Violência doméstica

Senado vota projeto que prevê punição para violência doméstica

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27 de janeiro de 2004, 16h18

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal deve votar, nesta quarta-feira (28/1), Projeto de Lei (PLC 102/03) que prevê a inserção da violência doméstica na legislação brasileira. A proposta é de autoria da deputada federal Iara Bernardi (PT-SP). A pena prevista no projeto é de detenção de seis meses a um ano.

De acordo com a deputada, “em nosso país milhares de mulheres ainda vivem o drama da violência física, emocional e sexual”. Ela criticou músicas que discriminam as mulheres e reafirmam hábitos culturais no Brasil. “Há músicas que falam que ‘tapinha não dói’ ou que mulher gosta de levar ‘tapa na cara’. E ninguém protesta, aliás, pelo contrário, as músicas são sucesso nas rádios e nos programas de TV”, indigna-se.

A relatora da proposta é a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT). De acordo com a Bancada Feminina do Congresso, coordenada, entre outras parlamentares, pela deputada e pela senadora, esse projeto de lei tem fortes chances de ser aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva até o dia 8 de março — data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.

Leia o projeto e, em seguida, a justificativa.

Projeto de Lei nº 03, de 2003

(Da Sra. Iara Bernardi)

Altera o art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica” e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Esta lei acrescenta parágrafo ao art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, tipificando o crime de violência doméstica:

“Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.

Pena – detenção, de três meses a um ano.

Violência doméstica

§ 9º. Se a ofensa ou violência é cometida cônjuge ou pessoa que, ligada pelo parentesco natural, civil ou por afinidade, esteja sob sua guarda ou vigilância ou com quem conviva ou tenha convivido

Pena: detenção, de seis meses a um ano. (NR)”

Sala das Sessões, em 27 de novembro de 2003.

Justificativa

Atualmente em nosso país milhares de mulheres ainda vivem o drama da violência física, emocional e sexual como uma questão que diz respeito à privacidade de cada uma, como se ela estivesse envolvida num manto invisível de hipocrisia: sentido por todos, mas rodeado pelo silêncio cúmplice da sociedade. Esta violência só vai acabar quando for rompida a barreira do medo, da vergonha e da crença pela impunidade. A violência doméstica deve ser tratada como uma questão pública, um problema social, que deve ser objeto de ação governamental e punida com o rigor da nossa legislação Penal.

No Brasil a situação é bastante grave. Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia, com sede na Holanda, e que pesquisou a violência doméstica em 138 mil mulheres em 54 países, foi constatado que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica. A cada 4 minutos, uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantêm relações de afeto.

O jornal Folha de S. Paulo (6/5/01) trouxe importante reportagem, informando que o Brasil fora condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, por causa da violência doméstica.

A condenação sofrida pelo Brasil tem caráter de sanção moral, de constrangimento em nível internacional, conforme aponta a Dra. Silvia Pimentel, do Comitê Latino-Americano pela Defesa do Direito das Mulheres – CLADEM. Na decisão, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomenda ao governo brasileiro que pague à vítima uma indenização e que promova de forma rápida e eficiente o julgamento criminal contra o agressor.

De fato, a condenação brasileira pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos atingiu uma área em que realmente nossas autoridades e nossa legislação são omissas e ineficientes. E não é por acaso, evidentemente, pois refletem hábitos culturais, permeados por um arraigado e profundo machismo nas mínimas coisas, que ainda enxergam a violência doméstica contra a mulher como intrínseca aos relacionamentos, à intimidade do casal e, especialmente, como afirmação masculina.

Tanto é assim que há músicas que falam que “tapinha não dói” ou que mulher gosta de levar “tapa na cara”. E ninguém protesta, aliás, pelo contrário, as músicas são sucesso nas rádios e nos programas de TV.

Em estudo sobre a violência doméstica feito por duas pesquisadoras da PUC de São Paulo, em 1994, tendo como base boletins de ocorrência, verificou-se que 81,5% das queixas foram de lesão corporal intencional, especialmente pancada. Desses inquéritos, 70% foram arquivados. Os que foram adiante, em 10% os agressores ainda foram absolvidos.

Não se pode tratar da mesma maneira um delito praticado por um estranho e o mesmo delito praticado por alguém de estreita convivência, como é o caso de maridos e companheiros em detrimento de suas esposas, companheiras.

O delito praticado por estranho em poucos casos voltará a acontecer, muitas vezes, agressor e vítima sequer voltam a se encontrar, já o delito praticado por pessoa da convivência tende a acontecer novamente, bem como, pode acabar em delitos de maior gravidade, como é o caso do homicídio de mulheres inúmeras vezes espancadas anteriormente – esta especificidade da violência doméstica exclui os delitos decorrentes desta forma de violência da classificação “menor potencial ofensivo”. Embora tecnicamente, levando-se em conta a pena – no caso das lesões corporais leves e da ameaça – a classificação seja menor potencial ofensivo as circunstâncias que cercam tais delitos majoram este potencial.

Partindo-se desta primeira consideração, a segunda que devemos fazer é a de que configura um grande ônus para a vítima de violência doméstica a decisão de representar ou não o agressor, deve-se levar em conta que este agressor, na maior parte dos casos, é também o pai de seus filhos, a pessoa que dorme ao seu lado todas as noites. Em diversos países que adotaram leis semelhantes, como o caso da Itália, supriu-se esta necessidade de representação em casos onde houvesse relação de poder entre a vítima e agressor, dentre tais relações, os casos de marido e mulher.

Neste sentido, a nossa proposição é para que se altere o Código Penal brasileiro para qualificar a lesão corporal leve prevista no Código Penal, criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica”; e alterar o art. 324, do Código de Processo Penal, tornando inafiançável a “lesão corporal leve” e a “lesão corporal grave”, quando o crime for cometido por “agressor doméstico”.

Ao apresentar tal proposição, esperamos contar com o apoio dos nobres pares, para atender ao desejo e reclamo de milhares de mulheres agredidas e oprimidas neste país e para colocar o Brasil entre os países cuja legislação protegem as mulheres dessa condenável, absurda e covarde forma de violência, como recomendou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a Convenção de Belém do Pará – ratificada pelo Brasil em novembro de 1995.

Sala das Sessões, em 18 de fevereiro de 2003.

Deputada IARA BERNARDI

PT-SP

Com informações da assessoria de imprensa da deputada federal

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