Direito em xeque

Reestruturar ensino jurídico é fundamental ao futuro da advocacia

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2 de julho de 2004, 11h18

Para divisar o futuro da Advocacia no Brasil é fundamental fazer o diagnóstico de seus problemas atuais, sendo o ensino jurídico um deles, inegavelmente. O país convive, há mais de três décadas, com a crise do ensino superior, e a área do Direito tem sido uma das mais castigadas pelo rebaixamento do nível educacional.

Na esteira da intenção do regime militar de minar pólos centrais da resistência democrática, entre os quais se inseria a vanguarda da mobilização social a cargo da Ordem dos Advogados do Brasil, os cursos de Direito, alguns de curta duração, com escopos esterilizados, se espalharam por todo o território, oferecidos por escolas movidas por interesses mercantilistas.

O resultado desse quadro se revela na estatística que se apresenta hoje ao país: são quase 800 cursos de Direito em funcionamento, contra 69, em 1960. Uma realidade que causa perplexidade se comparada aos dados dos Estados Unidos, onde o número de faculdades de Direito está estacionada em 180 instituições de ensino superior.

A proliferação de faculdade no Brasil lança no mercado milhares de bacharéis, dos quais só o estado de São Paulo recebe 15 mil por ano, correspondente a apenas a 20% dos bacharéis, porque os demais não passam no Exame de Ordem, que busca aferir se o bacharel reúne condições profissionais mínimas para atuar, uma vez que terá em suas mãos os bens maiores da criatura humana: a honra, a vida e a liberdade.

Ao lado da saturação do mercado de trabalho, os advogados passaram a conviver com o descumprimento constitucional do múnus da advocacia e com leis que restringem suas atividades profissionais, como nos Juizados de Pequenas Causas. Não por acaso, o papel do advogado na sociedade política tem decrescido.

É nessa moldura que a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil está fazendo uma oportuna interferência. A meta é a de requalificar o ensino jurídico, resgatando o ideário dos cursos de ciências jurídicas e sociais, criados em Olinda e em São Paulo, em 11 de agosto de 1827. O esforço pela recomposição dos níveis de qualidade do ensino do Direito começa pelo combate às escolas e cursos com escopos defasados e improvisados, destituídos da visão do futuro, sem estruturas e deficientes quadros docentes.

Lembre-se, a propósito, que a OAB tem amparo legal para atuar nesse sentido, em função de decreto (N°.3.860 de 9/07/2001) que confere poder ao Conselho Federal da entidade para se manifestar a respeito da criação de instituições de ensino superior. A OAB tem poder opinativo sobre a abertura de novas faculdades de direito, mas a Ordem de São Paulo quer mais, deseja ter poder de veto, porque consideramos inadmissível que o Ministério da Educação autorize o funcionamento de cursos para atuar de forma improvisada em auditórios da Câmara Municipal ou em salas de cinema e utilizem o artifício de locar bibliotecas e corpo docentes de fachada, uma vez que aquele que irá administrar as aulas será um professor sem a devida qualificação.

Outra grande questão voltada ao ensino jurídico, com implicações no futuro da Advocacia, reside no fato de que hoje prepara-se o profissional para litigar, quando o futuro do Direito está na composição. A mediação, a conciliação e a arbitragem abrem novos campos de trabalho para a Advocacia. Trazem um novo conceito à prática do Direito, com ênfase no diálogo e no entendimento entre as partes, todavia há que se tornar obrigatória a presença do advogado, uma vez que essas formas de solução de conflitos constituem mecanismos de solução jurídica e o leigo não conhece o Direito.

Pela conciliação também será possível contornar a morosidade da Justiça, matéria que não foi contemplada pela reforma do Judiciário que embora trate de matérias relevantes e oportunas, não emprestará celeridade à justiça. E um exemplo dessa morosidade está no “tempo morto do processo”, cuja dimensão pode ser retratada por 550 mil processos em grau de recurso, aguardando distribuição na Justiça Paulista, o que demora de 4 a 5 anos de espera.

Uma recente contribuição à melhoria do ensino jurídico foi encaminhada pela seccional paulista à Frente Parlamentar dos Advogados na Câmara dos Deputados e ao Conselho Federal da OAB , propondo antecipar a inscrição do estagiário na Ordem, que atualmente acontece nos dois últimos anos. Nossa proposta é que ele ingresse nos quadros da OAB a partir do 2 ano do Curso de Direito. Com a carteira da Ordem, o estagiário amplia seu mercado de trabalho, porque adquire a prerrogativa de retirar processos nos tribunais, assinar petições junto com um advogado e participar de audiências, atividades essenciais à formação plena do futuro profissional.

Com a antecipação do estágio, o bacharel chegará ao mercado de trabalho com uma bagagem de conhecimentos práticos maior, que somada ao conhecimento conceitual e teórico dos bancos escolares, tende a torná-lo um advogado mais capacitado para postular em nome do cliente.

A somatória dessas propostas no plano educacional visa contemplar a valorização da profissão do advogado, que passa necessariamente pela qualidade de ensino jurídico, fundamental para o profissional que chega a um mercado de trabalho cada dia mais concorrido, tendo de responder à ânsia e às necessidades de um jurisdicionado, que ainda espera pela democratização, melhoria e agilização da Justiça.

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