Planos de saúde

Liminar de juiz sobre planos de saúde causa dúvidas a usuários

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4 de julho de 2004, 10h28

A confusão na regulamentação da Lei nº 9.656/98 dos planos de saúde parece não ter fim. Além de muitas empresas terem aproveitado para promover aumentos extorsivos de mensalidades para seus associados, com contratos assinados até 1998 — o que levou um grande número de pessoas com mais de 60 anos às portas dos órgãos de defesa do consumidor e a reclamar na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) — uma liminar da Justiça pernambucana causa dúvidas aos usuários.

A Justiça Federal de Pernambuco concedeu liminar para suspender a propaganda institucional da ANS, cujo garoto propaganda era o médico Dráuzio Varella. O Programa de Incentivo à Adaptação dos Contratos (Piac) — citado na propaganda — incentiva os usuários de planos de saúde com contratos anteriores a 1998 a migrarem ou adaptarem seus planos à atual legislação. O custo em alguns casos poder chegar até 1000%, segundo informou a assessoria de imprensa do Idec — Instituto de Defesa do Consumidor.

O meio de campo ficou embolado com a informação do juiz Roberto Wanderley Nogueira, da 1ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, de que não suspendeu o Programa e sim a campanha institucional. A informação foi dada por um assessor. O juiz está em férias.

A ANS, por sua vez, não entende assim e divulgou nota à imprensa informando aos consumidores com planos contratados até 31 de dezembro de 1998 que está trabalhando para revogar a liminar.

“A Agência acredita que, no prazo mais curto possível, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no Recife, se pronunciará e as atividades vinculadas ao PIAC voltarão à normalidade. Por enquanto, em respeito à decisão do Juízo daquela Vara Federal, a ANS sustou as aprovações de propostas de adaptação de contratos antigos que lhe foram encaminhadas pelas operadoras”, afirma a nota da ANS.

Atualmente, existem 38,2 milhões de usuários de planos de saúde, segundo a ANS. Desses, 21,5 milhões têm planos anteriores à Lei 9.656/98.

A Sul América e a Bradesco Saúde juntas detêm a maior parte do mercado de seis milhões de clientes. A Bradesco informou que 120.202 segurados estão envolvidos no processo de migração, em sua grande maioria localizados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Bahia. A empresa suspendeu o processo de migração e aguarda determinação da ANS.

A duas empresas imputaram aumentos a seus associados na ordem de 47% — Sul América, e 81% — Bradesco Saúde. A Sul América afirma que o reajuste está baseado nos respectivos contratos de cada plano e está respaldado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a empresa, a determinação do STF permitiu às empresas operadoras seguirem o que estava acertado nos contratos entre as empresas e seus clientes. Segundo nota da Sul América, “desde 1998, os reajustes concedidos foram insuficientes para restabelecer o equilíbrio financeiro dos planos em função dos crescimentos do custo com a assistência”.

Já a Saúde Bradesco diz que 75% dos seus associados com planos anteriores a 1998 receberam ajustes de 18,89%. O aumento de 81% vai para contratos especiais que se encontram defasados.

Leia a liminar e, em seguida, a nota da ANS:

Poder Judiciário

Justiça Federal

Seção Judiciária de Pernambuco

1ª Vara

Processo nº 2004.83.00.011896-0 – Ação Civil Pública

Autor: Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde ADUSEPS (Entidade da Sociedade Civil Organizada).

X

Ré: Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Autarquia Federal Reguladora)

Vistos em despacho de admissibilidade e concessão de Medida Liminar etc.

A entidade proponente da presente Class Action, constituída segundo a previsão do art. 5º, parte final, incisos I e II, da Lei nº 7.347/85, insurge-se contra iniciativa governamental, no caso representada pelas ações da autarquia demanda no que se refere aos diretivos da Lei nº 9.556/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, e da Lei nº 10.850/04 (originária de conversão da Media Provisória nº 148/03), que lhe atribui competência para a implantação de programas especiais do incentivo à adaptação de contratos antigos da espécie, sob o argumento de violação do interesse público consistente no amparo e garantia dos quadros associativos de Empresas Provedores de tais sistemas de prestação de serviços de saúde privada.

Em ampla e percuciente exposição, a proponente alude que o papel da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS tem extrapolado, acerbamente, no particular, aos limites ético-legais de suas funções, haja vista que o “Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos” da espécie, constituído em face da Resolução Normativa/ANS nº 64/03 e levado a efeito por intermédio de um amplo espectro midiático, tem servido aos propósitos de mercado e menos às legiões de hipossuficientes contratantes, aliás, já amparados por pacificada e remansos Jurisprudência bem como por normas de ordem pública estatuídas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Sem embargo, a orientação, algo forçada, que se vem esgrimindo massivamente contra o cidadão negligencia o princípio constitucional do direito adquirido bem assim do ato jurídico perfeito, agravando, pelo vício da omissão travestida de virtude propagandística sob o penhor de profissional médico notoriamente conhecido, o vezo de ilegalidade contra o que a inicial faz carga litigiosa.

Contar o mal pela raiz é o intento das assim denominadas Class Actions. Mais ainda, quando o Estado se insinua em favor de interesses nada públicos como produto de uma cultura que se vai expraiando, pouco-a-pouco, no inconsciente dos seus próprios agentes os quais, a pretexto de executarem a idéia de um “Estado-mínimo”, acabam desconstruindo os fundamentos clássicos da organização social civilizada.

Outra não parece transparecer a hipótese vertida aos presentes autos; pois, a bem do interesse público que é preconizado pelo art. 1º, da Lei nº 10.850/04, bem como da garantia aos direitos do consumidor que o seu art. 3º igualmente enfatiza, o que se descreve, na prática dos acontecimentos ora denunciados, é um exercício velado de “associativismo” entre o Estado (representado pela atuação ANS) e a iniciativa privada (representada pelos interesses das Empresas Provedoras de Planos e Sistemas de Saúde Privados).

Ouvi e vi, várias vezes, o conteúdo da mídia constante do material acostado às fls, 23, dos autos (CD-Rom), e pude conferir que se trata do mesmo conteúdo veiculado pela grande imprensa televisionada, objeto de notória verificação (art. 334, inc. I, do Cód. De Proc. Civil). O que se observa ali, com isenção, é uma rotina de induções psicológicas que atua sobre a coletividade tão ou mais virulentamente conforme sucede como resto da programação para consumo “descartável” do povo, de seus valores e, sobretudo, de sua própria identidade.

Sobre isto, aliás, já se disse que a sociedade brasileira é obediente a um perfil cênico, além de tanático e, por vezes, cínico. Bem por isso, as audições de programas folhetinescos, espetaculosos e mórbidos granjeiam tanta audiência e também tanta recorrência na vida prática dos cidadãos. Não é difícil observar quando as pessoas incorporam costumes e falas em face da propaganda subliminar obtida dessas veiculações pouco criteriosas, desconstrutivas.

É bem por intermédio desse flanco midiático eticamente ilícito que se vai medrando o que inicial classifica como “propaganda enganosa” do Governo Federal em adesão aos processos e jogos de pressão, ainda não de todo revelados, embora críveis como verdadeiros, partidos da iniciativa privada, recrudescida na atmosfera do neoliberalismo globalizante.

Por certo, esse cenário descortina um feixe de condições claramente desfavoráveis ao cidadão e transforma a rotina de suposta aplicação da Lei de regência em um exercício de contradições essenciais que não pode ser licitamente tolerável, porque o mesmo seria admitir, no caso, que o Estado passe a ser gerido pela iniciativa privada, ainda que sob o pálio das mais refinadas e eruditas manifestações. Como se disse alhures e desde o Medievo: “o vício fica agravado quando dissimulado de virtude”.

Pelo que ficou descrito na petição inicial da presente Class Action, a encontrar perfeita consonância e simetria nos meios de demonstração desde pronto acostados aos autos, firmome no convencimento, ainda preliminar, de que assiste toda razão à Entidade proponente, cabendo, neste passo, tão urgentemente quanto se revele a obtusidade da situação destacada, reverter o quadro em benefício dos cidadãos, coletivamente considerados em seus direitos e em sua homogeneidade, e sobretudo para resgatar a higidez jurídica do Sistema Legal conspurcado, garantindo-se, outrossim, a autonomia da vontade das partes contratantes de tais negócios especializados e a melhor topografia do Estado frente a eles.

Em face destes fundamentos, dada a importância da matéria e a urgência de seu processamento, a plausibilidade jurídica do pedido e a legitimidade da parte proponente, admito a presente Ação Civil Pública para discussão.

Por isto mesmo, concedo, de acordo com os arts. 11 e 12, da Lei nº 7.347/85, a Medida Liminar rosquestada, nos seguintes termos e alcance jurisdicional erga-omes.

1) Determino, até final solução da presente causa de efeito coletivo e de âmbito nacional, a imediata suspensão dos efeitos do “Programa de Incentivo à Adaptação dos Contratos” de que trata a Resolução Normativa – ANS nº 64/03, e seus consectários lógicos, devendo a Agência demandada comprovar, se o caso, que vem encotrando providências reais de promoção e proteção aos direitos do universo de segurador de Planos e Sistemas de Prestação de Serviços de Saúde Privados no país, sem recuo ou negligências, explícitas e/ou veladas, ao permissivo constante do art. 3º, da Lei nº 10.850/04. Ao descumprimento deste preceito, incidirá à Agência demandada, multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), reversíveis ao Fundo Federal de que trata o art. 13, da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo da execução específica que se fizer como necessário sobre a pauta em comento findo.

2) Determino a imediata interrupção da “propaganda institucional” em todo e qualquer formato da Mídia de massa e/ou interna, assim em âmbito nacional quanto local, que tenha por escopo o “encorajamento” de associados a migrarem, adaptarem ou de algum modo revisarem os seus antigos contratos adrede manutenidos, desde antes do advento da Lei nº 9.556/98.

3) Determino, outrossim, que se passe inteira e ampla informação desta decisão judicial, através dos meios de comunicação utilizados para a propaganda ora interrompida, para que o universo de segurados possa melhor avaliar o cenário da presente lide de fundo coletivo a bem de seus direitos e interesses agasalhados pela Ordem Jurídica.

4) Determino, para tanto, que se oficie à Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL a fim de que proceda à execução específica do comando acima, sem prejuízo da iniciativa espontânea da parte obrigada.

5) Determino, ainda que se oficie ao Conselho Federal de Medicina – CFM a fim de considerar a participação de profissional médico na “propaganda institucional” antes aludida.

6) Determino a citação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para responder, querendo, aos termos da presente Ação Civil Pública, nos termos da Lei.

7) Ciência ao Ministério Público Federal para participar de todos os termos presente Ação Coletiva.

Intimem-se

Cumpra-se

Recife, 22 de junho de 2004.

Roberto Wanderley Nogueira

Juiz Federal da 1ª Vara Federal – PE

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