Lei suspensa

Cade não pode fazer contratação temporária, decide ministro do STF.

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1 de julho de 2004, 16h27

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os efeitos da Lei 10.843/04, que permitia ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a contratação de pessoal de forma temporária. O pedido de suspensão da permissão foi feito pelo Partido da Frente Liberal (PFL).

O partido impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Medida Provisória 136/03, depois convertida na lei — suspensa. A decisão vale até o julgamento do mérito da ação.

Na ADI, o PFL alegou que “nos casos de atividades públicas regulares e permanentes, fica afastada a possibilidade de contratação temporária”. Ainda segundo o partido, “as contratações temporárias são voltadas ao exercício das competências institucionais do Cade. A esse propósito, basta verificar as atribuições legais dessa entidade para constatar que as funções a serem exercidas pelos contratados não têm caráter eventual, temporário, ou excepcional. As atividades a serem desempenhadas são de natureza regular e permanente”.

Os argumentos foram acolhidos pelo ministro Marco Aurélio. Ele destacou o parecer do procurador-geral da República, favorável à concessão da liminar.

O ministro afirmou que para preencher cargo público “indispensável é que a arregimentação se dê com observância dos parâmetros do concurso público de provas ou de provas e títulos, ante a natureza ou a complexidade do cargo ou emprego, ressalvadas apenas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

Ainda segundo Marco Aurélio, “a lei pode realmente estabelecer casos de contratação por prazo determinado, mas a legitimidade respectiva pressupõe, como objeto, atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”. Mas ele entendeu que o caso concreto não se encaixa nesse quesito.

Leia a liminar

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.068-0 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE(S) : PARTIDO DA FRENTE LIBERAL – PFL

ADVOGADO(A/S) : ADMAR GONZAGA

REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

REQUERIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

DECISÃO – LIMINAR

SERVIDORES – CADE – ARREGIMENTAÇÃO – AFASTAMENTO DE CONCURSO PÚBLICO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LIMINAR DEFERIDA – REFERENDO.

1. A ação foi ajuizada, inicialmente, contra a Medida Provisória nº 136, de 17 de novembro de 2003. Mediante esse instrumento normativo, inseriu-se, na Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, o artigo 81-A, com o seguinte teor:

Art. 81-A. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE poderá efetuar, nos termos do art. 37, inciso IX, da Constituição, e observado o disposto na Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, contratação por tempo determinado, pelo prazo de 12 (doze) meses, do pessoal técnico imprescindível ao exercício de suas competências institucionais.

Parágrafo único. A contratação referida no caput poderá ser prorrogada, desde que sua duração total não ultrapasse o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, ficando limitada sua vigência, em qualquer caso, a 31 de dezembro de 2005, e dar-se-á mediante processo seletivo simplificado, compreendendo, obrigatoriamente, prova escrita e, facultativamente, análise de curriculum vitae, sem prejuízo de outras modalidades que, a critério do CADE, venham a ser exigidas.

Na inicial, sustenta-se que as atividades a serem desempenhadas pelos contratados são de natureza regular e permanente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Daí apontar-se a medida provisória como conflitante com a norma do artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, no que autoriza a contratação apenas para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. Ter-se-iam parâmetros a exigirem o concurso público. Menciona-se voto proferido pelo ministro Moreira Alves na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.380/DF, em que foi suspensa a eficácia da alínea “c” do inciso VI do artigo 2º da Lei nº 8.745/93, considerada a redação imprimida pela Lei nº 9.849/99, ante a contratação pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI. Alude-se à exposição de motivos da própria Medida Provisória nº 136/2003, na qual ressaltada a repressão às condutas anticoncorrenciais, devendo o CADE ter condições para implementá-la. Também é feita referência a voto por mim prolatado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.229-6/ES, quando esteve em jogo a criação de empregos temporários para suprir a deficiência notada na Defensoria Pública. Pleiteou-se concessão de liminar visando à suspensão da medida provisória, vindo-se, alfim, a julgar procedente o pedido formulado para, em definitivo, declarar-se-lhe a incompatibilidade com a Lei Máxima. À inicial juntaram-se os documentos de folha 10 a 14.


À folha 17, acionei o disposto no artigo 12 da Lei nº 9.868/99, ou seja, a possibilidade de julgamento definitivo da ação.

Aos autos veio a Mensagem nº 773, de folha 22, encaminhando informações nas quais se assevera ter a medida provisória, como base, o preceito constitucional de cotejo – o inciso IX do artigo 37 da Carta Política da República -, evocado pelo requerente. Questiona-se se o Diploma Maior apenas admite a espécie de contratação para atender carências temporárias ou se a viabiliza também no que tange às permanentes. Reporta-se à obrigatoriedade de a autarquia responder à demanda, formalizando soluções rápidas. Para tanto, afirma-se indispensável contar-se com pessoal capacitado, antes mesmo da criação de cargos por lei. Cita-se Diogenes Gasparini, para quem, por necessidade temporária deve ser entendida aquela qualificada pela transitoriedade, a que não é permanente, a que se sabe ter um fim próximo. Discorre-se sobre o dispositivo constitucional, levando em conta a necessidade urgente de excepcional interesse público. Faz-se alusão à exigência de feitura de prova escrita. As informações foram endossadas pelo Consultor-Geral da República, Doutor Manoel Lauro Volkmer de Castilho (folha 30), estando acompanhadas de documentos.

Com a petição de folha 92 a 94, insistiu o Partido da Frente Liberal na apreciação do pedido de concessão de medida acauteladora. Determinei a seqüência do processo, na forma já designada, ou seja, presente o artigo 12 da Lei nº 9.868/99 (folha 95).

À folha 98 à 104, manifesta-se o Advogado-Geral da União, mencionando Celso Antonio Bandeira de Mello, para quem a norma do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal alcança atividades regulares e permanentes de excepcional interesse público que estejam sofrendo ameaça de não serem cumpridas. A Medida Provisória nº 136/2003 estaria em consonância com o texto constitucional, ante a precariedade do serviço oferecido, tendo em vista a fundamental importância da atuação do CADE. Diz da exigência do concurso público de provas, observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, pouco importando a expressão “processo seletivo” usada para distinguir-se a espécie de contratação do preenchimento definitivo dos cargos. Conclui a Advocacia-Geral pela inadmissibilidade da ação direta de inconstitucionalidade, em face da ausência de configuração do conflito com a Carta Federal.

A Procuradoria Geral da República emitiu o parecer, de folha 106 a 112, assim sintetizado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 136, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2003. CONVERSÃO NA LEI Nº 10.843/2004. REDAÇÃO INALTERADA. ADITAMENTO À INICIAL PROTOCOLIZADO. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PESSOAL. NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO NÃO CARACTERIZADA. INCOMPATIBILIDADE COM O TEXTO CONSTITUCIONAL. PARECER PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

A peça baseia-se na regra de que o acesso ao serviço público dá-se por concurso público, surgindo como exceção o contrato para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. A Lei nº 8.745/93 enumerara diversas situações enquadradas na exceção constitucional, não sendo taxativa quanto à possibilidade de esgotamento. Cita-se a doutrina de que hão de ser considerados a temporariedade do prazo de contratação e da função a ser exercida, o grau de excepcionalidade do interesse público e da necessidade da contratação. Ter-se-ia como indispensável atender à “situação anômala, de repercussões imprevisíveis”, na óptica de Celso Antonio Bandeira de Mello. Reproduz-se lição de Celso Ribeiro Bastos bem como de José Cretella Júnior no tocante à finalidade da norma constitucional – evitar a burla ao concurso público. O CADE, como autarquia, estaria a completar dez anos de existência, sem que houvesse sido criado o quadro de pessoal. Assim, o caso revelaria inércia da Administração. Relativamente às funções, assevera-se a exigência de conhecimentos técnicos especializados de nível superior, de modo a suprir as carências permanentes da autarquia. Propugna-se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.843/2004.

À folha 118 à 120, está a petição de aditamento, em vista da conversão da medida provisória na Lei nº 10.843/2004. Fez-se pedido sucessivo para tomar-se a ação como argüição de descumprimento de preceito fundamental. Esse pleito foi rechaçado, conforme decisão de folhas 122 e 123.

À folha 125, diante do surgimento da lei, determinei fosse ouvido o Legislativo e, a seguir, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República. Nova mensagem veio ao processo, encaminhando pronunciamento da Consultoria Geral da União sobre a incompatibilidade do aditamento, em virtude de fato novo, ou seja, a lei. Esclarece-se que o precedente a que se reportou o requerente – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.011/DF, relatada pela ministra Ellen Gracie – não chegou ao Colegiado. O Legislativo teria versado a limitação das contratações. Peça acostada e de autoria da Advocacia-Geral da União consigna a impossibilidade do aditamento, a inadmissibilidade da ação direta de inconstitucionalidade contra atos de efeitos concretos e a constitucionalidade da Lei nº 10.843, de 27 de fevereiro de 2004.


À folha 141 estão as informações da Mesa do Congresso Nacional, remetendo a parecer do assistente jurídico do Senado Federal Frederico Cianni, segundo o qual a narração dos fatos, a fundamentação jurídica do pedido não reflete raciocínio lógico.

À folha 152, indeferi pleito do CADE de intervenção para prestar esclarecimentos.

O Partido da Frente Liberal – PFL solicitou preferência no exame do pedido sob o ângulo da liminar. Então, determinei a inclusão do processo em pauta com a urgência cabível, dispensado novo pronunciamento do Procurador-Geral da República, porquanto o contido no processo já engloba o aditamento à inicial.

Foi expedida a papeleta relativa à liberação do processo ao Plenário em 18 de junho de 2004.

Em 29 de junho de 2004, o requerente voltou a ressaltar a urgência do julgamento, pleiteando a apreciação individual, caso não realizado o pregão no semestre em curso. Despachei, imediatamente, consignando o envio de cópia da peça ao Presidente, a quem compete dirigir os trabalhos do Plenário. A sobrecarga de processos na pauta e na bancada inviabilizou o crivo do Colegiado. Assim, ante o disposto nos artigos 21, incisos IV e V, do Regimento Interno e 10 da Lei nº 9.868/99, passo a decidir.

2.A peça inicial preenche as formalidades que lhe são inerentes, havendo a revelação da causa de pedir e do pedido, discorrendo-se sobre a inconstitucionalidade evocada. Quanto à valia do aditamento, improcede o que argüido. É certo que, na conversão da medida provisória, inseriu-se, na cabeça do artigo 81-A da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, a restrição dos contratos por tempo determinado a serem celebrados, mediante a expressão “limitando-se ao número de 30 (trinta)”. A modificação, todavia, não se mostrou substancial, em vista da articulação de conflito da norma primitiva, da medida provisória, com o Diploma Maior. Em discussão está a possibilidade, pouco importando o número, de contratações de forma temporária. Rejeito as preliminares de argüição de vício da inicial e de impossibilidade de aditamento.

No mais, o entendimento do Procurador-Geral da República é irrefutável. A regra de investidura em cargo ou emprego público encontra-se no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal. Indispensável é que a arregimentação se dê com observância dos parâmetros do concurso público de provas ou de provas e títulos, ante a natureza ou a complexidade do cargo ou emprego, ressalvadas apenas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. É sintomático que, existindo o CADE há tantos anos, tenha-se lançado mão de medida provisória, buscando-se, com isso, viabilizar contratação temporária. A referência, no texto normativo, ao artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal não implica a certeza quanto à harmonia com o mandamento constitucional. A lei pode realmente estabelecer casos de contratação por prazo determinado, mas a legitimidade respectiva pressupõe, como objeto, atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. Isso, a toda evidência, não ocorre na espécie, sob pena de transmudar-se a exceção, tornando-a regra. Acresce ao conflito mencionado na inicial – e a esta altura asseverado pelo Ministério Público – que a contratação está prevista relativamente ao pessoal técnico “imprescindível ao exercício de suas competências institucionais”, das quais se destaca a fiscalização exercida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e, aí, a contratação temporária vai de encontro ao disposto no artigo 247 da Carta da República:

Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.

É o caso. Aqueles que devem implementar atividade própria à competência institucional do Conselho Administrativo de Defesa Econômica hão de ser titulares de cargos públicos, não se coadunando com a atividade a ser desenvolvida a contratação precária e efêmera.

Por tais razões, defiro a liminar para suspender, até decisão final desta ação direta de inconstitucionalidade, a eficácia da Lei nº 10.843, de 27 de fevereiro de 2004.

3.Ao Plenário para o crivo cabível.

4.Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2004, às 13 horas.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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