Contra a parede

Questões éticas devem ficar em segundo plano na reforma, diz Corrêa.

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2 de janeiro de 2004, 10h16

A volta por cima do Judiciário deve ser dada por meio de reformas processuais, que racionalizem o sistema de recursos e permitam que o juiz julgue mais rápido. As questões éticas ficam em segundo plano. Essa é a opinião do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, que participou do programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia da Justiça (8/12).

O presidente do Supremo disse que o projeto de reforma do Judiciário que está no Congresso não mexe em questões fundamentais para o Poder e não trará grandes mudanças. Afirmou que as férias de 60 dias dos juízes não são um privilégio, mas que não transformará essa discussão num cavalo de batalha. Ele disse, ainda, que não tem medo do controle externo e que a medida não vai fazer a Justiça ser mais rápida.

“Querem discutir sobre controle externo? Vamos discutir. Querem discutir sobre o efeito vinculante? Vamos discutir. Vamos discutir quais são as reformas necessárias? Vamos. Tudo o que quiserem será discutido. Eu não disse que estou oferecendo a sede do Supremo para instalar um órgão desse para trabalhar conosco em parceria?”

Corrêa disse que ele e o presidente da República estão “viabilizando entendimentos”. Por isso, o ministro recusou-se a criticar o governo e disse que considera “boa” a política econômica dos petistas.

O ministro admitiu estar assustado e envergonhado com a dimensão das descobertas da Operação Anaconda. “O juiz que pratica uma irregularidade tem muito mais culpa e responsabilidade perante a sociedade do que qualquer outra pessoa”, afirmou.

O presidente do Supremo contou, ainda, que seu salário bruto é de cerca de R$ 28 mil e que pretende “montar um escritoriozinho de advocacia pequeno, modesto” depois de se aposentar.

Os entrevistadores foram os jornalistas Fausto Macedo, do jornal O Estado de S. Paulo; Eliane Cantanhêde, do jornal Folha de S. Paulo; Rui Nogueira, do site e da revista Primeira Leitura; Márcio Chaer, da revista Consultor Jurídico; Luciano Suassuna, da revista IstoÉ Gente; Sidney Basile, do jornal Valor Econômico; e o apresentador do programa, Paulo Markun.

Leia a entrevista de Maurício Corrêa no Roda Viva:

O que melhora a imagem do Judiciário?

O que o ocorre com a Justiça brasileira é que se preocupa muito com a reforma constitucional do Poder Judiciário, criando um controle externo, o efeito vinculante das decisões dos tribunais e uma série de outras situações previstas, mas que na verdade não respondem à essa ansiedade do povo brasileiro. O que deseja o cidadão brasileiro é que a Justiça seja mais rápida e não essa coisa difícil que é o processo, que atrasa tudo e impede o juiz de exercer a jurisdição com rapidez. Portanto não é a reforma constitucional do Poder Judiciário que vai resolver o problema daquilo que o povo espera. Então, transformaram a reforma constitucional na grande expectativa, parecendo que atrás do controle externo — que está na previsão da emenda que hoje se encontra no Senado Federal, na emenda 29, hoje tem outro número no Senado. Pois bem, que isso vai resolver…

O que vai resolver?

O que vai resolver é Código Penal. É possível manter essa quantidade exagerada de recursos? É possível manter essa infinidade de recursos na área de Processo Civil? Você tem um muro na sua casa — eu cito sempre esse exemplo –, daí vem um automóvel, bate no seu muro da sua casa, ou uma caminhonete estraçalha o muro, cria lesões ao alicerce da sua casa. Então, lógico que você tem que entrar com uma ação contra essa pessoa que praticou esse gesto, que cometeu essa irregularidade.

Pois bem, você vai ter que entrar com um processo de conhecimento, que é o que nós chamamos para definir o seu direito. Aí o juiz gasta um ano, dois anos — depende do advogado, da esperteza dele, aí gasta três ou quatro anos — para chegar a essa conclusão: que você foi lesado, que você tem que ter a sua casa reparada por aquele que causou o acidente. Pois bem, depois que o juiz fixa essa decisão, reconhece o seu direito, o que ocorre é o processo de execução para aquele direito que foi reconhecido. Daí é que se vai extrair o valor que a parte terá que pagar.

E vão mais quatro, cinco anos?

O que desejamos é que processo de conhecimento seja julgado juntamente com o processo de execução — o julgamento para saber se você tem ou não o direito já vem ao mesmo tempo que a execução para você receber aquilo que você tem direito.

Os juízes tem dois meses de férias por ano. Se trabalhassem onze meses por ano não melhoraria um pouco?

Não adianta. O juiz pode trabalhar 12 meses incessantemente, que isso não resolverá. Há um grande equívoco a respeito das férias. Esse problema de 30, 60 dias não preocupa.

Não é um privilégio?

Não é privilégio. Isso é uma medida que vem desde a Lei Orgânica do Poder Judiciário reconhecendo que o juiz tem 60 dias em face do seu excessivo trabalho, da carga de serviço que ele tem. Agora, essa questão não é prioritária para nós. A prioridade é resolver a questão do processo, é melhorar o nosso sistema legal para que a parte tenha o seu direito reconhecido e seja dada a prestação jurisdicional imediata.


Quem tem o poder de fazer isto, ministro?

O Congresso Nacional. Por isso que há um grande equívoco ao passar uma imagem para o povo brasileiro de que a solução seria o controle externo; que a solução estaria naquelas medidas da reforma constitucional.

Tudo bem, o Congresso tem que fazer a sua parte. Mas e vocês, juízes, tem que fazer o quê?

Nós temos que trabalhar como nós fazemos, incessantemente.

Ou seja, não mudar nada?

Não, tem que mudar, sim, senhora. Nós somos os primeiros a reconhecer só que há um equívoco, uma visão completamente deturpada porque se imagina que um controle externo, por exemplo, é o grande remédio que vai resolver o problema do Judiciário, para que seja mais rápido e tenha fim o excesso de recursos. Por exemplo, aquele jargão que se fala na rua que a polícia prende e o juiz solta não é bem assim. O juiz solta porque o processo está mal instruído, porque demorou para chegar nele, porque quando chegou houve excesso de recursos. Agora, quando ele vai julgar o feito, o direito da parte é reconhecido e a pessoa vai para a rua, o juiz faz isso com dor no coração.

O recurso é mal usado?

Ah, sem dúvida.

Por que se não aplica litigância de má-fé? Por que o juiz vê o advogado usar mal o recurso e faz que não está vendo?

Isso é usado na medida do possível. Isso daí pode chegar e impedir que o advogado exerça o seu direito de recorrer, quando o Código de Processo Civil permite a ele que faça direito a esse recurso. O que tem que fazer é mudar essa sistemática de recursos. Aí sim, se ele utilizar o recurso indevido, o juiz aplicará as penalidades.

A Justiça está dando mais importância para a matéria processual do que para a causa em si?

Não, a causa em si está relacionada a um processo. Para julgar o caso concreto, você tem que ter um instrumento processual que permite que a causa seja julgada com perenidade. O efeito vinculante, ao meu ver, é indispensável. Nada justifica que o Supremo Tribunal Federal julgue uma, duas, três, inúmeras vezes o mesmo caso.

Ministro, acho que um bom serviço que a gente pode prestar ao telespectador em casa é deixar as coisas claras. O senhor disse que se passou para o público a idéia de que a reforma constitucional com o fator externo é que resolve e o senhor disse que não resolve. Quem é que fixou essa idéia? Quem passa isso? Quem se apega à idéia de que a reforma resolve, quando não resolve nada, isto é, estaria vendendo gato por lebre?

Sem dúvida nenhuma.

Mas quem faz isso?

Isso começou na Câmara. Todo mundo falava que havia ansiedade numa reforma do Poder Judiciário e a reforma que eles entenderam quer era possível ser feita seria referente às carreiras, ao controle externo. Como eu já disse, essas medidas que são preconizadas não vão resolver o problema da morosidade da prestação funcional. Não estou dizendo que não seja necessária essa reforma constitucional. Mas a reforma processual é muito mais importante, indispensável.

Além da reforma processual e da constitucional, há ainda uma terceira situação, que envolve a própria gestão do Judiciário, a administração do Judiciário. Nós estamos viabilizando uma série de medidas nesse sentido. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, estamos agora tentando viabilizar — e seguramente meus colegas vão concordar — a criação de uma Ouvidoria no Supremo relativamente ao serviço que ele presta.

Onde entram as questões éticas na reforma que o senhor defende? O senhor fala muito em questões processuais, mas hoje o Judiciário está muito afetado porque sua imagem está prejudicada por conta das férias de 60 dias, de a categoria dos magistrados não ter um sistema de quarentena e ser vista como uma categoria sem controle. Por isso, fala-se tanto em controle externo. Atualmente um juiz é punido com aposentadoria compulsória com vencimentos integrais. Onde é que isso entra na reforma que o senhor pretende? A proposta do senhor é primeiro cuidar do processo e depois das questões éticas? É essa a divisão que o senhor faz?

Acho importante, mas não é fundamental para o povo. O que o controle externo vai resolver na prestação jurisdicional para o povo, efetivamente? Praticamente nada. Mas você quer criar um mecanismo de controle externo? Então, que se crie. Acham que isso é que vai resolver? Se o Congresso acha que deve criar, que se crie.

O senhor tem medo do controle externo?

Não, não tenho medo de nada, não tenho medo de absolutamente nada. O Judiciário, de modo geral, posiciona-se contra o controle externo porque acha que o Judiciário é uns dos Poderes que tem mais controle. Tem advogado que fiscaliza de um lado e advogado que fiscaliza do outro, tem um Tribunal de Contas que fiscaliza, tem um julgamento que é publico, tem hoje o mecanismo de informação TV Justiça e tem a Rádio Justiça que vai ser instalada para o Brasil inteiro acompanhar.


Agora, o controle externo não vai solucionar, fazer a Justiça ser mais rápida. Essa e outras medidas são importantes, mas não prioritárias. Querem acabar com as férias de 60 dias e passar para 30? Essa é uma questão menor, não é fundamental. A fundamental, para mim, é responder o que o povo quer agora — rapidez e eficiência da Justiça.

Nessa questão do controle externo, por exemplo, a Câmara indicará um representante, o Senado indicará outro, a OAB outro e o Ministério Público mais um? Quem serão essas pessoas que vão ingressar para controlar o outro Poder?

A OAB, por exemplo, bate-se terrivelmente para que se crie um controle externo do Judiciário. Eu fui presidente da OAB vários anos eu sei que a prestação de contas da OAB é feita através de uma Assembléia. O advogado chega lá e responde sim ou não — se aprova ou não as contas. Não tem controle sequer no Tribunal de Contas. A OAB não tem controle de quem quer que seja, a não ser dessa Assembléia. O Ministério Público não tem controle externo. Agora querem fazer para o Judiciário? Bom, podem fazer. Para mim, é indiferente. Essa não é uma questão fundamental. Questão fundamental é saber que o camarada praticou um crime e tem que ser preso e acabar com esse mecanismo de protelação em que o advogado usa um recurso duas, três vezes, e nunca chega a punição. Daí vem a impunidade.

Agora, ministro, existe uma reforma no Congresso que está tramitando há 11 anos. O senhor foi senador, ministro da Justiça e tinha toda a experiência, até como presidente da OAB, para propor mudanças. Por que essas sugestões vieram somente agora?

Há um equívoco da sua parte. Eu não era senador quando a reforma do Judiciário foi para lá. Ela vai para Câmara em primeiro lugar, depois para o Senado. E quanto às outras medidas, em 1986 não havia isso. Como ministro da Justiça, tudo que foi que possível fazer, eu fiz. Se você verificar, vai ver no Ministério da Justiça a série de instrumentos que eu propus, como a lei de tortura — por mim instituída e que depois que o ministro Jobim aperfeiçoou –, como o fundo penitenciário que tem hoje muitos recursos e que está possibilitando a modernização dos presídios. Também foi feita por mim a Lei da Defensoria Pública.

Independentemente da sua posição pessoal, por que essas sugestões estavam há 11 anos tramitando?

Você falou de uma maneira como se eu estivesse lá e não tivesse feito nada.

O senhor não estava?

Não, não. Naquela época não havia essa problemática, a problemática é de hoje. A Lei Orgânica da Magistratura está na Câmara dos Deputados há quase 12 anos. Por isso a pedi de volta, para atualizar. Dos 11 ministros que fizeram o projeto inicial, somente quatro ainda estão no Supremo. De lá para cá, várias emendas foram aprovadas. Então, o Supremo encaminhar sua proposta e a Câmara vai votar do jeito que quiser. Tem lá um excelente presidente da Comissão de Reforma do Judiciário, que é o deputado José Eduardo Cardozo, que é da mais alta competência, e nós estamos torcendo para que seja votada logo.

Ministro, o senhor não acha que uma parte dos problemas do Judiciário é que, na verdade, por trás dessa imagem de desgaste, existe um enorme corporativismo por parte do Judiciário? Quero dizer, acho que a instituição mais corporativista que existe no Brasil é o Judiciário.

Você pode me dar um exemplo para poder responder o que é corporativismo?

Por exemplo, a sua entrevista nesse momento.

Como o que? O que eu estou falando?

O senhor atribui a todo mundo culpa do seu setor…

Quem eu estou culpando?

Espera aí. Posso perguntar? Enquanto a gente está discutindo aqui o tempo inteiro, o colega colocou uma questão muito importante. O povo brasileiro quer rapidez e o que ele exige é que decisão seja rápida. Mas o povo brasileiro também que ética, quer que o poder seja submetido a regras mais éticas, mais transparentes. Quando senhor fala do Poder Judiciário o senhor fala muito como corporativista. Juntando aqui todas as nossas perguntas, o que fica claro, pelas suas palavras, é: “Todo mundo é culpado de tudo. Mas quanto a nós, vocês não queriam discutir.”

Quem falou isso?

O senhor.

Não, eu sou o primeiro a reconhecer que as deficiências precisam ser supridas. Mas elas não são do interior do Judiciário.

Eu e o presidente da República estamos viabilizando entendimentos. O presidente me chamou, eu fui lá, ele me recebeu muito bem e eu propus um encontro para que traçássemos uma agenda de como deviríamos iniciar aquilo que seria uma grande transformação para melhorar a imagem do Poder Judiciário. Isso porque o Poder Executivo não deseja o desgaste do Judiciário. Nem o Legislativo deseja e nem a população. Isso porque apesar de suas deficiências, o Judiciário é a grande garantia do cidadão brasileiro.


Ministro, se isso não funciona ou leva vinte anos para funcionar, que garantia é essa?

Mas é por isso que estou reconhecendo que o processo é defeituoso e precisa haver uma modificação das estruturas básicas dos processos no Brasil, para que o juiz tenha condições de julgar mais rápido. Não estou dizendo que não haja juiz que mereça punição. Há sim. Aliás, o juiz que pratica uma irregularidade tem muito mais culpa e responsabilidade perante a sociedade do que qualquer outra pessoa.

A operação Anaconda assusta o senhor pela dimensão que ela atingiu?

Claro, sem dúvida. Há uma série de circunstâncias…

O senhor está envergonhado?

Estou envergonhado, absolutamente.

O senhor tem ouvido as gravações que estão sendo divulgadas?

Tenho ouvido, embora ainda não haja um julgamento definitivo. Agora, vale lembrar que quem mandou quebrar o sigilo dos envolvidos, embora integrantes do Judiciário, foi uma juíza do próprio TRF-3 e quem determinou prisão preventiva deles foi o próprio Tribunal. Isso é preciso saber. Sem que houvesse isso, não haveria apuração do existe até agora.

O senhor acha que sem o controle externo, o Judiciário pode transcorrer no curso de suas próprias investigações, o Judiciário pode se investigar? Por exemplo, essa operação Anaconda demorou anos para surgir. Ou seja, o senhor não acha que tendo um órgão de controle externo isso poderia ter sido antecipado, esses fatos poderiam ter vindo à tona antes?

Mas como que um fato externo chegaria na nossa frente aqui? Sinceramente não vejo como efetivar, através do controle externo, uma fiscalização dessa natureza.

Mas os juízes não estariam sendo monitorados ou pelo menos tendo serviços deles acompanhados mais de perto?

Mas tem acompanhamento de perto pela sociedade, pelos próprios corregedores, pelas partes. Mas quando estiverem julgando, o controle externo não pode interferir — a não ser que se prove que o juiz tal parte com irregularidade.

Por conta Constituição de 88, que assegurou muitos direitos à sociedade, houve uma demanda brutal pela Justiça. O senhor citou aqui, duas ou três vezes, a questão da súmula vinculante. Se o senhor fizer uma pesquisa entre os juízes perguntando quem é a favor e quem é contra, haverá uma divisão. Até o Supremo se divide.

Não é que se divide, deve ter uns três contra no Supremo…

Eu sei ministro. Mas cada vez que se escreve, cada vez que se fala sobre isso vem logo uma penca de juízes dizendo: “Estão querendo tirar o poder do juiz de primeira instância.” Ou seja, o próprio Judiciário precisa ter clareza de onde quer chegar e parece que não tem.

É porque o juiz de baixo quer examinar a questão, quer dar a interpretação dele. Ele acha que pode mudar aquilo, quer exercitar a criatividade jurídica dele naquele caso. Mas nós defendemos a súmula vinculante porque se o Supremo, a cúpula do Poder, já interpretou aquela tese, por que ela deve ser interpretada de novo? Mas há, isso sim, uma grande parte dos magistrados de primeira instância que são um atraso. Isso é democracia.

Por que o senhor não se posiciona formalmente o Judiciário em relação a esse assunto, como chefe do Poder?

Mas não tem jeito, isso aí é liberdade de cada um, cada um tem o direito de pensar como bem queira. Eu e a maioria dos ministros do Supremo defendemos a súmula vinculante, mais há muita gente que é contra. E, na verdade, quem vai decidir isso é o Congresso Nacional. Aliás, eu tenho dito isso para o ministro da Justiça, já dei a entender ao presidente da República: quem tem que decidir essas questões polêmicas é o Congresso Nacional. Se nós temos algumas questões que são consensuais, encaminhemos de uma forma tópica, fatiada como se diz por aí.

Por que é que no Poder Executivo existe o ministro da Justiça?

O ministro da Justiça existe hoje, para supervisionar a Polícia Federal, a Funai, os Presídios Federais, gira em torno disso.

Mas na cabeça do cidadão comum, o ministro da Justiça só tem a ver com a Justiça.

Os cidadãos confundem Receita Federal, Ministério Público, advocacia, polícia e juiz. O Judiciário é o juiz. Apesar disso, a imagem do Judiciário está desgastada, mas a do juiz não. Os juízes das comarcas do interior ainda são as figuras mais acatadas, mais respeitadas, mais queridas. Nas pesquisas no interior do Brasil, o juiz está acima do padre, do pastor, acima do promotor, está acima de todos, sempre em primeiro lugar. Como ele é respeitado e o Judiciário não? Por um defeito de estrutura. Se modificarmos essa estrutura para permitir que juiz possa agir com mais rapidez, eu tenho certeza que qualquer pessoa, por mais simples que seja, vai entender o papel do Judiciário, vai sentir que ele está cumprir o seu dever.


O senhor acha que essas pequenas medidas, como a ampliação dos Juizados de Pequenas Causas, da Justiça Itinerante, enfim, de simplificação de processo, é que vão resolver? Ou tem mesmo que mexer em questões mais macro para que o Judiciário melhore?

Nos Juizados Especiais Federais, o processo é sumário, oral, rápido e a prestação de salário é dada imediatamente. Por isso, o conceito dos Juizados tem crescido assustadoramente e daí a instituição de alguns instrumentos como Juizados itinerantes e outros mais que têm sido criados na Justiça Federal. O número de feitos julgados pelos Juizados Especiais de Pequenas Causas é, seguramente, maior que o da Justiça comum.

Precisamos de verbas para aumentar o número de Juizados Especiais, principalmente nos estados que têm uma situação econômica mais baixa. No Acre, por exemplo, eu sei que o resultado é maravilhoso.

Por que se não amplia esse sistema vitorioso, da forma que o senhor diz, para todo o Judiciário?

Estou de acordo. Se ele mudar a regra de processo está tudo bem, estou de acordo. É preciso mudar as regras processuais para permitir aos juízes que eles tenham condições de julgar mais rápido. É o que fazem os juizados. E, vale lembrar, que as circunstâncias são um poucos distintas em relação a causas de R$ 10 milhões, R$ 1 bilhão por exemplo. Não é a mesma coisa que julgar uma causa de 40, 60 salários mínimos.

Agora, ministro, já que o senhor está explicando um pouquinho para gente o funcionamento do Judiciário, eu gostaria de entender por que um juiz de Paripueira, que é um lugar lindo tem uma praia maravilhosa cheia de peixinhos, lá em Alagoas, ele pega uma caneta, assina um papel e suspende todo o processo de fusão da Varig e da TAM, que é o grande negócio do País em décadas? Por que esse juiz tem esse poder? O senhor concorda com isso?

É uma ação civil pública. Mas hoje tem uma delimitação, só tem validade no estado. Antigamente, tinha uma vastidão enorme e abrangia…

Isso depois de 88?

Sim, abrangia o Brasil todo, é um poder que o juiz tem…

Quantos juízes a gente tem no país?

Bom, a gente não tem uma estatística precisa porque há muitas vagas, mas o número deve girar em torno de 13 mil, neste momento.

Então, vamos tentar ajudar o telespectador a entender por que esse juiz de Paripueira, com que tipo de interesse para nação, enfim para o futuro do País, por que ele assina um papel e suspende a fusão da Varig e da Tam?

Olha, eu não sei a razão pela qual o juiz fez isso. Eu não sei quais foram os fundamentos que o advogado utilizou. Aí está um juiz, é o Estado prestando a Justiça. Se ele errou, eu não sei. Eu não estou defendendo o juiz, não conheço o processo.

Mas não é o excesso de poder?

Por isso que existe o Tribunal. Se o juiz comete uma insensatez há o recurso para o Tribunal respectivo.

Então, há 13 mil pessoas neste País que podem pegar uma caneta, assinar um papel e suspender o maior negócio da década?

Há 13 mil juízes no Brasil.

Privatização da Telebrás ou qualquer coisa?

Talvez tenha quatro, cinco ou dez que praticam, vamos dizer, artes dessa natureza. Como presidente do Supremo, não ponho a mão na cabeça de ninguém. Se o juiz errou, não é porque é juiz que vai ficar sem a devida punição pelo crime que cometeu .

Em vez de discutir só a questão processual discutir a Justiça macro?

Justiça macro nós estamos discutindo, tentando reforma processual, reforma dos códigos, esforço de gestão.

Você defende a idéia que haja uma frente ampla entre o Executivo e o Judiciário no que toca aos pontos consensuais?

Isso é importante porque o Executivo tem uma base de apoio muito grande no Congresso Nacional. Se nós estamos de acordo com determinada proposta que vai ser submetida ao Congresso, ela tem viabilidade de ser aprovada porque nós também temos aquelas pessoas com as quais nós podemos manter um diálogo e pedir a aprovação.

O telespectador Camilo Ranildo, de Tatuí (SP), que é oficial de Justiça pergunta se o senhor acha justo os funcionários do Judiciário marcarem greve, como os juízes fizeram para garantir sua aposentadoria?

Bem, qualquer greve que você faz nesse sentido não é legal.

Mas o lobby funcionou?

Lobby? Que lobby?

A ameaça de uma greve, de paralisação?

Não. Sabe que atrapalhou? Alguns deputados inclusive me falaram comigo que, se a greve continuasse, votaria contra a reforma da Previdência, votaria a favor da reforma do jeito que era. Então, ao contrário, a greve iria produzir efeitos negativos para os juízes. Aquilo foi um ato de desespero.

Quanto é que o senhor ganha, ministro?


Eu ganho os meus subsídios como ministro do Supremo, e ganho uma aposentadoria como ex-procurador do INSS. Também tenho uma pensão do antigo Instituto dos Congressistas (pouco mais de R$ 3 mil). Esse total deve dar R$ 26 mil, R$ 28 mil bruto.

Com a reforma o senhor teria que abaixar o salário?

Aí é que está, o Supremo é que vai entender. O meu propósito é cumprir o que está na emenda, mas isso aí eu acho que será objeto de apreciação pelo Poder Judiciário. Quando eu fui para o Supremo havia cancelado a aposentadoria, porque havia lá um recurso extraordinário sustentando que eu não poderia acumular proventos com vencimento, naquela época. Hoje são subsídios. Não havia ainda terminado o recurso, não tinha transitado em julgado, mas eu preferi, requerer ao INSS que suspendesse o meu pagamento, cancelasse a minha aposentadoria. E você sabe que foi uma luta para conseguir suspender a minha aposentadoria?

Eu requeri ao presidente Galoti, que era o presidente do Supremo, para ele encaminhar ao ministro da Previdência que cancelasse a minha aposentadoria. Então, foi cancelada a aposentadoria e eu só recebia os meus os vencimentos no Supremo. E o que ocorreu?

Veio a emenda 20, que estabelece o direito de acumular proventos com vencimentos, e o INSS mandou me pagar. E o que eu ganho lá no Senado esse três mil e pouco, é de um instituto inválido, que era o instituto do Congresso Nacional.

A PEC paralela vai preservar os ganhos e as perdas eventuais do servidor, não é?

Eu não sei se chegou a ser formulada exatamente nesse estilo. Eu cheguei a ver um texto lá no Supremo, inicial que eu não sei se é aquela que prevaleceu.

O senhor brigou tanto para ganhar menos, o senhor acha que ganha mais do que deveria ministro?

Mais do que deveria? Não. Eu acho que a remuneração dos juízes — R$ 17 mil no Brasil — é um patamar razoável para a responsabilidade de um homem que julga R$ 1 milhão, R$ 2 milhões de uma causa que está em suas mãos. E acho que tirando desses R$ 17 mil o imposto de renda e os encargos sociais, o juiz vai receber R$ 12 mil, que é o que recebo.

O telespectador João José Carvalho pergunta por que os processos — criminais ou representações — contra juízes são processados em regiões secretas, pelo menos em São Paulo, e o seu resultado não é publicado na íntegra no Diário da Justiça?

Isso é uma previsão de natureza legal. Agora, é preciso deixar bem claro o seguinte: quando o juiz pratica uma irregularidade e vem uma pena, por exemplo, que é o afastamento, ou que seja a aposentadoria, proporcional, isso é uma medida administrativa. Agora, quando há uma irregularidade praticada por esse juiz que ele esteja respondendo a processo crime, depois da sentença ter sido proferida, ele vai pagar pelo que fez e, seguramente, sei lá, demiti-lo sem direito nenhum.

O senhor está fazendo uma pequena reforma lá no Supremo não é?

Sim.

Parece que há ministros que pedem vista de processos e ficam com eles até seis, sete anos. Não sei como é que não gastam a vista, não é? Bom, agora o senhor está tentando limitar isso, né?

Isso é. Às vezes, com tantos temas de gravidade, não há condição de o Supremo dar vazão ao número exagerado de feitos que ele julga.

Agora, há casos que atrasam muito. Às vezes, há milhares de pessoas que estão esperando aquela decisão e há um pedido de vista de um determinado caso. Então, esse caso vai entupir, se me permitem usar esse termo, os caminhos de vários juízes do Brasil e dos Tribunais Superiores. Isso porque, se a tese está sendo apreciada e por um pedido de vista, o processo fica dois, três, quatro, cinco, oito anos com alguém, isso não é justo.

O que nós queremos é o seguinte, se um juiz não apresenta num determinado prazo, ele vai ser chamado e vai dizer se tem condições de julgar. Se não tiver, vai ser sempre chamado, até julgar, e todo mundo estará vendo.

Mas o que aconteceu com essa sua proposta?

Eu fiz a proposta e levei para a sessão administrativa. Realmente é um assunto um pouco delicado e disso resultou que houve um pedido de vista. Depois, pediu, trouxe, houve novamente uma preocupação houve um outro pedido de vista, mas seguramente que agora no início, no dia 11 (que parece que a sessão administrativa está marcada), nós vamos julgá-la.

Eu também vou submeter nesse dia a criação da Ouvidoria dentro do Supremo Tribunal Federal. Isso vai ser uma maravilha. A parte vai poder apresentar sua queixa por telefone, ou por qualquer meio que ela queira, por e-mail ou telegrama, e em quinze dias nós temos o prazo para responder, ela vai receber a resposta. Ela vai poder saber onde está o caso dela, o que houve. Também já tomamos muitas outras medidas no Supremo, como a atualização das súmulas.


Quando o senhor deu aquelas declarações, o senhor estava falando, é claro, em nome do que o senhor acha que é a média da opinião dos seus pares. Mas o senhor não acha que o fato de externar aquilo de uma forma tão veemente contribuiu para acirrar os ânimos com o Executivo? O senhor se arrepende, em alguns momentos, das declarações que fez e até de ter comentado coisas específicas do governo?

Não me arrependo, porque acho que cada Poder tem que respeitar o outro. Nós estamos em uma fase de empreendimento, não pretendo reiterar certas coisas que eu poderia criticar, mas não estou criticando.

Poderia, porque eu acho que nós temos que trabalhar harmonicamente. Mas quando eu iniciei a gestão, estava acontecendo aquilo e eu estava sendo tratado como um departamento. Ligava para resolver um problema, não obtinha respostas. Eu tentava, eu, chefe do Poder Judiciário… Imagina um deputado, imagina um outro aí que tenha alguma coisa para resolver no governo e que não é atendido.

Mas, espera aí. Eu estou querendo entender isso. O senhor tem críticas ao governo, o senhor tinha naquele momento e o senhor tem hoje. Mas naquele momento o senhor falou que estava zangado. E agora, o senhor não fala por que?

Não, eu falei que estava zangado, eu falei porque eu devia falar, porque eu sou o Poder Judiciário. E eu estou aqui, estou vivo e vocês me respeitem…

Então, qual é a sua opinião sobre o governo Lula?

Eu acho que o governo Lula foi eleito de uma maneira espetacular pelo povo brasileiro e que a ansiedade que o povo tinha, quer dizer, aquela expectativa, não é aquela…

O senhor está decepcionado?

Não. Eu não digo isso. Eu não vou dizer isso porque se estou num terreno de entendimento, quero manter esse entendimento. Olha, evidentemente, se ocorrer um fato que eu entenda que deva falar, eu falaria.

Então o senhor usa a crítica ao governo de acordo com a oportunidade, é isso? O senhor critica quando o senhor quer brigar, mas aí quando fica…

Não, em primeiro lugar eu quero ser respeitado. Eu sou o Poder, eu quero ser respeitado. E em segundo lugar, se houver algo que mereça minha crítica, eu falarei. Eu não serei crítico de uma viagem do presidente da República de oito ou dez dias. Não serei. Deixa o presidente viajar.

E a política econômica?

A política econômica do governo eu acho que está boa, se é isso que você quer ouvir.

E o que não está bom?

Não, eu não vou dizer, eu não quero entrar no terreno político. Eu falei o que eu tinha que falar para ser respeitado. Acabou. Eu sou o Poder, portanto, eu posso falar. Agora, eu não tenho que me preocupar de pedir nada ao governo, eu não tenho que me preocupar onde vou arranjar verba. Eu preciso de recurso, mas eles têm que vir num contexto de respeito entre os Poderes. Só isso.

Ministro, a sua militância política, histórica sempre esteve muito mais do lado esquerdo, de forças progressistas. E agora, na hora que chega pela primeira vez um governo realmente de esquerda, mais dito de esquerda, o senhor se desentende com ele. O que aconteceu nesses vinte anos? O senhor ficou mais conservador ou é o governo que não lhe agrada?

Não, eu sou o mesmo. Eu acho que a mudança foi por parte de quem assumiu o governo. Eu continuo com as mesmas idéias. Mas tudo bem, esse é o modelo com que o presidente se elegeu, assumiu e é problema dele. Eu acho que não vim aqui para repetir ou falar sobre conceitos que eu tenha sobre a Presidência da Republica. Eu acho que eu não devo falar. Na hora de falar com o presidente, se ele quer se entender comigo, como é que eu vou falar dele?

Se fosse para elogiar… O senhor falou que não iria falar porque não faria elogio.

Não, mas eu elogio. Eu acho que tem que manter essa situação que está sendo mantida na economia para o Brasil ter viabilidade. Eu acho que é isso.

Durante a ditadura, o Judiciário ficou de joelhos, em sua grande maioria, com algumas exceções. O próprio Supremo Tribunal Federal, em alguns momentos, teve atitudes independentes, mas o fato é que naquele período, da ditadura, o Judiciário não era um poder autônomo e independente, não é verdade? O senhor concorda comigo que isso tem uma origem?

Concordo. Fizeram um ato e mudaram a estrutura do Supremo, criando mais ministros. Eram dezesseis ministros.

E esse golpe de 64, que comemora agora 40 anos, ou da revolução, como alguns falavam, ele surgiu, em boa parte, porque ignorou o caminho do Congresso, o caminho das reformas. Agora, 40 anos depois, a gente tem um governo com problemas sérios de reformas, essas que estão sendo transitadas e negociadas por intermédio do Congresso. O senhor acha que isso é um avanço?

Sem dúvida. Não me oponho a isso, não. Eu acho que a reforma tributária é necessária, acho que a reforma da Previdência era necessária. Essas medidas são necessárias e o governo está conseguindo fazer isso porque ele tem a maioria no Congresso. O PT, hoje, é o maior partido, não é isso? No Senado, o governo também tem uma boa representação. Enfim, é uma base espetacular, com medidas, digamos de entendimento político…


Nesse cenário atual, que existe do ponto de vista do Legislativo e do Executivo, que tipo de relacionamento o Judiciário tem que ter com esses outros dois Poderes?

Esse relacionamento que eu propus, com o Legislativo não há problema nenhum. O presidente Sarney abriu as portas do Senado, é um entendimento maravilhoso. O deputado João Paulo Cunha idem. Agora, estou esperando que o presidente da República me dê uma resposta sobre o que eu propus. E é o ministro da Justiça que ficou de ir lá para tratarmos de uma agenda.

Querem discutir sobre controle externo? Vamos discutir. Querem discutir sobre o efeito vinculante? Vamos discutir. Vamos discutir quais são as reformas necessárias? Vamos. Tudo o que quiserem será discutido. Eu não disse que estou oferecendo a sede do Supremo para instalar um órgão desse para trabalhar conosco em parceria?

Ministro, eu sei que o senhor retirou da Câmara o projeto relativo à Lei Orgânica da Magistratura.

O projeto da Lei Orgânica estava lá há quase 12 anos. Ficou defasado. Várias emendas foram introduzidas e o texto ficou completamente fora do tempo. O que nós fizemos? Eu recebi um pedido da Associação Brasileira dos Magistrados e achei que estava correto o entendimento deles. E eu fiz o pedido de retirada para que uma comissão, que é presidida pelo ministro Carlos Veloso, um juiz experiente, de carreira, que vem lá de baixo, junto com mais dois colegas, o ministro Peluso e o ministro Gilmar examinem e nos apresentem um esboço de projeto.

A Lei Orgânica é do tempo do regime militar, do governo Figueiredo, 1979, não é?

É.

O senhor acha que tem que mudar ou está bom assim?

Eu acho que tem que mudar, até porque veio a Constituiçãoe mudou muitas coisas. Esse projeto foi enviado para compatibilizar o que a Constituição de 88 determinou para o Poder Judiciário e a sua Lei Orgânica. Mas ficou muito tempo e se desatualizou. Agora, o presidente da Comissão de Reforma do Judiciário da Câmara tem o maior interesse, é um relator excelente, um homem que conhece profundamente. Era suplente foi convocado e agora não está lá. Mas é um homem da mais alta competência jurídica, que era o relator. Espero que ele volte e reassuma esta função de relator, pois é um profissional maravilhoso.

Discute-se agora que o próximo Congresso seja transformado em um Congresso Constituinte, para poder enxugar a Constituição e fazer votações mais rápidas. O senhor defende a instalação desse Congresso Constituinte? Não sei exatamente qual o formato, o senhor tem um formato?

Eu diria a você que, nesse momento, eu não tenho um juízo formado sobre isso. Mas, em princípio, eu acho que a atualização da Constituição está sendo feita através de emendas que estão sendo propostas. Essas emendas não tinham viabilidade no governo Fernando Henrique. A reforma da Previdência do governo Lula, por exemplo, é praticamente a mesma do presidente Fernando Henrique. Por que ela não passou? Porque o presidente Fernando Henrique não tinha tanta base, porque o PT não queria, vários partidos não queriam. Agora que o PT está no governo, tem uma maioria e se somou a uma boa composição parlamentar, ele consegue aprovar aquilo que deveria ter sido aprovado há muito tempo.

Estou feliz com isso. Acho que a reforma tributária onera um pouco o contribuinte, mas acho que o Executivo e os membros do Congresso têm uma avaliação muito mais perfeita do que eu.

Ministro, na reforma da Previdência o governo mudou aquela primeira proposta porque o senhor limitou? Ou o governo aproveitou o seu grito para mudar, estava doido para mudar?

Mudar o quê? A Previdência?

Não, a reforma da Previdência.

Não, o governo, na verdade, deu a paridade, não a integralidade — ou o inverso, não me lembro. Então, ficou faltando uma. Mas o que o governo não deu, conseguimos na Câmara, que também aprovou, finalmente, a questão do subteto nos Estados.

Quando começou aquela negociação, quando o senhor foi para a casa do João Paulo com os parlamentares, o governo negociou porque o senhor gritou e não queria aquela reforma, ou o governo… Quem foi ao encontro ali?

Eu não tenho dúvidas. Porque eu desconheço, porque não havia possibilidade…

Depois que o senhor gritou.

Eu tenho a impressão que sim.

Uma coisa que me impressionou com isso. O senhor disse que tem uma aposentadoria, voltando um pouco à sua renda, o senhor disse que tem uma dessas aposentadorias relacionadas com o Instituto do Congresso.

É

Como senador?

É, como senador.

O senhor disse: “Olha, inclusive é uma instituição privada.” Mas o orçamento do Congresso é público, ainda que o senhor achasse…

Eu contribuo porque hoje o INSS é que assumiu…


Sim, mas ainda que os senhores contribuam, o valor que te pediram para pagar nunca correspondeu ao que os parlamentares contribuíam. O senhor não acha que esse é um dos problemas do Brasil? Que as pessoas de certos grupos dispõem muito facilmente do dinheiro público e outros não conseguem chegar, nem passar perto do cofre?

Olha, eu não tenho nenhum preconceito em relação a isso. Não para mim, se….

Eu também não estou fazendo nenhum conceito moralista, mas é uma questão…

Eu acho que essa é uma questão que seguramente vai chegar no Supremo Tribunal Federal. Se o Supremo entender que tem que ter corte, é preciso que se corte. Eu não devo abrir mão, se há um direito que é definido na Constituição. Mas se o Supremo decidir que não pode receber mais, eu não recebo, sem problema. Eu acho que é um direito que a gente tem.

Há outra coisa que ficou para trás, mas agora acho que é hora de encaixar. Eu sinceramente não fiquei satisfeito com a sua resposta sobre a chácara. Eu não sei se o senhor concorda comigo mas, o senhor é magistrado e presidente do Supremo Tribunal Federal, do Poder Judiciário… Eu vou falar aqui uma frase lugar comum, mas, para todo mundo, um homem público, e ainda mais o presidente do Poder Judiciário, tem aquela questão da mulher de César — não basta ser, tem que parecer. Eu não consigo entender o porquê, se a chácara é sua…

A chácara é arrendada por mim.

Sim, então quer dizer que ela é sua. E tem uma pessoa lá, que, tudo bem, é da sua família, mas eu não consigo entender que o presidente do Poder Judiciário, não cuide, ainda que, não seja o senhor que contrata, mas não cuide, e que possa haver alguém lá trabalhando daquela forma, sem carteira…

Ah, eu afirmo e…

Mas como é que o senhor permite que, ainda que arrendada, alguma coisa que é de sua propriedade, tem alguém lá, que não tem carteira assinada. Por que?

Mas eu nunca permiti isso, nem nunca sabia que isso existia. Eu estou sabendo agora a parte que o senhor já sabe. E também não sei se é ilegal até agora, porque pelo que ele me falou as carteiras foram regularizadas. Eu creio que foram regularizadas. Agora, por parte dele, note bem, ele chegou lá, fez três baias e contratou um empregado dele. Eu não fiscalizei o empregado dele. Ele é que paga o empregado dele. Agora, se houvesse qualquer obrigação subsidiária, mas acontece que não existe a relação de emprego entre ele e o empregado. Eu determino, se estiver errado: “Resolva, legalize.” Foi legalizado. E isso não é crime. Se houve erro dele, está legalizado. Mas eu não sabia. Se soubesse, teria determinado imediatamente que legalizasse.

Depois que o senhor deixar o Supremo, o que o senhor pretende fazer?

Olha, eu vou fazer 70 anos e quero é sossego na minha vida.

Pelo empenho aqui na briga do Roda Viva não parece.

É porque eu sou assim, eu defendo com convicção as minhas causas, não tenho medo de expô-las. Eu vim aqui para ser vasculhado. Hoje eu disse para mim: “Você tem que falar.” Então, vamos falar. Vocês estão querendo perguntar e eu acho que eu estou respondendo. Se as minhas respostas não satisfazem, o que eu vou fazer? Eu estou tentando transmitir a pura verdade.

Mas agora, o que o senhor vai fazer?

O que eu vou fazer? Eu com 70 anos, com essa saúde que Deus está me dando… Eu acho que vou montar um escritoriozinho de advocacia pequeno, modesto, para ver se eu atualizo aí alguma coisa de ideal na vida.

Sem abusar dos recursos, como advogado.

Tem a quarentena, não é?

Ah! Sim, mas se houver a quarentena, respeitemos a quarentena.

Muito bem, ministro muito obrigado pela sua entrevista, obrigado por essa iniciativa que não só aqui, mas no Brasil inteiro, os juízes têm se disposto a abrir o jogo, abrir o verbo. É uma iniciativa louvável que só tende a melhorar o entendimento desse Poder tão importante para o Brasil.

Eu quero agradecer o convite que você me fez e a todos que participaram, pedir desculpas pelo excesso de linguagem que usei aqui, e aproveitar a oportunidade para agradecer a imprensa brasileira, que nos deu uma espetacular, uma extraordinária cobertura, para que os juízes do Brasil inteiro pudessem falar hoje. Muito obrigado a você e a todos que estão aqui presentes.

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