Meio ambiente

Empresa licenciada ambientalmente deve ser valorizada

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  • Paulo de Bessa Antunes

    é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

22 de janeiro de 2004, 16h56

As empresas têm se preocupado cada vez mais com os chamados passivos ambientais, que são caracterizados pelo conjunto de obrigações assumidas em função de danos causados ao meio ambiente em função de atividades por elas desenvolvidas. Em geral, o passivo ambiental é composto por obrigações resultantes da contaminação de solo, disposição inadequada de rejeitos industriais, incômodos de vizinhança e outros, repercutindo negativamente na vida das empresas, seja nos aspectos econômicos, seja na própria imagem pública ostentada. Por outro lado, se as questões de meio ambiente são, com muita facilidade, enquadradas no conjunto de passivos empresariais, não é com a mesma facilidade que se identifica, numa firma adequadamente estabelecida do ponto de vista ambiental, um ativo econômico, que deve ser considerado como parte do valor da companhia.

Desde 1981, com a implantação da Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), o licenciamento ambiental passou a ser exigido das empresas que, potencial ou efetivamente, são degradadoras do meio ambiente, apresentando alto risco de acumularem passivos ambientais. As licenças ambientais – inobstante a dedicação dos servidores dos órgãos ambientais – são documentos cuja expedição é extremamente complexa e demorada. Vários fatores concorrem para que assim seja. O mais importante é a contradição vivida pelos órgãos ambientais, que são demandados cada vez mais pela sociedade e, paradoxalmente, vêem os seus orçamentos reduzidos pelos diferentes governos, independentemente da coloração partidária.

Se examinarmos as execuções orçamentárias dos anos 2002 e 2003, como exemplo, veremos que as restrições à área ambiental são crescentes. Em 2002, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente foi de R$ 530 milhões, dos quais foram pagos R$ 55,9 milhões (o equivalente a 10,55 % sobre o valor autorizado). Já em 2003 (dados até setembro), o orçamento foi de R$ 266 milhões, dos quais foram pagos R$ 3 milhões (1,19 %), segundo dados da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, órgão da Câmara dos Deputados. Como se sabe, o compromisso dos governos com determinadas causas não se mede por declarações, mas pelos orçamentos e sua execução.

Por outro lado, se verificarmos as estatísticas de licenciamento ambiental do Centro de Licenciamento Ambiental Federal, órgão do IBAMA, verificaremos uma tendência ao aumento da demanda por licenciamento ambiental. Note-se que a estatística de 2003 não está completa e que o IBAMA tem demonstrado uma inapetência para gerir o licenciamento ambiental. A redução do número de licenças emitidas significa um maior afunilamento do processo e um gargalo que se romperá mais adiante.

É desnecessário lembrar que o IBAMA é responsável por uma pequena parte do licenciamento ambiental no Brasil. Lamentavelmente, não podemos esquecer que o desaquecimento econômico tende a pressionar para baixo o número de requerimentos de licenças ambientais. Em contrapartida, a crescente produção legislativa com forte vocação controladora tende a sustentar uma taxa de crescimento nas exigências de licenças ambientais. É de conhecimento público que, não raras vezes, a obtenção de uma licença ambiental pode se arrastar por longos anos, sem que o empreendedor tenha qualquer certeza de que irá obtê-la. Tão logo se aproxime o espetáculo de crescimento tantas vezes prometido, os órgãos de controle e licenciamento ambiental tenderão a entrar em colapso, caso não haja uma rápida reversão no atual quadro de execução orçamentária das agências responsáveis pela gestão ambiental pública. Não se pode olvidar, ademais, que a operação de uma instalação industrial sem as devidas licenças ambientais é crime previsto na Lei nº 9.605/98 (Lei de crimes ambientais). É dentro do contexto acima mencionado que o “valor” da licença ambiental para uma empresa deve ser analisado.

O licenciamento ambiental deve ser considerado um ativo intangível, pois ele é uma condição essencial e sine qua non para o regular funcionamento de uma empresa. A inexistência do licenciamento é uma ameaça constante ao desenvolvimento de atividades industriais e econômicas, visto que a pressão pela conformidade ambiental de uma firma não se limita aos órgãos públicos encarregados do controle ambiental. Nos tempos modernos, a conformidade ambiental das empresas é tema que extrapola a administração pública do meio ambiente e se alastra pela sociedade, que, mediante a constante vigilância das ONGs, exige dos empreendedores uma total submissão à legislação ambiental.

Igualmente, o Ministério Público encontra-se atento aos menores deslizes no que se refere à observância das leis ambientais. Os próprios organismos financeiros, cada vez mais, exigem padrões ambientais adequados para a concessão de empréstimos. O licenciamento ambiental, nesse caso, é a exigência mínima que estabelecem como pré-requisito para liberação de empréstimos. No caso de sociedades anônimas, a existência de licenças ambientais ou não se constitui em “fato relevante” na vida das empresas, visto que poderá ter repercussão no preço das ações da companhia.

Valorizar uma licença ambiental é extremamente importante para as empresas que prezam o seu bom nome e que buscam dar cumprimento às normas legais em suas atividades. Infelizmente, muitas empresas ainda não acordaram para a importância do licenciamento ambiental e não dão a devida atenção ao seu encaminhamento. Tramitam seguidamente nos órgãos ambientais processos mal elaborados, com análises técnicas insuficientes e poucas precisões nas informações, patrocinadas por “despachantes” que os transformam em verdadeiros calvários empresariais. Fato é que, em boa medida, a demora nos processos de licenciamento se deve a pouca familiaridade dos empresários com a rotina administrativa específica que é fruto de uma compreensão equivocada do papel desempenhado pelo licenciamento ambiental na vida da empresa moderna.

No caso do estado de São Paulo, por exemplo, há determinação governamental no sentido de que todas as antigas Licenças de Funcionamento (LF) sejam substituídas até 4 de dezembro de 2007 por Licenças de Operação (LO) concedidas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Não é difícil perceber que a pressão sobre o órgão licenciador será enorme e que, por maior que seja o esforço realizado, tempos difíceis se avizinham, tal é o número de empresas antigas no Estado. Por tudo isso, uma empresa licenciada ambientalmente deve ser considerada como possuidora de um ativo intangível da maior importância, pois tem a garantia de operar sem os sobressaltos normalmente causados pelas questões ambientais.

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