Ação e reação

Estado tem obrigação de indenizar sempre que é omisso

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21 de janeiro de 2004, 14h04

A responsabilidade civil do Estado pode ser concebida como a obrigação legal que lhe é atribuída, de reparar os danos ocasionados a terceiros, em decorrência de suas atividades funcionais.

A evolução do direito até a adoção do princípio da responsabilidade objetiva do Estado desenvolveu-se, basicamente, em três etapas.

Na primeira etapa vigorou a teoria da irresponsabilidade, onde o Estado, em nenhum caso, deveria reparar o prejuízo, derivado de ação ou omissão sua, sofrido por terceiro.

Superada a fase da irresponsabilidade, surgiu a fase da teoria da responsabilidade com culpa ou responsabilidade subjetiva, que utilizava os conceitos de culpa e dolo do Direito Privado.

A teoria subjetivista se manifestou de duas formas:

1°) por meio da teoria que fazia a divisão entre atos de gestão e atos de império;

2°) por meio da teoria da culpa administrativa ou acidente administrativo.

Na teoria do acidente administrativo ou culpa administrativa, também chamada teoria da “faute du service”, a obrigação de indenizar passou a centrar-se na “culpa do serviço”.

A teoria da “faute du service” é uma criação jurisprudencial do Conselho de Estado Francês e, por meio dela, se abandona a distinção entre atos de gestão e atos de império e a perquirição da culpa do agente, para se indagar a culpa estatal. Ou seja, a culpa pessoal, individual do agente é substituída, na falta do serviço, pela culpa do próprio Estado, pela “culpa administrativa”, peculiar do serviço público, na maioria das vezes “anônima”.

Assim, ainda quando evidenciada a culpa de agente identificado como autor do ato lesivo, esta culpa (pessoal) é considerada como conseqüência da falta do serviço, que deveria funcionar exemplarmente e não foi capaz. Essa falta, então, é capaz de gerar para o Estado a obrigação de indenizar.

Paul Duez(1) cita quatro pontos essenciais da teoria da falta do serviço:

1) a responsabilidade do servidor público é uma responsabilidade primária, não indireta (não decorre da relação preposto/preponente);

2) a falta do serviço público não depende da falta de determinado agente, mas do funcionamento defeituoso do serviço, do qual decorre o dano;

3) o fato gerador da responsabilidade é a falta ou culpa do serviço, não o fato do serviço, daí não se confundir com a teoria do risco administrativo (objetiva);

4) não basta a ocorrência de qualquer defeito, mas certo grau de imperfeição, e o defeito do serviço deve ser examinado tendo em vista o serviço, o lugar e as circunstâncias.

Estabelece-se aí o binômio falta do serviço/culpa da administração. Esta teoria foi também denominada por alguns autores de teoria da culpa anônima, já que, em determinados casos, tornava-se impossível determinar qual o funcionário responsável pela conduta danosa.

Por fim, a terceira fase da evolução da responsabilidade civil do Estado acolheu a teoria da responsabilidade sem culpa ou objetiva, na qual, para que surja a obrigação do Estado em ressarcir o dano causado, basta que exista nexo de causalidade entre este dano e o comportamento da Administração, sem que se cogite de culpa.

Para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado, portanto, revela-se indispensável que, além da existência do dano e da conduta da Administração, reste plenamente configurado o nexo de causalidade entre ambos. Isto porque, “a responsabilidade da Administração Pública, desvinculada de qualquer fator subjetivo, pode ser afirmada independentemente de demonstração de culpa, mas está sempre submetida como é óbvio, à demonstração de que foi o serviço público que causou o dano sofrido pelo autor”(2).

Outrossim, há que se ter em mente que a responsabilidade civil do Estado, ainda que objetiva, não é absoluta, sendo certo que, ante a ocorrência de determinadas circunstâncias, o Estado pode excluí-la total ou parcialmente.

Os casos de culpa da vítima, de força maior (onde há o fator da irresistibilidade humana diante de um determinado acontecimento), de ação de terceiros e de estado de necessidade, apresentam-se como verdadeiros obstáculos para a configuração do nexo de causalidade, elidindo, daí, qualquer pretensão indenizatória.

A redação do § 6.º, art. 37, da Constituição Federal pátria, ao estabelecer que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”, consagrou a responsabilidade objetiva do Estado para o ressarcimento dos danos por ele causados.

Com efeito, para que se configure a responsabilidade objetiva adotada por nosso ordenamento, basta que se verifique o nexo de causalidade entre o procedimento comissivo ou omissivo da Administração Pública e o evento danoso conseqüente, não havendo que se analisar a culpa.

Nesse contexto, de acordo com os ensinamentos de Yussef Cahali, “no plano da responsabilidade objetiva do Direito brasileiro, o dano ressarcível tanto resulta de um ato doloso ou culposo do agente público, como, também, de ato que, embora não culposo ou revelador de falha da máquina administrativa ou do serviço, caracterize-se como injusto para o particular”(3).

Disto se extrai existirem, ainda, os danos decorrentes de omissões da Administração. Sob este aspecto, havendo nexo causal entre a omissão e o dano, ou seja, ocorrendo situação em que a Administração deveria ter agido e não o fez, resultando desta atuação negativa, prejuízo para o particular, surge para o Estado a obrigação de ressarcir.

José de Aguiar Dias acena com a impossibilidade de se elidir a responsabilidade objetiva do Estado nas hipóteses em que a Administração, em sua totalidade, não atua de acordo com o exigível. Segundo o seu entendimento, os exemplos a que assistimos cotidianamente de lesão a interesses de particulares são legítimas expressões da falta do Estado ao seu dever de assegurar a paz social. E assevera: “tem-se inocentado demais o Estado, entre nós. Parece que é tempo de dizer que, se os governantes cumprissem melhor os seus deveres, não precisaria o Estado de se ver defendido nos tribunais por argumentos que o colocam, sem qualquer lógica, contra os interesses da comunidade. Aí estaria o melhor corretivo ao risco de empobrecer o erário, por via de indenização”(4).

Impõe-se, portanto, respeitar o texto constitucional na sua completude, pois, segundo lição de José Gabriel Pinto Coelho “a responsabilidade do Estado, longe de constituir um perigo para este, teria os mais proveitosos efeitos, seria de uma enorme conveniência, conduzindo naturalmente a uma escolha cuidadosa dos empregados públicos e garantiria os direitos dos cidadãos nas suas relações coma a autoridade pública. A inteira responsabilidade do Estado é de um valor e de uma importância prática de primeiro plano, sendo talvez a falta de aplicação destes princípios uma das causas que mais preponderantemente concorrem para o Estado menos próspero”(5).

BIBLIOGRAFIA

AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 8.a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, v.2.

BAHIA, Saulo José Casali. Responsabilidade civil do Estado. 1.a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.

CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2.a ed., São Paulo: Malheiros, 1995.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.a ed., São Paulo: Saraiva, 1995.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22.a ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 5.a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994.

Notas de rodapé

1- Paul Duez apud José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil.

2- TJSP, 2.ªC, 9.9.80. RJTJSP 68/145.

3- Responsabilidade civil do Estado, p.77.

4- ob. cit. p. 679/680

5- apud José de Aguiar Dias, ob.cit. p. 680.

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