Segurança jurídica

Prisão preventiva de acusados de matar vereador em PE é mantida

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2 de julho de 2004, 19h25

Francisco Ramos da Silva, prefeito de Ourucuri, em Pernambuco, e Francisco de Assis Ramos, presidente da Câmara, acusados de matar um vereador do município, tiveram pedido de Habeas Corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal.

Os acusados queriam liminar para suspender o decreto de prisão preventiva. O pedido foi negado pelo ministro Celso de Mello.

A defesa dos acusados pediu o reconhecimento da nulidade do decreto de prisão cautelar, alegando ilegalidade e abuso por “inidoneidade da sua fundamentação quanto ao pressuposto da existência de indícios suficientes de autoria e quanto à sua necessidade e aos seus requisitos”.

O relator, ministro Celso de Mello enfatizou que a “privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade”.

Celso de Mello assinalou que o juiz, ao decretar a prisão preventiva de alguém, deve apoiar-se em elementos concretos e reais que se ajustem aos requisitos definidos em lei, que permitem a utilização dessa modalidade de tutela cautelar penal.

O relator observou que o decreto de prisão preventiva dos acusados foi justificado por estarem as testemunhas sofrendo ameaças, e como os acusados detêm o Poder Público municipal, com considerável poder econômico, o juiz entendeu que para garantir a ordem pública no município de Ourucuri seria conveniente à instrução penal que os acusados fossem presos.

Segundo Celso de Mello, o Superior Tribunal de Justiça, ao negar o Habeas Corpus para os acusados, observou que enquanto eles exercem os cargos de agentes públicos, no Poder Executivo municipal, e de mandato eletivo na Câmara Municipal, eles detêm poder político democrático, e deveria haver a manutenção do decreto de prisão preventiva para a garantia da ordem pública e, principalmente, a conveniência da instrução criminal.

“Vê-se, pois, que as razões consubstanciadoras da decisão ora impugnada parecem descaracterizar, ao menos em sede de estrita delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelos ilustres impetrantes”, afirmou o ministro.

Ao indeferir a liminar, Celso de Mello ressaltou que a segurança jurídica do município de Ourucuri impõe a preservação das prisões preventivas, ao menos até o final do julgamento deste Habeas Corpus.

Leia a íntegra da decisão:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 84.472-3 PERNAMBUCO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): FRANCISCO RAMOS DA SILVA

PACIENTE(S): FRANCISCO DE ASSIS RAMOS

IMPETRANTE(S): ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idêntico processo, denegou o “writ” aos ora pacientes, em acórdão assim ementado (fls. 187):

“PENAL E PROCESSUAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. HOMICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. FUNDAMENTAÇÃO. MANUTENÇÃO.

Inexiste constrangimento ilegal na decisão que decreta a prisão preventiva para garantia da ordem pública, quebrada em face da prática de crime grave, cuja autoria intelectual é atribuída, mercê de indícios fortes e suficientes, ao chefe do poder executivo municipal e a membro da câmara municipal.

A morte de testemunha-chave, arrancada de sua residência em plena luz do dia, bem como a ameaça exercida sobre outras pessoas que compartilham o mesmo ambiente político e informações relacionadas ao assassinato, são aptas a infletir no ânimo das pessoas, de modo a alterar, de maneira desfavorável ao interesse público, o curso da instrução criminal.

A decisão impugnada resulta de judiciosa reflexão sobre o fato e suas circunstâncias, e procura situar suas conseqüências em contexto jurídico e social adequado aos objetivos do processo.

Diante da prova do crime e de indícios suficientes de autoria, presentes concretamente os motivos autorizadores da custódia preventiva, atinentes à garantia da ordem pública e à conveniência da instrução criminal, não há constrangimento ilegal a sanar.

Ordem denegada.” (grifei)

Postula-se, no presente “writ”, seja reconhecida “a nulidade do decreto de prisão cautelar ilegal e abusivamente expedido contra os Pacientes” (fls. 24), alegando-se, para tanto, a “inidoneidade da sua fundamentação quanto ao pressuposto da existência de indícios suficientes de autoria e quanto à sua necessidade e aos seus requisitos…” (fls. 24).

Passo a apreciar o pedido de medida liminar ora formulado na presente impetração.

E, ao fazê-lo, enfatizo que a privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.

Importante assinalar, pois, que o magistrado, ao decretar a prisão preventiva de alguém, deve apoiar-se em elementos concretos e reais que se ajustem aos requisitos abstratos – juridicamente definidos em sede legal – autorizadores da utilização dessa modalidade de tutela cautelar penal (RTJ 64/77 – RTJ 134/798), pois, sem fundamentação substancial, que indique a existência de razões de efetiva necessidade (RTJ 176/357), não se justificará, nem poderá subsistir, por abusivo, o ato de privação cautelar da liberdade individual.

O ato decisório que decretou a prisão preventiva dos ora pacientes assim justificou a necessidade dessa extraordinária medida de ordem cautelar (fls. 77/78):

“(…). E – DA NECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR

a) A testemunha MARLENE ALVES DE SOUZA diz, às fls.263/264: ‘…disse ser viúva da vítima EXPEDITO MACEDO DE ALENCAR, conhecido por ‘Didi’… e na semana seguinte, chegaram quatro homens armados e desconhecidos da declarante e levaram o seu marido dizendo que iriam conversar com o mesmo e posteriormente Didi ia retornar; QUE nessa ocasião os homens entraram em sua residência, levaram um revólver calibre 38 que DIDI sempre guardava no guarda roupas e a importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) que DIDI havia recebido de um primo dias antes; QUE, dos quatro desconhecidos, somente um usava capuz por sobre a cabeça; QUE, levaram o seu marido em um carro de passeio de cor preta não sabendo a declarante declinar o tipo nem a marca do veículo; QUE, esses homens levaram DIDI por volta das 14:00h e somente por volta das 17:30h esta soube que fora encontrado o corpo do seu marido crivado de balas na estrada vicinal que acessa o sítio Jatobá neste município; QUE, não sabe a razão do assassinato de seu marido…’.

b) Há nos autos, às fls. 360, recorte do Jornal do Comércio, de 04/09/2003, com a seguinte notícia: ‘NOVA AMEAÇA DE MORTE EM OURICURI. O Deputado Isaltino Nascimento (PT) fez um pronunciamento ontem, na Assembléia Legislativa, denunciando que o vereador Ivo Gomes da Silva, do PT de Ouricuri, está sofrendo ameaças de morte por telefone. O petista teme que ocorra com Gomes o mesmo que aconteceu com o ex-vereador Manoel Messias, assassinado em julho, no centro daquela cidade do Sertão do Araripe…’ (fls. 360).

c) Às fls. 376, um recorte do Diário de Pernambuco de 05/09/2003, dizendo: ‘Ouricuri. VEREADOR SOB AMEAÇA TEM GARANTIA DE VIDA. Ameaçado de morte através de telefonemas anônimos, o vereador Ivo Gomes (PT), de Ouricuri, a 630 quilômetros do Recife, no Sertão do Araripe, recebeu garantia de vida do secretário de Defesa Social, Gustavo Lima… Funcionário do Banco do Brasil e pai de três filhos, Ivo Gomes está apreensivo porque a morte de Messias ocorreu depois dele ter recebido ameaças semelhantes às que lhe têm sido feitas. Ivo Gomes recebeu dois telefonemas ameaçadores. O primeiro no dia 28 de agosto e o segundo na terça-feira…’.

F – Os autos demonstram que de algum tempo para cá a comunidade de Ouricuri passou a viver o seu dia-a-dia, sob tensão.

A briga entre os protagonistas desta Ação Penal, como não poderia deixar de ser, por se tratarem de homens públicos, trouxe para os cidadãos do Município a apreensão quanto ao desfecho desse entrevero.

E agora, depois da morte de vereador, a situação já não é mais só de agitação e tensão; pelos autos, e conforme o que se estampa nos jornais, o que existe já caracterizado é o clamor público, como conseqüência da perturbação da ordem.

Nesse clima de perturbação da ordem pública qual é a testemunha que teria coragem cívica de dizer a verdade do que sabe? É difícil pensar nisto. E não podemos deixar de considerar que a situação é séria. Os acusados detêm o Poder Público do Município, e diante do padrão de riqueza da região, têm considerável poder econômico. Soltos, eles irão ameaçar as testemunhas, ou, corrompê-las.

Há portanto, a necessidade de se garantir a ordem pública naquele Município, e convém à instrução criminal que os acusados sejam presos.” (grifei)

Esse específico aspecto da questão, pertinente à necessidade da medida cautelar em referência — que assume relevância na análise da presente controvérsia — foi destacado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, no acórdão ora objeto desta impetração (fls. 183):

“(…). Enquanto agentes públicos, no exercício do poder executivo municipal e de mandato eletivo à câmara municipal, os acusados, evidentemente, detêm poder político, que lhes foi conferido nas urnas, para desempenhar funções relevantes na busca de soluções para as necessidades sociais dos habitantes de Ouricuri.

Sua atuação interessa a todos os cidadãos e, na medida em que, em tese, encomendam a morte de um desafeto político, cuja inimizade é notória, certamente comprometem a ordem pública.

Mais do que isso, subvertem-na, pois lhes é exigido garanti-la, nos limites das atribuições inerentes ao mandato que cumprem.

Do mesmo modo, é plausível admitir que as ameaças que, conforme noticiado, têm sido feitas àqueles que compartilham o mesmo ambiente político e, em particular, informações relacionadas ao assassinato, são aptas a infletir no ânimo das pessoas, de modo a alterar, de maneira desfavorável ao interesse público, o curso da instrução criminal.

A morte de ‘DIDI DE ALFREDO’, testemunha-chave do fato, em circunstâncias de óbvio desrespeito à ordem social, marcada por invasão de domicílio à luz do dia, traduz, com clareza, o ânimo daqueles que buscam encobrir a verdade.

Neste intenso e extenso campo indiciário, à vista dos desdobramentos capazes de traduzir novas infrações e prejudicar a apuração da responsabilidade pelos crimes, a suficiência dos indícios deve ser entregue ao prudente arbítrio do Juiz.

Amparado por livre convencimento fundamentado, deve medir e pesar os elementos colhidos para aferir se detêm relevância suficiente para, em atenção ao interesse público, autorizar a coarctação da liberdade individual.

Estou seguro de que a decisão impugnada resulta de judiciosa reflexão sobre o fato e suas circunstâncias, e que procura situar suas conseqüências em contexto jurídico e social adequado aos objetivos do processo.

Não a conduz o clamor público ou a falada tensão que experimentam os habitantes de Ouricuri, mas a garantia da ordem pública e, principalmente, a conveniência da instrução criminal.” (grifei)

Vê-se, pois, que as razões consubstanciadoras da decisão ora impugnada parecem descaracterizar, ao menos em sede de estrita delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelos ilustres impetrantes.

Essa circunstância impõe que se preserve, ao menos até final julgamento deste “writ”, a eficácia da ordem judicial de privação cautelar da liberdade de locomoção física dos ora pacientes.

Sendo assim, e sem prejuízo de ulterior reapreciação da matéria, quando do julgamento final do presente “writ” constitucional, indefiro o pedido de medida liminar.

2. Oficie-se ao Senhor Desembargador Zamir Machado Fernandes, eminente Relator da Ação Penal Originária nº 108.008-0, do E. Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, solicitando-lhe informações sobre a fase em que presentemente se acha o referido processo penal (fls. 73/80), bem assim sobre se já foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação.

O ofício em referência deverá ser instruído com cópia da presente decisão.

Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2004.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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