Bacharéis do crime

Revista Época dá os nomes dos advogados envolvidos com tráfico

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25 de janeiro de 2004, 18h54

O crime organizado já tem diploma e anel de doutor. Com livre acesso às prisões, advogados viram braço executivo das maiores quadrilhas do país. Assim começa a reportagem de capa da revista Época desta semana. O texto fala dos advogados que se encantaram com o dinheiro farto e fácil de criminosos e resolveram usar a carteira da OAB para misturar a advocacia com os negócios criminosos de seus clientes.

O trabalho das jornalistas Edna Dantas, Solange Azevedo, Valéria França e Eliane Santos, com o chefe da sucursal em Brasília Gustavo Krieger, fixa-se nos casos mais gritantes e seguros para respaldar a tese da reportagem: os dez advogados de traficantes e do crime organizado flagrados em delito e que já repondem por seus erros.

Diz a reportagem que “após oito dias de investigações, agentes da Polícia Federal de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, prenderam em flagrante na noite da sexta-feira 16, um dos advogados do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Paulo Roberto Pedrini Cuzzuol, de 55 anos, foi preso em companhia da mulher, Cecília Hering, com US$ 320 mil. Parte do dinheiro estava nos bolsos do paletó do advogado e o restante na cinta usada pela mulher. Segundo policiais que participaram da operação, Cuzzuol disse que o valor seria entregue na cidade paraguaia de Capitán Bado, como pagamento pela compra de drogas, armas e munição. Em novembro, outro advogado de Beira-Mar, Denis Gonçalves, havia sido condenado a sete anos de prisão num processo que investigou o envolvimento de 36 pessoas com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Tinha uma procuração para negociar a amortização de uma dívida de outro traficante com Beira-Mar.

O esquema do traficante carioca é o caso mais escandaloso numa seqüência de prisões de advogados por envolvimento com o crime organizado. As prisões de Cuzzuol e Gonçalves, defensores do mais conhecido traficante brasileiro, mostram que alguns doutores simplesmente trocaram o trabalho de defesa nos júris por empregos bem pagos como braços operacionais das principais facções criminosas do país. Tanto o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, do Rio de Janeiro, quanto o PCC, de São Paulo, têm em suas frentes de trabalho uma banca de bacharéis que se prestam às mais diversas funções. Eles viraram capangas do crime.

Cuzzuol conheceu Beira-Mar há pouco mais de um ano durante uma das maiores rebeliões ocorridas na penitenciária de segurança máxima Bangu 1, no Rio. Na ocasião, o advogado foi convidado a participar de uma comissão de negociação entre governo e presos. Saiu do presídio com uma procuração para atuar como defensor do traficante. Até hoje só exerceu de fato sua função em um processo de homicídio a que Beira-Mar responde em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Mesmo assim, passou a visitar o cliente no presídio de Presidente Bernardes, no interior de São Paulo, pelo menos uma vez por semana. No início do mês, foi delatado por uma mulher, presa quando levava US$ 470 mil para comprar drogas e armas para Beira-Mar no Paraguai. Segundo ela, o dinheiro tinha sido entregue por Cuzzuol.

O advogado já havia sido preso em 2002, quando defendia o traficante Elias Maluco, que matou o jornalista Tim Lopes. Segundo a polícia, Cuzzuol teria repassado um aparelho de rádio a Elias, dificultando a localização do bandido no período em que esteve foragido. Liberado por um habeas corpus ele vinha respondendo o processo em liberdade.

A reportagem não se estende pelos ramos menos óbvios nem examina o fenômeno na órbita internacional. Contudo, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, tem insistido junto a seus colegas do G-8 — os representantes dos oito países mais ricos do mundo — que chegou a hora de a iniciativa privada juntar-se aos governos para enfrentar o crime organizado.

Em uma clara admissão de que o poder público não tem como enfrentar as quadrilhas internacionais que se infiltram nos poderes político e econômico, os supostos homens mais poderosos do planeta querem dividir com a iniciativa privada a fiscalização das operações financeiras que permitem a lavagem do dinheiro obtido com negócios duvidosos.

Pela lei brasileira, já são forçados a relatar às autoridades nacionais transações esquisitas ou fora do normal feitas por intermédio de bancos, seguradoras, corretoras, joalherias e outros. Atende pelo nome em inglês de compliance esse tipo de delação. Sua não observância oferece o risco da responsabilização conjunta pelo eventual crime cometido.

No caso dos advogados, o que se pretende é a relativização do compromisso do sigilo com o cliente. O advogado seria forçado a revelar às autoridades eventuais fraudes, quando essas não estiverem protegidas pelo relacionamento profissional. Assim, se o advogado cuida de causa trabalhista, mas chegar ao seu conhecimento um golpe societário, ele seria obrigado a denunciar o cliente.

Pode não ser já. Pode não ser essa obrigação. Mas cedo ou tarde o advogado será obrigado a assumir alguma obrigação estatal para proteger sua atividade.

Veja quem são os advogados arrolados nas reportagem da revista Época:

Paulo Roberto Cuzzuol

Foi preso com US$ 320 mil, que seriam usados para comprar drogas, armas e munição no Paraguai.

Mário Sérgio Mungioli

Foi preso em setembro. Levava bilhetes com ordens de líder do PCC para que comparsas explodissem uma torre de energia, matasse detentos e sequestrasse uma autoridade do Estado, segundio a polícia. Mungioli, formado pela Escola de Sociologia e Política, bachare, em direito pelo Mackenzie e mestre em literatura hispano-americana pela USP foi militante de esquerda. Atuava na Liberdade e Luta (Libelu) mesma corrente política de onde são oriundos nomes conhecidos do PT como o ministro da Fazenda, Antonio Palocci e o dono das verbas publicitárias do governo, Luís Gushiken.

Anselmo Neves Maia

É acusado de transmitir ordem para execução de um agente penitenciário e de participar do ataque a uma delegacia na cidade de Sumaré.

Cecília Mara Machado

Declarou publicamente que recebe dinheiro do tráfico. Está sofrendo um processo disciplinar da OAB

Dênis Gonçalves

Foi condenado a sete anos de prisão por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro

Adalberto Lustosa e Carla Couto

São investigados pela Polícia Federal. Seriam responsáveis pela administração de bens do traficante FernandinhoBeira-Mar.

Hélio Rodrigues Macedo

Preso por associação ao tráfico, responde em liberdade. Sofre processo disciplinar na OAB

Leyla Alambert

. Foi presa há dois anos. Responde em liberdade por formação de quadrilha. Recebeu suspensão de 90 dias da OAB.

Mônica Fiori Hernandes

Foi presa por formação de quadrilha, a partir de escutas telefônicas. Responde ao processo em liberdade.

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