Direito dos animais

Autoridades podem entrar em casas para livrar animais de maus tratos

Autor

  • Roberto Dantas

    é advogado assessor jurídico da Associação Brasileira Protetora dos Animais - seção Bahia e técnico do Tribunal de Contas da Bahia.

5 de julho de 2004, 14h10

Quem não já se condoeu quando teve a oportunidade de ouvir, durante o período da noite ou do dia, o cão de “estimação” do seu vizinho uivando ou latindo em clara expressão de solidão, dor, angústia e desespero?

Os casos e as insensibilidades se multiplicam e a autoridade policial, ao ser acionada, não se envolve, dando pouca importância ao fato, apesar da Constituição Federal permitir o arrombamento da casa ou do local onde esteja detido o animal, quando das hipóteses de prática flagrante de delito (Art. 5º, XI), que só poderão efetivamente ser averiguadas com a pronta e eficaz investigação.

Esta hipótese de delito, em interpretação sistemática afinada com a vontade do legislador constituinte, está esculpida no Art. 225, §1º, VII, que dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” e que “Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Tal hipótese não pode e não deve ser relevada pela investigação do Poder Público, tão somente por se tratarem de cães. Esse entendimento é também corroborado pelas disposições legais ordinárias, tal qual o Art. 32, da Lei 9.605, de 12.02.98 (Crimes ambientais), que prescreve: Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, e o Art. 3º, do Decreto 24.645, de 10.07.34, que regra: Consideram-se maus tratos: I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz.

Quando donos de cães agem irresponsavelmente, deixando-os acorrentados ou aprisionados em locais que lhes provocam desconforto, estado de angústia, dores, risco de vida, falta de água, em espaços que possam se caracterizar como inadequados, sem movimentos físicos, em contato com os próprios dejetos ou com calor excessivo, em convívio com insetos ou parasitas, etc. levando-os a externar o incômodo através dos latidos insistentes, como que a chamarem a atenção de quem possa livrá-los da agonia, evidenciam-se os maus tratos e prática de ato de abuso e crueldade, fazendo incidir nestes exemplos os regramentos legais.

Além dos próprios animais, saliente-se que a vizinhança sofre as conseqüências da irresponsabilidade de donos de cães, que aprisionam os animais ou mesmo da maldade que se revela nesses atos criminosos, testemunhando o sofrimento deles. Animal não é coisa, contrariamente ao que muitos pensam. Animal sente dor, tem percepção, sente medo, somente não expressa através da linguagem do homo; são genericamente exemplares na lealdade para com quem os cria com amor, dando inclusive a sua própria vida para salvar a de seus donos.

Ter um cão sob sua guarda requer cuidados, amor, compaixão e, em especial, responsabilidade na criação. Além de vacinar, vermifugar, alimentar e dar água é preciso ter a consciência de que eles precisam de um mínimo de dignidade para viver.

Hoje, repita-se, a legislação ambiental, a partir da Constituição Federal, reconhece direito de proteção à fauna, a não extinção das espécies e a impossibilidade de atos de crueldade para com os animais.

Mas, a insensibilidade no cumprimento do dever legal, fruto da omissão do Poder Público, em todas as suas esferas, em especial a municipal — que não promove campanhas educativas em larga escala, com seus agentes visitando escolas, centros comunitários e recreativos etc., mas sendo, ele próprio, o primeiro a descumprir a Constituição praticando a matança indiscriminada dos animais (notadamente cães) em Centros de Controle de Zoonoses, quando cães não são reclamados em exíguo prazo de três dias e tão somente há suspeita de estarem contaminados com a raiva, em detrimento de posturas outras mais corretas do ponto de vista da legislação ambiental –, tem permitido que atos de toda ordem cruéis e abusivos sejam perpetrados em animais domésticos.

A rigor, a campanha de conscientização deveria ter como primeiros destinatários os executores das atuais políticas públicas de controle de zoonoses de forma a que prefeitos, secretários de Saúde dos municípios, bem como os agentes públicos que trabalham nessa secretarias, em especial nos Centros de Controle de Zoonoses, fossem multiplicadores incansáveis e exemplares da conscientização da criação responsável de cães, e não temidos agentes exterminadores.

Com a política pública que atualmente está sendo praticada, de extermínio de cães nos centros de zoonoses, demonstrado está que o Poder Público ainda não detém a mínima sensibilidade para gerir a área do meio ambiente e que a eutanásia, com a morte dos animais capturados, não é e não está sendo eficaz, pois se repete a prática ao longo dos anos sem que haja diminuição, erradicação ou eficaz controle das doenças. Se a própria Administração Pública não dá o exemplo, não se pode esperar que os administrados, que quando não ignoram completamente, pouco conhecimento têm das normas constitucionais, possam cumpri-las.

É, aliás, exatamente pelo fato da não adoção de posturas gerenciais dos interesses públicos, mais consentâneas com métodos humanos e eficazes, que o Ministério Público estadual, por seu promotor, Dr. Luciano Santana, já ajuizou, desde 30/05/2001, uma ação criminal pública incondicionada contra a secretária de Saúde Aldely Rocha, Processo n. 1495-8/2001, que tramita no Juizado Especial Criminal de Salvador, e outra Ação Civil Pública, também contra a secretária, que está em curso na 5ª. Vara da Fazenda Pública.

Para os casos de proprietários que deixam seus cães acorrentados sob chuva e frio, ou sob sol intenso, ou, ainda, em locais onde não há luz e ar suficiente, provocando-lhes dores e angústia, é plausível invocar o dispositivo constitucional que prevê exceções ao princípio da inviolabilidade do lar, “salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro…” (Art. 5º, XI, CF).

O socorro a que se refere o dispositivo constitucional não pode se restringir, numa visão estreita, ao homem, mas deve ser entendido, também, para os animais, quer sejam domésticos ou silvestres, que se achem em estado de perigo de vida e sofrimento, sentindo dores e externando-as, no caso do cão, com a “queixa” desta espécie (que é o latido insistente). Quando o animal chega a exteriorizar o sentimento da dor, é porque efetivamente a está experimentando, já que não tem a capacidade de simulação, própria do homem, a não ser que seja treinado para isso, hipótese excepcional.

Desse modo, conclui-se que, diante de tais casos, e diante da total impossibilidade de comunicação com o proprietário da unidade imóvel a tempo de poupar o animal do sofrimento, não somente pode, como deve ser cumprido o dispositivo da Constituição referido, para abrir a porta do local da casa em que estiver o animal demonstrando sofrimento, tendo, nesse caso, que se adotar providências acautelatórias a exemplo de: abrir a porta com um chaveiro para depois ter condições de fechar; fazê-lo na presença de três testemunhas, se for unidade condominial na presença do administrador ou síndico; lavrar um termo, no local, retratando as condições em que se encontravam o animal, e se possível fotografar; no caso de evidente necessidade, conduzi-lo a alguma clínica veterinária que ateste o estado de saúde do animal e, se possível, a causa do sofrimento impingido; comunicar à Associação Brasileira Protetora dos Animais, à circunscrição policial por escrito, evitando-se assim a configuração da violação a que se refere o Art. 150, do Cód. Penal Brasileiro, mediante protocolo e, em caso de recusa em receber, remeter ao delegado titular por “AR”, para, finalmente, dar conhecimento ao Ministério Público.

O que não pode permitir-se o cidadão é a omissão, é a insensibilidade, é compactuar com práticas inumanas, cruéis e com a propriedade irresponsável dos animais. O animal não escolhe o dono e sim o dono é que escolhe o animal, sendo assim, é legalmente responsável pelo bem estar, pela saúde, por evitar qualquer dano a outrem, dentro das posturas legais.

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    é advogado, assessor jurídico da Associação Brasileira Protetora dos Animais - seção Bahia e técnico do Tribunal de Contas da Bahia.

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