus clientes. E só consegue lograr êxito em sua tese quando um meirinho, por engano, entrega-lhe a caixa com as provas materiais omitidas pelo MP. Aliás, vem disso o argumento de quem quer silenciar o MP: parte interessada na condenação, promotores e procuradores, teriam de ter seus poderes investigatórios limitados.

O evento desta segunda-feira vai tentar desbastar moralmente esses argumentos: na noite de hoje a figura principal do encontro será Bruno Daniel, irmão do prefeito assassinado. Em entrevista exclusiva à revista ConJur, Bruno revela o que acha do caso e o porquês de seu envolvimento nessa campanha.

Leia a entrevista

O que representa esse encontro de hoje?

Significa uma defesa das prerrogativas do Ministério Público de poder realizar o seu trabalho com autonomia, que é uma garantia dos direitos republicanos, autonomia que foi garantida pela Constituição Federal de 1988. Nós desejamos que essa prerrogativa continue, porque o Ministério Público tem sido uma instituição que tem atuado com firmeza, competência e determinação em muitos casos importantes, na defesa dos direitos da vida dos indivíduos, no plano ecológico, enfim, um conjunto muito grande de ações.

O caso Celso é um marco em termos de se tentar cercear o MP. Por isso o senhor se engajou?

Sem dúvida alguma nós pudemos vivenciar a atividade que o Ministério Público tem realizado e que se não fosse pelo Ministério Público provavelmente o caso já teria caído no esquecimento. Agora este é um caso que obviamente afetou a nossa família e tem repercussão nacional, mas nós nos engajamos neste movimento para que essa coisa mais abrangente, da luta pela democracia aqui no país, seja continuada. E não é só no caso do Celso. O Ministério Público tem atuado em muitos outros casos também, de forma firme, de forma competente, com autonomia, então é por isso que a gente se engaja nesse movimento. Agora: a gente tem a vivência própria, a instituição que assumiu com toda a força a investigação no caso Celso Daniel foi o Ministério Público.

Qual a sua versão do caso Celso Daniel e qual seria essa versão se o MP já estivesse amordaçado?

Eu acredito que se o Ministério Público estivesse amordaçado muito provavelmente haveria grande chance de o caso cair em esquecimento e de a gente não ter chance de punir todos aqueles que são responsáveis pelo assassinato do meu irmão, isso em primeiro lugar. Em segundo lugar, é possível perceber, através de todo o trabalho realizado pelo Ministério Público, que muitas evidências permitem concluir que o crime foi planejado, não foi um crime comum, casual, como se divulgou num primeiro momento, que foi a versão assumida pela polícia estadual, que foi a versão assumida por petistas, por várias pessoas.

Então o crime foi planejado, sobre isso já há inúmeras evidências, outras pessoas estão envolvidas além daquelas que primeiro ficaram evidenciadas, que eram pertencentes à quadrilha da Pantanal, e é possível perceber que muitas coisas ainda têm de ser investigadas. Se for obstaculizada a atuação do Ministério Público, é possível que as investigações não continuem. Agora eu gostaria de esclarecer o seguinte: não se trata de defender que só o Ministério Público possa investigar, a polícia tem a sua atribuição para investigar, mas é necessário que o Ministério Público também tenha autonomia para realizar o seu trabalho.

Se um cidadão na rua te perguntasse por que mataram Celso. O que diria?

Essa é uma resposta que eu não posso dar com precisão, porque a investigação ainda continua, e eu acho que havia instalada ali na Prefeitura de Santo André uma quadrilha, e aí é necessário investigar o envolvimento dessa quadrilha com a morte do Celso, e é isso que o Ministério Público está fazendo, por isso que nós defendemos que tanto nesse caso como em outro o MP tenha autonomia para realizar seu trabalho.

Se o caso não tivesse conotações políticas não haveria tanta pressão para controlar o MP?

É possível que não, é o que posso te responder.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!