Sexta-feira, 9 de janeiro.

Primeira Leitura: Eduardo Suplicy é uma espécie de chato do bem.

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9 de janeiro de 2004, 12h22

A bolha se expande

O C-Bond, principal título da dívida externa brasileira, chegou a ser negociado nesta quinta a mais de 100% do valor de face — precisamente, a 100,25% –, desempenho inédito para o papel, que foi lançado em 1994. Por contrato, a cotação de 100% abre a oportunidade de o Brasil recomprar esses títulos e melhorar o perfil de sua dívida. No pior momento da turbulência de 2002, o C-Bond chegou a ser negociado a menos de 50% do valor de face.

Ladeira abaixo

Com o recorde, a taxa de risco do país caía fortemente no fim da tarde de ontem, para 410 pontos (-2,15%), o menor nível desde outubro de 1997, ainda assim, em pior situação do que a Colômbia (350 pontos), que tem metade do território tomado por uma guerra civil, e a Turquia (294 pontos), em permanente crise política.

Fuga do dólar

O resultado é parte do movimento global de fuga de investidores do dólar em direção a ativos que paguem melhor prêmio. Por isso, surpreenderam, mas não chegaram a espantar, as captações feitas por dois países um tanto problemáticos. A Turquia vendeu ontem US$ 1,5 bilhão em bônus de 30 anos, com retorno ao investidor de 8,23%. Na quarta, mesmo dia em que o presidente Hugo Chávez ameaçava intervir no Banco Central de seu país, a Venezuela conseguiu captar US$ 1 bilhão — e havia demanda para US$ 3 bilhões — com bônus de 30 anos, pagando taxa de 10,125% ao investidor.

Nem aí…

Não custa lembrar que, enquanto os mercados davam sua aquiescência aos venezuelanos, o Departamento de Estado dos EUA alertava para um suposto eixo Chávez-Fidel Castro para desestabilizar o continente. Os especuladores fizeram ouvidos moucos à sanha dos falcões de Bush. Se até papel venezuelano pode servir como fuga do dólar no curto prazo, tanto melhor o C-Bond do comportadíssimo Brasil.

Renda mínima

O presidente Lula sancionou ontem, em solenidade no Palácio do Planalto, a lei de autoria do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que institui a Renda Básica da Cidadania. O programa de renda mínima só começará a ser implementado em 2005, e o governo ainda não definiu qual será o valor da complementação de ganhos, a abrangência da medida e qual a fatia da população que será atendida primeiramente.

O que diz a lei

A lei fala em garantir a todos os residentes no país, inclusive estrangeiros radicados há mais de cinco anos, uma renda mínima para alimentação, saúde e educação. A proposta deverá ser implementada de forma gradativa, num prazo de até dez anos. Enquanto não entra em funcionamento, o governo continuará com o Bolsa-Família, lançado nos últimos meses do ano passado, voltado para as famílias de baixa renda.

Assim falou… Luiz Inácio Lula da Silva

“Desde 1991, ele desempenha o papel de um incansável Dom Quixote para convencer a sociedade de que é possível universalizar direitos sociais em nossa terra (…) O mérito desta lei é do Congresso Nacional, mas, sobretudo, é de um personagem teimoso chamado Eduardo Suplicy.”

Do presidente da República, ao lançar o programa de renda básica. O senador petista Suplicy, como um pregador, repete, há mais de uma década, e a quem se dispuser a ouvir, as virtudes de seu projeto de renda mínima. Ganhou com isso a fama de ser muito teimoso — uma espécie de chato do bem, embora chato, sem dúvida.

A sedução do autoritarismo

Sabemos que o modelo chinês exerce enorme atração em certos setores do PT. Vejam lá: partido único, crescimento de 8% a 12% ao ano (ninguém sabe ao certo), liberdade plena para grupos de ponta para produzir, enriquecer e explorar à vontade a mão-de-obra local, estrito controle de hábitos e costumes das massas no que respeita à sua relação com o Estado e os serviços públicos; forte presença internacional garantida por sua máquina militar. Por razões que só a história e o manicômio explicam, parte importante do petismo considera que a exploração do homem pelo homem, vigente nos EUA, é indigna.

Já o contrário disso, que é o modelo chinês, lhe parece mais interessante, ainda que subtraídas as liberdades individuais. Por que esse já longuíssimo preâmbulo? Para lembrar que a secretária de Políticas para Mulheres, Emília Fernandes, resolveu romper seu mutismo e sua irrelevância política e comparecer ao debate com uma tese das mais interessantes: ela quer incluir o que chama de “planejamento familiar” como “exigência” (sic) para que os brasileiros pobres tenham acesso ao Bolsa-Família. A China tem experiência firmada no assunto, sabe-se. Caso se torne uma exigência para que o pobre obtenha um benefício, está-se diante de uma prática autoritária, garantida pela hipertrofia do Estado.

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