Cobrança de volta

Moradores de Viamão devem voltar a pagar pedágio, entende juiz.

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26 de janeiro de 2004, 17h04

A empresa Metrovias S.A. Concessionária de Rodovias deve voltar a cobrar pedágio no município de Viamão, na praça do km 19 da RS 040, em Águas Claras. A liminar foi concedida, em agravo de instrumento interposto pela concessionária, pelo juiz convocado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Túlio de Oliveira Martins, na sexta-feira (23/1).

A cobrança foi suspensa, liminarmente em 12/1, pela juíza de Direito Fabiane dos Santos Kaspary, da 1ª Vara Cível de Viamão, em ação civil pública movida pelo Ministério Público contra a empresa.

A Metrovias S. A. argumenta que o despacho da juíza desequilibra a relação contratual estabelecida com o Poder Público, por carecer de previsão no trato original.

Para Túlio de Oliveira, “é necessária uma análise preliminar do princípio de que o pedágio é preço público e não tributo, tanto que se remunera serviço prestado pelo Poder Público, diferentemente da taxa advém do exercício do poder de polícia da prestação de serviços públicos específicos e divisíveis, utilizados ou não, concluindo-se, pois, que a taxa pode ser cobrada sem efetiva fruição dos serviços, o que na Carta Magna é definido como de utilização potencial”.

A cobrança poderá acontecer apenas após a intimação das partes, em nota de expediente, que deve ocorrer na próxima semana. (TJ-RS)

Conheça a liminar:

Agravo de Instrumento

Plantão – Direito Público

Nº 70008042921

Comarca de Viamão

Metrovias S A Concessionária de Rodovias

Agravante

Ministério Público

Agravado

Despacho

Vistos.

Diz a matéria com agravo de instrumento interposto por Metrovias S/A Concessionárias de Rodovias contra decisão interlocutória exarada em ação civil pública contra si manejada pelo Ministério Público.

Argumentou que o despacho guerreado – o qual isentou de pagamento de pedágio na praça do km 19 da RS 040 os moradores de Viamão em verdade desequilibra a relação contratual estabelecida com o poder público, sobre carecer de previsão no trato original.

Historiou os fatos, reportou-se a doutrina e jurisprudência e pugnou pela concessão de tutela de urgência, a fim de revogar a liminar.

Tal a suma do pedido.

Decido.

O contrato administrativo firmado pelas partes (Poder Público e concessionária Metrovias S/A) autoriza a cobrança de pedágio na RS 040, oferece as alternativas de percurso, cria a unidade de pedágio a servir de referencial para os preços, determina alguns procedimentos administrativos e estabelece as categorias de veículos e hipóteses de isenção, dando destinação à receita .

É necessária uma análise preliminar do princípio de que o pedágio – ou rodágio- é preço público e não tributo , tanto que remunera-se serviço prestado pelo Poder Público, diferentemente da taxa que advém do exercício do Poder de Polícia ou da prestação de serviços públicos específicos e divisíveis, utilizados ou não, concluindo-se, pois, que a taxa pode ser cobrada sem efetiva fruição do serviço, o que na Carta Magna é definido como de “utilização potencial”. Assim a lição de Celso Ribeiro Bastos de que preço público identifica-se com tarifa implicando, pois, prestação efetiva do serviço e ato de vontade do particular que o contratou.

Existe entendimento doutrinário e jurisprudencial amparado na Constituição de 1988, mais exatamente no seu art. 150, V, que o pedágio somente poderia ser instituído como tributo. Ora, o “caput” do artigo veda às pessoas jurídicas de direito interno estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Tenho que a confusão deflui basicamente da má redação da Carta Magna, que visivelmente buscou normatizar o livre trânsito de pessoas e bens impedindo que este fosse coarctado pela via tributária – e excepcionando o pedágio.

Ocorre com tal redação que dentro do mesmo inciso foram inseridos conceitos diversos, ou seja, tributo e preço, eis que não é crível que se o legislador intentasse igualar ambos os institutos jurídicos ou incluir este naquele não o tivesse feito expressamente.

Inobstante a consistência jurídica de argumentos contrários, inclusive com o respeitável aresto da RJTJRGS 161/335, tal é posição insulada como se depreende de diversos escólios,em que se destaca a ADIN 800-5-RS , que declarou a constitucionalidade (ao desprover a Adin) das normas instituidoras de pedágios , ou seja , não restou infirmado o Decreto 34.417/92, autorizador de cobrança de pedágios em rodovias estaduais no Rio Grande do Sul, entendimento este que foi também professado pelo Pleno de nosso Tribunal.

É de observar-se que a verdadeira natureza do pedágio é tarifária, eis que remunera serviço utilizado ou vantagem adquirida em bens da vida operados ou prestados pela Administração Pública, seus delegados ou particulares; em outras palavras, é preço.


Interessante observar que no magistério do celebrado Hely Lopes Meirelles é feita preciosa distinção entre os institutos no sentido de conceituar o preço público como aquele que remunera o serviço pró-cidadão, por comodidade ou satisfação de necessidade familiar ou pessoais, enquanto a taxa diz com custeio de serviços pró-comunidade atendendo exigências desta, mesmo que divisíveis e carentes de fato gerador.

O utente tem alternativas, embora de menor qualidade, em vias mantidas, estas sim, por tributos, sendo de observar-se que o estabelecimento do pedágio implica melhoria dos serviços e dos meios, sem exclusão da possibilidade de escolha. Aliás, o Decreto 35.112/94 elege e vincula o destino dos recursos em seu art. 6º , direcionando-os para melhorias e serviços pró-usuários e ainda manutenção e ampliação do sistema.

Assim nos ensina a melhor doutrina e jurisprudência.

“Este serviço, de utilização pública tanto pode ser prestado pelo Estado como pelo particular. Não é fato de ser prestado pelo Poder Público ou pelos particulares que vai determinar a sua natureza jurídica como tributo ou preço público.

Além do fato de tratar-se de um serviço público impropriamente dito (que pode ser delegado, portanto, deve-se examinar se a sua exigência é compulsória ou não. Sendo voluntária, estamos diante de um preço público.

No caso do pedágio, para que tais características estejam presentes é fundamental que exista voluntariedade, ou seja, possa o usuário optar entre a utilização da rodovia na qual se cobre o pedágio e uma outra via alternativa.

É claro, como já disse Helly Lopes Meirelles (1971:19), é possível a cobrança mesmo que a via alternativa ofereça condições menos vantajosas.

Isto é evidente. Na verdade, a cobrança do pedágio em determinadas rodovias visa, exatamente, a melhoria das suas condições e dos serviços nela prestados (como instalação de telefones, equipes de socorro, etc).

Quanto à via alternativa, sua manutenção deverá ocorrer dentro das possibilidades orçamentárias. Pensando-se este tipo de serviço público como não essencial, à evidência, dependerá das prioridades estabelecidas pelo Poder Público, com a participação direta do Poder Legislativo.

Isto significa dizer que o Estado deve priorizar as suas atividades essenciais, quais sejam, preservação da saúde pública, segurança, etc.

A considerar-se a relevância dos serviços de saúde em contraposição aos serviços de manutenção de estradas, claramente pesa em favor do primeiro a relevância. Dito de outra forma, através dos tributos previstos orçamentariamente, as estradas alternativas serão conservadas quando houver recursos para tanto. Mas existirá a alternativa. Aquele usuário que entender de não pagar o preço-pedágio, resta a alternativa menos confortável, mas resta.

Seria decisão política absurda privilegiar tais usuários em detrimento de outros serviços. Mesmo porque, pagando o preço-pedágio, o usuário perceberá, imediatamente, o benefício da sua contribuição.

Aliomar Baleeiro (1996-334) fez comentário que, embora referido à taxa-pedágio (compulsória, portanto), aplica-se perfeitamente ao comentário acima. Disse ele que.

Às experiências feitas a propósito da Pennsylvania Turnpike e outras provaram que os proprietários de veículos, pagando a taxa pelo uso de estradas aperfeiçoadas, ainda lucram mais em termos de dinheiro do que se utilizassem estradas comuns e gratuitas. O pedágio é processo idôneo para fazê-lo participar do custo de construção e de conservação da rodovia de que se utilizam, cruzando-a quando vêm do Estado de origem para um terceiro Estado.

É evidente, portanto, a vantagem do usuário esta que pode ser estabelecida compulsoriamente, ou, em país de parcos recursos públicos como o Brasil, pode ser conferida à opção, entre utilizar via rodoviária menos cuidada e outra, onde os próprios recursos do pedágio contribuem para a conservação.

Tais motivações políticas estão perfeitamente autorizadas na legislação brasileira. Como se disse ao longo do trabalho, o pedágio tanto pode ser criado por autorização legislativa como por criação do executivo, exclusivamente. Quando este último optar pela instituição do pedágio sem a ingerência do Poder Legislativo, assumindo o ônus político de tal decisão, deveria fazê-lo dentro da legalidade, ou seja, oportunizando a via alternativa.

Arnoldo Wald (1969-405) é incisivo quando à necessidade de existência da via alternativa para caracterização como preço público. Trata-se, segundo ele, de uma condição tradicional, embora não exigida expressamente pela legislação.

Hely Lopes Meirelles (1971:35-36) afirma que, sendo o pedágio um preço, “sua cobrança seria permitida independentemente da ressalva oposta pelo desavisado constituinte. Nenhum preço exige permissão constitucional para ser cobrado. Todos eles decorrem do poder genérico concedido à União, aos Estados e aos Municípios – e a seus delegados; concessionários e permissionários – de haver a remuneração de seus bens e serviços”.


Por outro lado, é preciso enfatizar que discutir, tomando partido, se o pedágio é preço ou tributo, é uma falsa questão. Como se viu ao longo do trabalho, tanto pode ser uma coisa como outra. Depende de como for instituído. E, seja como tributo, seja como preço, não necessita, conforme Arnoldo Wald (idem, ibidem, pág. 403), “de suporte constitucional expresso para ser cobrado”.

Também M. Seabra Fagundes (1971) avaliza este posicionamento, quando, ‘ao examinar o tema, adverte que o pedágio não pode ser instituído como imposto, senão como taxa ou preço, dependendo das circunstâncias em que seja adotado.

De todo o exposto, é possível afirmar que o Poder Executivo pode criar a preço-pedágio para construção ou manutenção das rodovias públicas, seja o serviço explorado diretamente ou através de particular, pois se trata de um serviço público não essencial, de utilização pública (que pode, inclusive, ser delegado aos particulares), desde que se ofereça ao particular razoável opção.

Nada impede, sem dúvida, a sua instituição como taxa, porém, isto não veda, também, a sua existência como preço-público. Neste caso, poderá ser instituído mediante decreto do Poder Executivo, respeitando-se a legislação de Direito Financeiro que os rege, e não o capítulo constitucional referente aos tributos.

Assim pensar não afronta aos princípios democráticos, pois, no processo democrático as decisões não são exclusivas do Poder Legislativo. Não dependem totalmente deste. A virtude está no equilíbrio.

Quando o Poder Executivo agir ao âmbito de sua competência, instituindo o pedágio, ainda resta ao Poder Legislativo a competência para fiscalizar os atos daquele. Cabendo, em última análise, ao Poder Judiciário responder se um ou outro dos Poderes em questão agiram dentro de sua estrita competência.”

Idem:

Despacho: – 1. Trata-se de suspensão de segurança coletiva concedida para obstar a cobrança de pedágio instituído pelo Decreto nº 34.417-92, cuja suspensão cautelar fora indeferida, pelo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 800. Eis a ementa do acórdão então prolatado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO Nº 34.417, DE 24.07.92, DO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUI E AUTORIZA A COBRANÇA DE PEDÁGIO EM RODOVIA ESTADUAL. ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ANTERIORIDADE.

Tudo está a indicar, entretanto, que se configura, no caso, mero preço público, não sujeito aos princípios invocados, carecendo de plausibilidade, por isso, a tese da inconstitucionalidade.

De outra parte, não há falar-se em periculum in mora, já que, se risco de dano existe no pagar o pedágio, o mesmo acontece, na frustração de seu recebimento, com a diferença apenas, de que, na primeira hipótese, não é ele de todo irreparável, como ocorre na segunda.

Cautelar indeferida.” (fls.105, DJ de 18.12.92).

2. A justificar a suspensão do mandado, estão os mesmos pressupostos admitidos pelo julgado acima indicado, aos quais se devem acrescentar os reconhecidos, pelo eminente Subprocurador-Geral da República ANTONIO FERNANDO BARROS SILVA DE SOUZA, no douto parecer de fls. 236/7:

“7. Pressuposto inafastável para que se defira o pedido de suspensão de segurança é o da aptidão do provimento jurisdicional para causar com a sua efetivação, grave lesão e um ou mais dos valores arrolados na norma legal mencionada. Vale dizer, a lesão grave que se quiser evitar deve decorrer, direta e imediatamente, a execução da medida judicial questionada. Tal pressuposto, ao meu ver, encontra-se presente na hipótese em exame.

8. Efeito direto e imediato do julgado que se quer suspender é o de impedir que a Administração receba dos usuários da rodovia RS/135 o valor do pedágio instituído pelo ato normativo estadual antes mencionado, sem que possa, no futuro, caso da decisão questionar venha a ser reformada, eliminar o prejuízo suportado pelo cumprimento imediato da decisão. A administração pública está realizando obras de melhoramento da rodovia apoiada na receita advinda da cobrança do pedágio, de modo que a suspensão dessa exigência implica lesão à programação financeira e à realização das obras projetadas.

9. Se, por um lado, o cumprimento imediato do julgado questionado causa, necessariamente, o dano anunciado e, igualmente, é certa a irreparabilidade desse dano, por outro lado, não há dúvida de que o prejuízo causado aos usuários da rodovia com a manutenção da cobrança do pedágio, se for reconhecida a sua ilegitimidade, é plenamente reparável pelo Estado, como já foi acentuado por essa Corte no julgamento da liminar na ADIn nº 800, antes mencionada.

“… não há falar-se em periculum in mora, já que, se risco de dano existe no pagar o pedágio, o mesmo acontece na frustração de seu recebimento, com a diferença, apenas, de que, na primeira hipótese, não é ele de todo irreparável, como ocorre na segunda”. (fls. 105).


10. A suspensão dos efeitos do provimento jurisdicional questionado, além de encontrar justificativa no risco de lesão acima mencionado, privilegia a manifestação dessa Corte na ADIn nº 800, que concluiu no sentido da manutenção dos efeitos do ato normativo que instituiu o pedágio questionado no writ antes mencionado.” (SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 583-9 RIO GRANDE DO SUL, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, 12.08.93).

Observo ainda que a Colenda Terceira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado igualmente crismou tal entendimento , sendo de destacar-se o seguinte trecho do voto condutor do eminente Desembargador LUIS ARI AZAMBUJA RAMOS:

“Com efeito, a questão sobre a natureza jurídica do pedágio ou rodágio, por onde passa a solução da lide, sabidamente não é pacífica, porquanto a doutrina e a jurisprudência se dividem. Assim, a controvérsia não é de fácil solução.

Em um primeiro momento, até pela história desse tipo de cobrança, segundo os ensinamentos do Professor Aliomar Baleeiro remonta desde os romanos com grande emprego na Idade Média, constituindo-se em um dos principais direitos regalianos, muito embora vindo a sofrer grande revés quando do surgimento das ferrovias que suplantaram em rapidez, capacidade de carga e barateza, o cavalo e o carro de tração animal, com resultados ruinosos para os que , esperançados nas rendas das taxas (grifei), investiram dinheiro nos caminhos de pedágios (toll roads) – (in Direito Tributário Brasileiro, 8ª ed., p. 301/302). E mais, ainda tecendo comentários sobre o pedágio ou rodágio, mais precisamente sobre as experiências no Estado da Pennsylvania, o mesmo autor deixa antever a natureza jurídica deste tipo de cobrança como sendo a taxa, prelecionando: “as experiências feitas a propósito da Pennsylvania Turnpike e outras toll roads provaram que os proprietários de veículos, pagando a taxa pelo uso de estradas aperfeiçoadas, ainda lucram mais em termos de dinheiro do que se utilizassem estradas comuns e gratuitas. O pedágio é processo idôneo para fazê-los participar do custo de construção e de conservação da rodovia de que se utilizam, cruzando-o quando vêm do Estado de origem para um terceiro Estado. A velha taxa, hoje concebida em função nova e bem diversa do espírito de rapina da fase regaliana, é tida como eficaz instrumento para a política rodoviária e como arma complementar dos impostos sobre gasolina e licença de veículos. Literatura recente ventila os vários problemas ligados ao rodágio” (obra, p. 302/303). Como vê-se, não descurando dos problemas que já outrora o rodágio suscitara, inclinava-se a doutrina a se lhe atribuir o caráter de tributo. Assim, naquela época, como agora, os problemas ligados à questão dos pedágios eram vertentes e indefinidos.

Mormente, ainda persiste a dificuldade de se saber a natureza jurídica do pedágio, como reconhece a Drª. Procuradora de Justiça, no seu ilustrado parecer, asseverando: “A matéria, como se pode ver, é polêmica, havendo posições respeitáveis em ambos os sentidos; há quem defenda a natureza jurídica do pedágio como sendo tributo (taxa); como tal, só poderia ser instituído por lei (nesse diapasão, as duas decisões da 1ª Câmara Cível deste Tribunal citadas pelos apelantes contendo ambos, é verdade, um voto vencido); por outro lado, há quem o tenha como tarifa (preço), nessa posição estaria Hely Lopes Meirelles, podendo, pois, ser criado por decreto. Da leitura alentada dos fundamentos dessas posições, trazidas aos autos pelas partes, vê-se até que, dependendo do caso, do atendimento a determinados requisitos, o pedágio poderia constituir taxa ou preço”. A par disso, a Constituição Federal não chega a contribuir para uma perfeita elucidação, ao dispor que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, á vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio, pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público” (art. 150, V). Ora, a simples leitura do referido dispositivo pode levar o intérprete, em princípio, à conclusão de que o pedágio somente pode ser instituído como tributo.

Contudo, não me parece ser este o melhor entendimento. Na verdade, tenho que deve ser acolhida a orientação traduzida nas contra-razões, de que é “equivocado, data vênia, pretender, a partir da leitura do dispositivo acima transcrito, que o pedágio somente pode ser instituído como tributo. O comando do artigo 150, neste caso, diz única e exclusivamente que o único TRIBUTO que pode ser cobrado em razão do tráfego de pessoas ou bens é o Pedágio. A norma constitucional não proíbe a cobrança de PREÇO, e especificamente não proíbe a instituição DO PEDÁGIO COMO PREÇO. Ao contrário, pode-se, da norma inscrita no artigo 175, caput e inciso III, inferir que o pedágio pode ser instituído como preço. Como já examinado exaustivamente, um tributo somente será tributo se contiver as características de um tributo. Por tal razão é que a doutrina e a própria lei consideram irrelevante o NOME JURÍDICO Uma determinada cobrança por parte do Estado não será tributo (independente do nome atribuído) se não atender às características do tributo. No presente caso, os pedágios instituídos no Estado do Rio Grande do Sul, o foram em rodovias que permitem alternativas ao usuário, ao que faz desaparecer a característica fundamental dos tributos que é a compulsoriedade”. Efetivamente é assim, segundo penso. Como já visto, independentemente do nome jurídico, o que distingue o tributo (taxa) dos preços públicos (tarifa) é o fato gerador que autoriza a cobrança. Sacha Calmon Navarro Coelho, admitindo que nos tempos modernos o pedágio tango pode ser preço como taxa, dependendo do regime jurídico adotado na sua instituição e cobrança, aborda a questão com extrema eficiência, dizendo: “Seja lá como for, o uso em si das estradas, não caracteriza o fato gerador das taxas, tal como prescrito pela Constituição. Está autoriza a instituição de taxa pela prestação de serviços públicos, específicos e divisíveis prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, certo ainda que nesta última hipótese a utilização tem que ser declarada compulsória para que se aproposite a cobrança pela mera disponibilidade do serviço de utilidade. Seria o caso da água, da energia elétrica, dos serviços de telefonia, se tais serviços à disposição dos usuários fossem, no Brasil, explorados sob regime tributário. Na verdade não são, adotam-se preços (ex contractu)” (in Comentários à Constituição de 1988, Sistema Tributário, 6ª ed., p. 69). No caso vertente, não obstante a alegação dos recorrentes de que, de fato, estão compelidos ao pagamento, vez que não desejando submeterem-se terão que fazer muitos quilômetros a mais diariamente, acarretando-lhes problemas inconciliáveis, na verdade existem outros caminhos que possibilitam o não pagamento do pedágio. O próprio decreto que institui o pedágio dá outra alternativa de percurso (Dec. 35.112/94, art. 1º, parag. único). Ademais, os autores não se desincumbiram, a teor do art. 330, I, do CPC, de demonstrar o contrário, inclusive não comprovando o alegado aumento de distância que são compelidos a fazer, no caso de desviarem do posto de pedágio.


Portanto, sem a característica da compulsoriedade, afastada fica a natureza tributária que lhe é imputada. Como refere a sentença, citando abalizada doutrina, este tipo de serviço pode ser prestado tanto pelo Estado como por particular, não sendo isso que determina sua conceituação como tributo ou preço público. Importante é sua característica compulsória ou não, estando-se frente a preço público quando for caso de adesão voluntária. E oferecida via alternativa ao usuário, embora menos vantajosa, identifica-se a voluntariedade (ut sentença, fl. 77/78).

De outra parte, apesar de certa vacilação, a jurisprudência, ao menos do Pretório Excelso, mesmo que não exista notícia do julgamento de mérito, tem-se inclinado pela tese do Estado, como se constata da decisão exarada na ADIn nº 800-5-RS, Relator o Min. Ilmar Galvão, por ocasião do julgamento da cautelar, em acórdão assim ementado: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO N. 34.417, DE 24.7.92, DO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUI E AUTORIZA A COBRANÇA DE PEDÁGIO EM RODOVIA ESTADUAL. ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ANTERIORIDADE.

“Tudo está a indicar, entretanto, que se configura, no caso, mero preço público, não sujeito aos princípios invocados, carecendo de plausibilidade, por isso, a tese da inconstitucionalidade”.

“De outra parte, não há falar-se em periculum in mora, já que, se risco de dano existe no pagar o pedágio, o mesmo acontece, na frustração de seu recebimento, com a diferença, apenas, de que, na primeira hipótese, não é ele de todo irreparável, como ocorre na Segunda. Cautelar indeferida”.

E do corpo do acórdão recolhe-se a seguinte passagem:

“Com efeito, se o pedágio há de ser exigido tão-somente de quem usa a estrada, pode ser visto até como imposto residual, incidente sobre o fato de trafegar-se pelas estradas públicas, mas não como taxa, já que inexigível de quem, conquanto proprietário ou usuário de veículo automotor, não utilize a rodovia. Assim sendo, parece fora de dúvida que se está diante de preço público, ou tarifa, seja de retribuições facultativas da aquisição de bens ou da utilização dos serviços transferidos ou prestados pela Administração Pública ou por seus delegados ou mesmo por particulares, a quem os adquira ou os utiliza voluntariamente” (ut acórdão, fl. 45).

Destarte, a meu sentir, o Decreto Estadual nº 35.112/94, que criou os pedágios impugnados, não se reveste de inconstitucional dada a sua característica não tributária, ao efeito de permitir a isenção pretendida pelos autores, a justificar a suscitação do competente incidente ao egrégio Órgão Especial do Tribunal Pleno (CPC, art. 480: R.I. TJRS, art. 208).” (Apelação Cível nº 598189744 – 3ª Câmara Cível, em 17.06.98).

Idem precedente desta Câmara, relator o eminente Desembargador ANTÔNIO JANYR DALL’AGNOLL JUNIOR, cujo voto, na apelação cível 70004490561, em decisão unânime da qual participou o signatário, foi lavrado nos seguintes termos:

“Eminentes Colegas. Não vejo como reconhecer-se à Impetrante direito – quanto o mais líquido e certo – a ver modificada liberalidade concedida, depois de deliberação com autoridades municipais, ao efeito de “bonificação dos usuários residentes em Viamão”, pela Concessionária de serviço público, na exata linha da r. sentença.

Ocorre que, conforme se observa do contrato – que é, supostamente, onde se haverá de buscar a solução para eventual impasse, quando não demonstrada restrição legal – o livre trânsito ajustado alcança apenas os veículos ali listados, afora a possibilidade de ampliação, em termos formais, entre a Concessionária e o DAER-RS (fl. 73, item 6.2.3).

É que, não obstante o dissenso que lavre, aqui e acolá, a concessão é contrato, via do qual transfere a Administração Pública, segundo o permissivo constitucional (art. 175, CF), a terceiro, “sob condições, a execução e exploração de certo serviço, que lhe é privativo”, mediante remuneração adequada, havida dos usuários, por aquela previamente aprovada (DIOGENES GASPARINI, Direito Administrativo, 7ª ed., p. 292).

Esta remuneração constitui-se em tarifa, sendo “paga pelo usuário diretamente à concessionária, pela prestação efetiva do serviço” – segundo lição de ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL (Concessão de Serviço Público, 2ª ed., p. 22).

Ora, ressalvados os casos de isenção contratualmente ajustados, todos os demais usuários legitimam-se passivamente à cobrança, na medida em que se utilizem o serviço.

Pode que se não concorde com os limites da isenção; como pode mesmo que se não conforme alguém com o critério da liberalidade, como aqui ocorre, mas nada disso releva, quando não ferido o concerto fundamental – que é o que exibe o instrumento do contrato administrativo de concessão.

Por isso, vai meu voto, pelo desprovimento desta apelação.”

Assim, pelas razões acima expendidas, CONCEDO O EFEITO SUSPENSIVO ATIVO a fim de suspender a decisão da Dra. Juíza de Direito da Primeira Vara Cível de Viamão, facultando à agravante a cobrança do pedágio na forma contratualmente estabelecida.

Ao agravado, no prazo legal.

Após, ao MP de Segundo Grau.

Intimem-se.

Porto Alegre, 23 de janeiro de 2004.

Túlio de Oliveira Martins

Relator.

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