Incesto empresarial

TIM refuta operações suspeitas. Mercado mantém dúvidas.

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18 de janeiro de 2004, 18h53

Na sexta-feira (16/1), a Telecom Italia negou em nota pública que mantenha vínculo acionário com a empresa concordatária Tecnosistemi, com suas coligadas ou empreiteiras subcontratadas. Disse que a Tecnosistemi trabalhou só durante 1 ano para a TIM, que nada deve à fornecedora e que a ruptura se deu porque a empresa “passou a não cumprir suas obrigações contratuais”.

Na esteira de escândalos como o da Parmalat e do Grupo Círio, ambos italianos, em que as empresas mantiveram negócios entrelaçados — inclusive com a Telecom Italia — e executivos que se revezaram nos cargos de comando das empresas principais e subsidiárias, o informe pago da TIM tem um papel a cumprir.

Visa, por exemplo, rebater as conclusões do juiz da 42ª Vara Civil de São Paulo, Carlos Henrique Abrão. Pelos autos, essas empresas não só andaram maximizando lucros artificialmente, criando empresas satélites e negócios de fachada, como também seria artificial a crise financeira. O objetivo seria lesar credores. Nas vésperas de pedirem concordata, afirmou o juiz em sua decisão, essas empresas mandaram para a Itália ao menos 3 milhões de dólares. Ele pediu ao Coaf — órgão brasileiro encarregado de investigar a lavagem de dinheiro pelo crime organizado — que rastreasse os valores desviados ilegalmente para fora do país.

Mercado duvida

A nota da Telecom Italia foi recebida com ceticismo pela Associação Brasileira de Empresas Prestadoras de Serviços em Telecomunicações (Abeprest), representante de empresas que levaram um calote de R$ 5,5 milhões da Tecnosistemi e suas coligadas (o valor total dos débitos das concordatárias seria da ordem de R$ 100 milhões).

Segundo Herold Weiss, presidente da Abeprest, todo o mercado sabe que as ligações entre a TIM e as empresas hoje em concordata são notórias e datam de muito tempo, ao contrário do que diz a nota da Telecom Italia. “Elas vieram juntas da Itália. Essa relação é incestuosa de nascença”, afirma Weiss.

Para o dirigente empresarial, o fato de não haver vínculo formal entre as empresas não elimina a hipótese de que a intimidade entre essas empresas vá muito além do relacionamento entre contratadas e contratantes. Um indício dessa situação, aponta o presidente da Abeprest, é o fato de as empresas terem dispensado a necessidade de contratos entre elas — uma prática estranha no mercado.

Tão estranha que deixa sem sentido o trecho da nota oficial desta sexta-feira em que se diz que a TIM deixou de trabalhar com a Tecnosistemi depois que esta deixou de cumprir suas “obrigações contratuais”. Quanto à afirmação de que a TIM “honrou todos os pagamentos à Tecnosistemi no Brasil e não tem débitos com este fornecedor”, naturalmente, a fornecedora refuta. Afinal de contas, se a dívida não existe, a crise também não. A conclusão de que alguém está mentindo não é absurda nem ofensiva.

Fichamento simultâneo

No dia 23 de dezembro, estimulado por empresários prejudicados e com o material recebido de advogados inconformados com os prejuízos de seus clientes, este site, depois de ouvir o juiz da 42ª Vara Civil e a promotora Maria Cristina Viegas, pediu à TIM Brasil que se manifestasse a respeito e, em seguida, encaminhou um questionário à assessoria de imprensa do grupo.

Das dez perguntas encaminhadas, a TIM respondeu uma só. Levou doze dias para dizer que não tinha vínculo acionário com a tecnosistemi e suas coligadas. A resposta de que as duas empresas se relacionaram apenas entre o final de 2001 e o final de 2002, com serviços complementares no início de 2003 foi considerada precária. Uma rápida pesquisa feita na internet demonstra que as duas empresas não só nasceram no mesmo berço como tiveram seu visto de entrada no Brasil carimbado na mesma data.

A resposta atrasada e insuficiente não justificou a produção de nova notícia. Na sexta-feira passada, 24 dias depois da notícia aqui publicada, a TIM publicou seu “esclarecimento ao público” rebatido a priori pelo juízo da 42ª Vara Civil de São Paulo, pela Abeprest e por diversos textos publicados na Internet.

Leia o depoimento à Justiça de Cláudio Rafaelli, cotista e administrador de sete fornecedoras da TIM que entraram em concordata. O trecho em negrito indica o ponto onde o empresário revela não ter havido contrato entre as empresas

Poder Judiciário

São Paulo

Comarca de São Paulo – Foro Central Cível

42ª Vara Cível

42º Ofício Cível

Pça. João Mendes Junior s/nº, 16 andar – salas 1600/1604, Centro — CEP 01501-900 – São Paulo-SP – 3242 0400 R1200

Depoimento

Nome: Cláudio Raffaelli

Endereço: Rua Pascoal Vite 342, apto 181

Bairro: Vila Madalena

Cidade: São Paulo-SP

Endereço comercial: Av. Tamboré, 1603

Bairro: Barueri

Cidade: Barueri-SP


Profissão: administrador

RNE V145710-Z

Estado civil: divorciado

Filiação: Pai: Ugo Raffaelli

Mãe: Marusca Peruzzi

Data de nascimento: 20/06/1966

Aos 15 de dezembro de 2003, às 12:00 horas, nesta cidade e Comarca de São Paulo Inquirida pelo(a) MM. Juiz(a), a testemunha respondeu que: conforme assinalou o depoente, sua participação se fazia nas empresas Tecnosistemi, Eudósia, Denwabrás, Palas Athenas e Tecnosson, respectivamente, depois de explicar as operações empresariais e atividades negociais do grupo, frisou, sinteticamente, que outorgou procurações em virtude de se ausentar do país, para o Sr. Michele Panati, referente aos negócios realizados no Brasil, ponderou que havia um bom relacionamento com o grupo Tim, posteriormente estremecido, cujo faturamento da impetrante pulou de 40 para 200 milhões, entretanto pelo não fornecimento ao grupo Tim diversos serviços foram interrompidos, levando a um prejuízo que teria sentido no endividamento das empresas falidas. Disse ter um crédito para receber da Ericsson em torno de 25 milhões de reais, entretanto não há ainda qualquer ação de cobrança específica, projetou o prejuízo atual do grupo de 80 milhões de reais e da matriz de 185 milhões de euros, existem 03 interessados na aquisição de participações na América do Sul, cujas propostas são sigilosas, houve briga entre os acionistas, culminando com ação judicial na Itália, e a matriz tem comissários nomeados que fizeram relatórios favoráveis à sua viabilidade, ainda não homologado pelo juízo. Em relação à tecnologia conta com a mais moderna tecnologia de todas, digital e GSM, cujos técnicos que vieram ao país, em torno de 51, em pouco tempo fabricaram mais de 1.000 torres, viabilizando os serviços comerciais do grupo Tim. No que concerne às operações bancárias, segundo explicou houve aporte do exterior, um pouco acima de 1 milhão de dólares, tendo sido capitalizado, melhor esclarecendo, foram 19 milhões de reais que entraram no Brasil, com registro junto ao Banco Central, aduzindo também que foram pagos 17 milhões de reais a título de Royalties. Estruturando a situação das demais empresas acentuou que a Palas e a Denwabrás, hoje estão inoperantes, enquanto Eudósia, Tecnosistemi apresentam dificuldades financeiras somente poderão sair do estado de crise mediante recursos financeiros que estima na ordem de 14 milhões de euros. A dívida do grupo ronda a casa de 80 milhões de reais, justificando o período dos contratos com o grupo Tim, créditos da empresa Ericson a receber e ainda as disputas frustradas para que a empresa fosse aprovada para ter acesso ao mercado de ações. Segundo relatou a empresa holding do grupo seria Tecnolux S/A, seguindo as demais Tecnosistemi, para abrigar também a Palas, Denwabrás e Eudósia, a Tecnosistemi Serviços teria sido incorporada pela Tecnosson. Em relação às empresas do Uruguai, pode afirmar o depoente que seriam Teodor Investimentos ainda Roscomon Company e também Belsons S/A, não mantendo com ela e seus representantes contato algum. As empresas e o próprio depoente não possuem bens de raiz, exceto aquele triplex da Tecnosistemi, no qual hoje consta a Acquasparta como sua credora hipotecária e a instituição de usufruto, participando também que o imóvel estaria vazio e o lastro da operação de 1 milhão de reais seria para pagamento da participação da empresa Acquasparta no grupo. Fora ele contratado no Brasil com remuneração de 24 mil reais por mês, residindo no imóvel do sogro, fazendo uso do carro da empresa, que sofrera ação de despejo por falta de pagamento, do imóvel localizado na Av. Guido Caloi, 1.000, manifestou interesse em transferir atividade para outro imóvel na Av. Paulista cujo aluguel seria menor. Conheceu o Sr. Gianni Grisendi da Aquasparta e soube de sua participação na qualidade de co-fundador da Tecnosistemi Brasil e Eudósia.

Em relação à contabilidade do grupo, também acrescentou que havia uma assessoria de advogados internos, muitas determinações partiram da própria Itália das mudanças societárias e revelou o nome do Sr. Adilson Cabral responsável pela escrituração contábil (fone 8107-7836). Afirmou que a empresa se submeteu ao Refis 2, recentemente (Eudósia), enquanto existem ainda dívidas fiscais da Tecnosistemi e foram revelados quase 700 protestos tirados, no seu modo de ver, provocados pelo desaquecimento do mercado e problemas na área de parceria empresarial. Dos 51 técnicos italianos vindos ao Brasil apenas restaram 02, Marco Rosatti e Feliciano (área de produção). Os demais deixaram o país em função da implementação da tecnologia. Tem conhecimento de pedidos de falência tirados com a Tecnosson e ainda de ação pauliana promovida pela Zopone, sendo credora de soma superior a 3 milhões de reais. A Servisite foi constituída, contando inicialmente como sócios a Tecnosistemi e a Metalpark, capital de 100 mil reais, posteriormente a Tecnosistemi dela se retirou, não recebendo qualquer valor, em função de contas entre crédito e débito pontualmente prestados. O Sr. Draja apenas fazia parte de consultoria Técnica e não chegou a ter a participação de capital ou societário de qualquer empresa do grupo. Explicou que a dívida com o banco BNL era de 4 milhões de reais, e houve um erro de exposição do requerimento da concordata; frisou que a empresa CPML — Construção Ltda fornecia serviços de shelter para a Tecnosistemi. Sendo que a sociedade Eletro Geral Ltda era fornecedora da Eudósia. Disse que Nelson Soares de Carvalho era representante da Cral. Explicou que o aporte da empresa Servisite ocorreu pela integração de serviços e bens, aprovado em assembléia. Disse que os sócios atuais da Servisite são Cral e Metalpartk. Segundo estima 25 torres estariam em mãos de terceiros, aproximadamente 30 torres, a grande maioria no estado de São Paulo.


Afirmou que a Eudósia recentemente vendeu 4 milhões de estoque, contabilizados e utilizados para pagamento de rescisões trabalhistas e outras despesas. Relatou que o acionista Mário Mutti manteve contato com ele no Brasil sete vezes, visitando o país. Disse que o único capital do estrangeiro seria hoje Teodor Investimentos, por meio do Sr. Mário Mutti. Disse que os sócios da Eudósia são Tecnosistemi Brasil e Eudósia S/A. Tecnosistemi são sócios Tecnolux e Eudósia Brasil. Sócios da empresa Palas Athenas: sócia única subsidiária integral Tecnosistemi Brasil. Denwabras: sócia única subsidiária integral Tecnosistemi Brasil. Tecnossom Brasil Ltda: Tecnossom S/A 99,9% e Eudósia Brasil, 01,%. Disse que a empresa Cral é representada pelo Sr. Draja, disse que a empresa fica em São Paulo no centro. Disse que as remunerações empregatícias foram pagas até o mês de outubro de 2003, salários da Tecnosistemi e Eudósia. Segundo explicou, as participações da Aquasparta foram adquiridas pela Tecnosistemi Brasil e Roscomon Company S/A junto à Eudósia. A negociação imobiliária entre Tecnosistemi e Aquasparta foi determinada pela Itália. Não há qualquer tipo de bem nas filiais abertas por venturas não registradas, sobreditos bens teriam voltados para a matriz. Desconhece se algum credor, a título de pagamento, teria se apossado de torres de telefonia. Mencionou que uma guilhotina a ser vendida já se encontra na posse de Eudósia Brasil. Trinta mil reais do estoque forma utilizados para pagamento das rescisões trabalhistas. Foram componentes usados para pagamentos.

As operações negociais eram feitas por intermédio da empresa Ericsson e grupo TIM, com relação a essa não havia qualquer contrato escrito ou ajuste formal, tanto que cancelaram o fornecimento de 400 torres, cujas notas fiscais eram emitidas no momento da entrega dos produtos. Disse que há um valor de 1 milhão e 300 mil reais depositados pela TIM, em juízo, a favor da Tecnosistemi. Segundo esclareceu as empresas possuíam títulos de capitalização, em torno de 150 mil reais, resgatados. Noticiou que a empresa chegou a ter cerca de 100 fornecedores, fabricantes de 1.200 torres, cliente destinado grupo TIM. Disse que as operações estão todas elas documentadas e a maior parte desses documentos se encontram com a locatária TIM. Disse que o crédito de 25 milhões de reais junto com a Ericsson decorre da aplicação de indexador contratual e as negociações estão sendo feitas mediante arbitragem entre a Itália e a Suécia, pertencendo o crédito às empresas do Brasil. As negociações se encontram em fase preliminar.

Continha o contrato cláusula de arbitragem pela Fiesp, porém resolveu a matriz negociar diretamente junto a Ericsson da Suécia. Ponderou que os grupos interessados em relação às empresas do Brasil conhecem plenamente a situação falimentar e as dificuldades por causa da crise pela cessação da atividade econômica desde janeiro de 2003. Referiu que a especificidade de tecnologia colocou na condição de concorrência muitos fornecedores, realçando que a Brasilsite e Promon também integram a lista de concorrentes no Brasil. Disse que os fornecedores de serviço hoje atendem diretamente as necessidades de mercado do grupo Tim. Disse que os critérios operacionais de lucro entre bens e serviços oscilavam 1.25 e 1.30 entre fornecedor, distribuidor e adquirente.

Nada mais.

Às reperguntas do advogado do requente, respondeu que: Nada além das feitas pelo Juízo. As reperguntas do advogado do requerido, respondeu que: Nada além das feitas pelo Juízo. Nada mais. Para constar, lavro o presente termo que devidamente assinado.

Eu, Luciene Ferro dos Santos, Escrevente Técnico Judiciário

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