Lei de Falências

Trabalhador sai prejudicado no projeto da nova Lei de Falências

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1 de julho de 2004, 17h07

Já aprovada a proposta da Nova Lei de Falências na Câmara (Projeto de Lei nº 4.376-B/93), o projeto agora se encontra em fase final de votação no Senado (PLC nº 71/03). Nele, está presente a proteção de interesses dos grupos econômicos e financeiros, que poderão receber seus créditos, com prioridade, até mesmo antes da Fazenda Pública e ou dos créditos alimentares dos trabalhadores.

Guilherme Guimarães Feliciano, juiz do trabalho e membro da Comissão Legislativa da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), analisando o texto em tramitação, conclui que, se aprovado, irá ocasionar enormes prejuízos aos trabalhadores e à própria sociedade. Segundo ele:

“O projeto pretende introduzir na legislação nacional modificações prejudiciais para o trabalhador brasileiro, uma vez que sujeita os seus créditos alimentares ao plano de recuperação judicial da empresa, agravando a sua condição jurídica em relação ao que dispõe a atual Lei de Falências, de 1945, na qual os créditos privilegiados – inclusos os decorrentes dos contratos de trabalho – simplesmente não são alcançados pela concordata, que apenas obriga os credores quirografários.

Ou seja, atualmente o trabalhador brasileiro pode buscar a satisfação de seus créditos, mesmo em face de empresas concordatárias, no âmbito da Justiça do Trabalho, tendo o direito inalienável de havê-los nas épocas certas, sob pena de juros moratórios e correção monetária. Já pela nova Lei de Falências, a empresa sob recuperação judicial – que substituirá a concordata – poderá quitar os créditos de natureza trabalhista, aí inclusos salários e direitos de rescisão, no generoso prazo de até um ano. Isso é inadmissível, se consideramos tratar-se, em larga medida, de créditos de estrita natureza alimentar.

A par disso, este projeto introduz outro retrocesso lancinante, que é a elisão da responsabilidade trabalhista do sucessor, fazendo tabula rasa do sistema instituído pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) há mais de meio século. Por exemplo, quem adquire o estabelecimento do falido não responde pelos créditos trabalhistas pendentes.

Em suma: há apropriação capitalista do trabalho da pessoa humana, mas não há contraprestação eqüitativa, já que o antigo titular é insolvente e o atual é juridicamente irresponsável. Não há segurança econômica que justifique tamanha violência aos direitos históricos da pessoa trabalhadora. E se não bastasse, o projeto ainda limita o privilégio dos créditos trabalhistas e acidentários, na classificação geral dos créditos na falência, a 150 salários mínimos. O que ultrapassar isso tornar-se-á crédito quirografário.

Tal limitação não é adequada, uma vez que, no geral, o montante de 150 salários mínimos só bastará para satisfazer tantos quantos recebam até o equivalente a US$ 350 por mês (em geral, isentos de imposto de renda), excluindo boa parte dos créditos dos trabalhadores de renda média. Outrossim, trata-se de outro revés histórico para o trabalhador nacional, que desde 1977 tem em seu favor, nas falências, o privilégio absoluto para salários e indenizações, sem limites quantitativos

A espoliação dos direitos trabalhistas nos contextos de insolvabilidade empresarial, falência e recuperação, não vai favorecer significativamente a economia do País, que precisa de demanda efetiva e não de arrocho. Assim, se por um lado o projeto não traz qualquer benefício ao trabalhador – bem ao contrário, prejudica-o -, tampouco aproveita ao setor produtivo, se o solapamento do crédito trabalhista importar em retração de demanda e precarização, com efeitos funestos no consumo”. (autor citado, em seu artigo publicado no Jornal O Estado do Paraná, edição de 26.06.04, pág. 4, intitulado A Nova Lei de Falências, cuja íntegra poderá ser lida no endereço seguinte:

http://www.parana-online.com.br/index.php?pag=opiniao&id_noticia=76676

Estamos de pleno acordo com as lúcidas análises e conclusões transcritas. A aprovação do projeto, como está, é um equívoco e um retrocesso social lastimável, ou seja, um dobramento aos interesses do “deus mercado”.

Ao perder o trabalhador e ganhar as instituições financeiras, a aprovação do projeto contraria por certo os primados constitucionais vigentes da prevalência do social em favor do conjunto da sociedade. Isso se extrai do exame das prioridades adotadas pelo constituinte de 1988, que já no artigo primeiro, ao aprovar a constituição da República Federativa do Brasil, adotou como fundamentos, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Ao traçar os objetivos fundamentais perseguidos, art. 3º, aponta o legislador constituinte a busca da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; da garantia do desenvolvimento nacional, visando, a erradicação da pobreza e a marginalização; a da redução das desigualdades sociais e regionais; da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Sendo que para atingir essas conquistas há a subordinação do capital ao atendimento prevalente do social, vinculando a que a propriedade atenda à sua função social e ao desenvolvimento da ordem econômica (CF, art. 5º, XXIII e 170, III). O art. 193 manteve o primado em favor do homem, da vida, da dignidade da pessoa humana, o Estado de Bem Estar Social, assim dispondo:

“A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (CF, art. 193).

Iludem-se os que acreditam que o modelo econômico neoliberal mundialmente globalizado, por si só, irá resolver a questão do desemprego e de respeito à dignidade do trabalhador para que seja tratado como verdadeiro parceiro da atividade econômica e não como mera mercadoria descartável.

Isso não será possível sem a criação de um Estado forte que intervenha no mercado, regulando a atuação do capital, para que este cumpra com sua função social, reequilibrando situações desajustadas entre o capital e o trabalho, permitindo-se inclusive ao Estado que possa cumprir com seu principal papel à sociedade que é o da promoção do bem comum a todos e num mundo a ser edificado de inclusão, como defendemos no artigo intitulado Por trabalho decente – Modelo econômico tem de buscar também a inclusão social, publicado na Revista Consultor Jurídico e no endereço seguinte: http://conjur.uol.com.br/textos/27387/

Há necessidade de o Estado proteger o homem em sua relação de trabalho, como parte mais fraca, até em razão da preservação da própria vida, bem fundamental para que uma pessoa exista, na acepção de Dalmo Dallari:

“A vida é necessária para que uma pessoa exista”…

(http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/bib/dallari.htm)

Nossa Carta Política não se esqueceu da necessária proteção do bem supremo que é o da preservação da vida, direito fundamental e inalienável, como se observa pelo comando das garantias seguintes:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (CF, art. 5º, caput).

“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (CF, art. 5º, inciso X).

A garantia ao direito à cidadania – alçado pelo constituinte como fundamento da República Democrática do Brasil (CF, art. 1º, inciso II) – representa também um compromisso com a vida, bem supremo do homem e que só finda com a morte.

Cabe ponderar ainda que nossa Lei Maior protege a prevalência inclusive dos direitos humanos e o direito à autodeterminação dos povos (CF, art. 4º, inciso II e III)

A par dessas garantias, cabe ao governo que jurou defender a CF, defender a aplicação de todos os seus postulados no quotidiano e não violenta-la, incluindo-se o da defesa do direito à soberania – o inalienável direito dos povos livres, artigo de nossa autoria publicado na Revista Consultor Jurídico, com o título de: “Liberdade dos povos – Mundo demonstra necessidade de visão mais humanista”, cuja íntegra pode ser lida no seguinte link: http://conjur.uol.com.br/textos/22488/

Ao instituir o legislador constituinte dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil o direito à cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, acaba por proteger o direito ao trabalho, ao emprego digno, ao salário que é o ganha-pão, a contraprestação pelas exauridas energias gastas em proveito do empregador – crédito alimentar, que deve ter tratamento diverso do crédito comum (o quirografário), por ser superior e no mesmo patamar de relevância, como são também os pertinentes aos decorrentes dos benefícios devidos pela Previdência Social, tais como os pertinentes à aposentadoria, auxílio-acidente, auxílio-maternidade, pensão por morte, etc.

A Emenda Constitucional nº 30, de 13.09.2000 reconhece possuir o crédito trabalhista e o previdenciário a mesma natureza alimentícia:

“§ 1º- A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”.

E a definição do que venha a ser entendido por salário está explicitada no comando do caput do art. 458 da CLT, que assim dispõe:

“Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado”.


E em se tratando o salário de crédito alimentício assegurado constitucionalmente, não pode o legislador dar primazia a que interesses privados se sobreponham a interesses de ordem pública, permitindo-se que créditos de hierarquia inferior tenham preferência aos créditos alimentares, ainda que de procedência de capital transnacional. É assente em nosso direito que a legislação infraconstitucional – portanto de hierarquia inferior à Constituição Federal – deve guardar compatibilidade com aquela de ordem superior, sob pena de não gerar efeitos, em razão de inconstitucionalidade.

À luz dos princípios da efetividade e celeridades processuais e da ordem constitucional vigente os novos valores invertidos adotados pela Nova Lei de Falência em trâmite no Senado choca-se diretamente com os princípios, da isonomia, do amplo acesso à justiça, da proibição de imposição de discriminação de qualquer natureza (CF, art. 3º, inciso IV), parte final:

“Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(…)

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (grifamos).

Não obstante isso tudo, a análise extraída do jornal on line – O Concorrente, edição de 27.06.2004 – conclui que apesar de todas as garantias da legislação ordinária e constitucional em favor da prevalência do social, o texto da Nova Lei de Falências até agora aprovado vai privilegiar os ganhos do capital em detrimento dos direitos dos trabalhadores que serão reduzidos e cortados:

“Pela nova lei, se aprovada, as companhias falidas que devem ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) têm obrigação de pagar somente 5 salários mínimos (R$ 1.200,00) ao trabalhador indenizado. Se não houver esse tipo de operação, a empresa paga 150 salários mínimos (R$ 36.000,00). Caso haja saldo acima desses valores, o empregado passa à condição de credor quirografário, isto é, entra na lista dos credores comuns. Na prática, é quase certa a perda de tudo que não recebeu. Se o saldo superar os valores estipulados pela nova lei, o trabalhador vai disputar o recebimento em condições de igualdade com os demais, exceto com os bancos credores de ACC, a União e os que tenham garantias reais. Nesta ordem, eles têm a preferência. Note-se que a primazia dos bancos está à frente até mesmo da União. Depois vêm os quirografários, onde se enquadram os trabalhares com créditos acima dos limites fixados. Esses vão receber o restante, se houver. A nova Lei de Falências é parte de acordos com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Em março do ano passado, o atual governo negociou com o Fundo as condições para novos empréstimos. Foi estabelecido que, até maio daquele ano, seria alterada a Lei de Falências. Em troca de US$ 8 bilhões, a instituição exigiu também o fim da multa por demissões (40%). O projeto da Lei de Falências está nas mãos do relator, Senador Ramez Tebet ( PMDB-MS) que, após entendimentos com o Ministro Palocci, está fazendo a proposta de modificações no documento original, acrescentando os limites citados. Mais alterações virão nas leis que garantem ganhos ao trabalhador. O governo fala com freqüência em “flexibilizar” a CLT, outra sugestão do FMI, mas não faz as mudanças devido a fortes reações dos sindicatos. O parcelamento do 13º é uma delas. Nos primeiros anos, haverá de fato um parcelamento depois, se as parcelas forem mensais como é pretendido, significará a eliminação do benefício que será computado como ganho mensal e incorporado ao salário. É mais uma armadilha sendo preparada para o trabalhador, a mando de outros, pelos homens que vieram dos sindicatos”. In: http://www.aqua.eng.br/concorrente1.htm

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