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Desembargador cassa liminar que determina fichamento de americanos

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12 de janeiro de 2004, 14h44

O desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região — Catão Alves — cassou parcialmente a liminar do juiz federal Julier Sebastião da Silva que determina o fichamento de americanos que chegam ao Brasil. No entanto, a determinação válida somente para o Rio de Janeiro perdeu eficácia por causa de uma portaria baixada pelo governo. De acordo com a portaria, a identificação será mantida até que um grupo interministerial defina regras para o controle da entrada de estrangeiros. O grupo terá 30 dias para a conclusão dos trabalhos.

O município do Rio pediu a suspensão da liminar que obriga americanos a deixar suas impressões digitais e ser fotografados quando pisam em solo brasileiro. Segundo o município, a determinação acarreta grave lesão para a economia pública da cidade e macula a imagem do Brasil no exterior. O requerente reclamou também da demora pelo fichamento dos americanos no aeroporto internacional do Rio de Janeiro.

Para o município, o tempo de espera dos americanos para serem fichados prejudica “drasticamente” o turismo da cidade. Segundo o requerente, o tempo de vôo equivaleria ao período de espera dentro do aeroporto. De acordo com os autos, turistas americanos teriam gasto no Rio de Janeiro — somente em 2003 — aproximadamente U$S 250 milhões.

O desembargador federal acatou os argumentos do município. “Não me parece crível que o Poder Judiciário possa proferir decisão de caráter, eminentemente, político-administrativo, nem interferir nas relações internacionais que o País mantenha no cenário mundial para não implicar ingerência na aferição dos critérios de oportunidade e conveniência, ínsitos ao Poder Executivo”, afirmou.

Segundo Catão Alves, “o Poder Judiciário não pode chancelar retaliação política, ainda que a pretexto de aplicação do princípio da reciprocidade, porque tal chancela acarretaria ofensa às relações exteriores do nosso País”. Para o desembargador federal, “a solução da pendenga cabe ao Poder Executivo por meio diplomático, mediante gestão junto ao governo norte-americano, não ao Poder Judiciário, que estaria a usurpar competência e, assim, a causar grave lesão à ordem jurídica e ao princípio da separação dos poderes inserto na Constituição Federal”.

Leia a decisão:

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 2004.01.00.000206-8/MT

Processo na Origem: 200436000000110

(SUS-196-02-2004)

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL-PRESIDENTE

REQUERENTE: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO – RJ

PROCURADOR: DR. JÚLIO REBELLO HORTA

REQUERIDO: JUÍZO FEDERAL DA 1ª VARA – MT

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADOR: DR. JOSÉ PEDRO TAQUES

D E C I S Ã O

1 – O MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, com espeque nos arts. 4º, da Lei nº 8.437, de 30/6/92, e 12, § 1º, da Lei nº 7.347/85, requer suspensão dos efeitos da liminar deferida em 28/12/2003 nos autos da Ação Cautelar Inominada nº 2004.36.00.000011-0/MT pelo Juiz da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, proferida nestes termos:

“Com efeito, defiro o pedido de concessão de medida liminar e determino à UNIÃO FEDERAL que faça gestões junto às autoridades norte-americanas para que os brasileiros sejam excluídos da exigência que passa a vigorar a partir do dia 01 de janeiro de 2004 para entrada e saída dos Estados Unidos da América.

Enquanto perdurar a restrição imposta pelas autoridades norte-americanas, determino à Requerida que fotografe e recolha as impressões digitais dos nacionais dos Estados Unidos da América, nos portos, aeroportos e rodovias, quando entrarem em território brasileiro, sob pena de ser-lhes negada a entrada devida.

Deverá a Requerida reportar ao Juízo, no prazo de 10 dias, as providências tomadas para o cumprimento desta, restando, desde logo, fixada a multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais) para a hipótese de inobservância do ora decidido.

Oficie-se, com urgência, ao Ministério de Relações Exteriores e ao Departamento de Polícia Federal para cumprimento imediato.” (Fls. 09/12.)

2 – Alega o Requerente, para melhor análise da questão, que os Estados Unidos da América, alegando razões de segurança contra o terrorismo internacional, impuseram, recentemente, aos estrangeiros que ingressarem no território norte-americano, excetuados os nacionais de países que não demandam expedição de visto de entrada naquele País, a submissão a escaneamento (sic) da respectiva digital e fotografia, e que, em decorrência dessa medida e a pedido do Ministério Público Federal, o juízo de origem teria proferido decisão que acarreta grave lesão à economia pública municipal em valores que não poderiam ser, prontamente, aferidos, além de macular a imagem internacional do Brasil.

3 – Assevera, também, que a motivação da decisão impugnada está especada no princípio internacional da reciprocidade; que os cidadãos de nacionalidade norte-americana que chegam ao Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro estão sendo fotografados e deles retiradas as impressões digitais por meio de procedimento arcaico, o que demandaria longa e torturante espera por mais de 08 (oito) horas consecutivas, sem água e comida, conforme reportagens de periódicos que juntam à inicial.

4 – Acrescenta, ainda, que o procedimento procrastinatório de ingresso dos aludidos cidadãos na cidade do Rio de Janeiro prejudicaria, drasticamente, o patrimônio turístico daquele Município, principalmente porque o tempo de vôo equivaleria ao tempo de espera dentro de área restrita do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro; que, para se ter idéia da extensão do potencial risco decorrente do entrave criado pela decisão questionada, no ano de 2003 os turistas americanos teriam gasto naquele Município, aproximadamente, U$250.000.000,00 (duzentos e cinqüenta milhões de dólares norte-americanos), gerando e mantendo milhares de empregos diretos e indiretos; que haveria inegável interesse público em resguardar o turismo, o emprego e a economia da cidade do Rio de Janeiro.

5 – Ora, embora em Suspensão de Segurança não se analise, em princípio, questão de mérito, é importante esclarecer que, em face da plausibilidade jurídica, há necessidade de perfunctório exame do mérito da questão a ser apreciada na contracautela.

6 – Verifica-se, pela análise dos autos, que a Ação Cautelar Inominada em comento foi interposta pelo Ministério Público Federal para que fosse “determinado à União Federal que fizesse gestão junto às autoridades americanas para excluir os nacionais brasileiros da necessidade de serem fotografados e obrigados a deixarem as impressões digitais ao entrarem nos Estados Unidos da América, bem como para que exija dos nacionais americanos, durante o espaço temporal em que a mesma exigência for feita aos nacionais brasileiros nos Estados Unidos da América, que, no instante em que adentrarem no território da República Federativa do Brasil, seja por via aérea, marítima ou terrestre, sejam fotografados e obrigados a terem as impressões digitais recolhidas por autoridades brasileiras, sob pena de serem proibidos de adentrarem em solo nacional”. (Fls. 13/16.)

7 – Observa-se, igualmente, pela sua leitura, que o pedido inserto na inicial da supracitada ação foi deferido, integralmente, na decisão impugnada, minudência que demonstra seu caráter de satisfação, e que, acrescida ao alto valor da multa diária arbitrada, representa não só a plausibilidade jurídica do pedido, mas, também, o risco de dano irreparável, sem embargo de eventual ingerência e mácula ao princípio da separação dos Poderes.

8 – Ocorre, porém, que, consoante o disposto no art. 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/92, que dispõe sobre concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, “não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação”. (Grifei.)

9 – Não fora isso, não me parece crível que o Poder Judiciário possa proferir decisão de caráter, eminentemente, político-administrativo, nem interferir nas relações internacionais que o País mantenha no cenário mundial para não implicar ingerência na aferição dos critérios de oportunidade e conveniência, ínsitos ao Poder Executivo.

10 – E mais, se os Estados Unidos da América têm razões de segurança para adotar as providências questionadas pelo Ministério Público Federal, o Brasil, sem motivo plausível, uma vez que o receio de atentados terroristas, felizmente, não faz parte da vida nacional, não poderia, somente ao fundamento de reciprocidade, fazer o mesmo porque causaria prejuízo de milhões de dólares à economia nacional, não apenas ao Requerente, com a fuga de turistas, diante das restrições de ingresso em território pátrio, com procura de outras plagas, e, conseqüentemente, a perda do fluxo turístico norte-americano e da incalculável soma de valores que ele aqui deixaria.

11 – Não é só; a solução da pendenga cabe ao Poder Executivo por meio diplomático, mediante gestão junto ao governo norte-americano, não ao Poder Judiciário, que estaria a usurpar competência e, assim, a causar grave lesão á ordem jurídica e ao princípio da separação dos poderes inserto na Constituição Federal.

12 – Assim sendo, no mundo globalizado em que vivemos, o Poder Judiciário não pode chancelar retaliação política, ainda que a pretexto de aplicação do princípio da reciprocidade, porque tal chancela acarretaria ofensa às relações exteriores do nosso País.

13 – Nessa ordem de idéias, a resistência à execução da decisão impugnada se reveste de relevante plausibilidade jurídica.

Pelo exposto, defiro o pedido formulado a fls. 02/07.

Comunique-se.

Publique-se e intimem-se.

Brasília, 09 de janeiro de 2004 (21h02min).

Desembargador Federal CATÃO ALVES

Presidente

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