Orelha em pé

"Escritura abaixo do preço de venda é um perigo à vista."

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7 de janeiro de 2004, 15h14

Estabelece o art. 108 do novo Código Civil (NCC), como já o fazia o art. 134, II, do Código Civil revogado, que a escritura pública é essencial para a validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País, salvo se a lei dispuser em contrário.

Portanto, os ajustes que visem a transferência de bem imóveis só valem se foram efetivados por escritura pública, que na dicção do art. 215 do NCC tem fé pública e faz prova plena. Isso não significa dizer, contudo, que os contratos particulares de compra e venda tenham sumido do nosso ordenamento jurídico, mas os mesmos, por força do art. 221 do NCC, só valem entre as partes contratantes. Tais contratos não têm o condão de interferir perante terceiros, que passarão a dele ter conhecimento com a sua publicidade, o que ocorrerá com a concretização do negócio jurídico via o instrumento público antes referido levado a registro no Registro Público.

Um problema que está a afligir os contratantes é o de contratar por um valor e, ao escriturar o imóvel, fazê-lo por um valor menor.

Nos parece, de chofre, que ao assim agirem estariam os contratantes simulando uma situação com o intuito, por primeiro, de fraudar o fisco. É cultural no Brasil, principalmente por causa dos seus governantes, que todos do povo (ou quase todos) tenham o tal “caixa dois” — um dinheiro não regularizado e que serve para comprar coisas, inclusive imóveis, sendo que o desembolso e o recebimento não são contabilizados regularmente, passando, ambos contratantes, a ser solidariamente responsáveis por esta fraude fiscal. Além disso, com esta atitude, os contratantes podem estar desejando prejudicar terceiros, não participantes direto do negócio jurídico simulado.

Porém esta simulação poderá trazer efeitos maléficos entre os próprios contratantes, pois com a transmutação deste instituto (a simulação) da condição de defeito do negócio jurídico, como o era no vetusto Código Civil, quando era causa apenas de sua anulabilidade, para a condição de invalidante do negócio jurídico, a sua ocorrência, agora, conforme estatui o art. 167 do NCC, gera sua nulidade, o que implica dizer que o negócio pode até ser considerado como inexistente, com repercussões extremamente prejudiciais aos seus participantes.

Acrescente-se a circunstância de que a nulidade, por ser matéria de ordem pública, deve ser declarada pelo Juiz (art. 168, par. único do NCC), não lhe sendo sequer permitido supri-la, mesmo que a requerimento dos contratantes, pois o negócio jurídico nulo, como estabelece o art. 169 do NCC, ‘não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo’, ou seja, “reconhecida e proclamada a nulidade de ato ou de negócio jurídico, esse reconhecimento tem eficácia declaratória porque afirma a existência de uma circunstância preexistente, razão pela qual essa decisão retroage à data em que foi celebrado o ato ou negócio nulo”, isto é, terá efeitos ex tunc. (cf. Nelson Nery, in Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, RT, p. 83).

Se assim é, como nos parece que efetivamente o é, qualquer dos contratantes poderá pedir a nulidade do negócio vez que, juntamente com o outro, inseriram na escritura pública declaração não verdadeira, ativando, assim, o inc. II do já referido art. 167 do NCC.

O risco, portanto, de se lavrar uma escritura pública de venda e compra de um imóvel abaixo do verdadeiro preço de venda estará presente. Os advogados devem ser diligentes e tomar todos os cuidados possíveis de não compactuarem com este ato, pois poderão, posteriormente, sofrer respingos indesejáveis dos seus próprios clientes.

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