Sexta-feira, 27 de fevereiro.

Primeira Leitura: viagem de Lula a Caracas expõe desgaste de Dirceu.

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27 de fevereiro de 2004, 16h02

Água fria

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, divulgada, foi muito mais dura do que esperava o mercado financeiro. A possibilidade de o Copom sinalizar a retomada do processo de redução da taxa básica de juros, mantida em 16,5% ao ano em janeiro e em fevereiro, caiu por terra.

Água gelada

Em lugar de uma manobra suave na direção de uma avaliação mais branda sobre os riscos inflacionários — expectativa de analistas baseada no recuo dos últimos índices de inflação –, os diretores do BC reafirmaram os termos alarmistas da ata de janeiro e avisaram que o momento requer “cautela adicional da condução da política monetária” pois haveria, na opinião deles, “probabilidade concreta de que a inflação volte a se desviar da trajetória de metas”.

Rigidez

O BC não se refere à possibilidade de enfrentar a alta de preços decorrente da sazonalidade e do aumento de commodities utilizando a margem de flutuação da meta de inflação, que seria de dois pontos para mais ou para menos. Refere-se tão somente ao centro da meta, de 5,5% neste ano, numa rigidez praticamente sem paralelo nos bancos centrais do mundo — exceção feita, talvez, ao ultraortodoxo Banco Central Europeu (BCE).

Correção de rota

Se o Banco Central não corrigiu a rota, o mercado, surpreso com a dureza do documento, o mercado tratou de corrigir a sua. Os juros no mercado futuro tiveram alta forte e generalizada. Os contratos com vencimento em janeiro de 2005 — que são os mais negociados — subiram 0,63%. A Bovespa registrou queda de 0,74%. E a taxa de risco do Brasil subia, no fim da tarde, 1,04%, para 581 pontos.

A velha conta

Investidores já começam a fazer o seguinte raciocínio: com o aparente fim do ciclo de redução de juros — reforçado pela crise política no governo Lula com o caso Waldomiro — a relação dívida/PIB do Brasil pode até aumentar, ainda que o país faça o superávit de 4,25% do PIB pelo segundo ano consecutivo. A dívida aumenta por causa dos juros altos, e o crescimento do PIB diminui pela mesma razão.

Receita de fracasso

Adicione-se a essa deterioração dos fundamentos macroeconômicos o desgaste político do governo com o novo adiamento do crescimento. Em resumo, mesmo sem novas revelações do caso Waldomiro, o governo Lula afundou um pouco mais em crise ontem.

Enquanto isso…

O desemprego na região metropolitana de São Paulo em janeiro atingiu 19,1% da população economicamente ativa (PEA), segundo pesquisa da Fundação Seade-Dieese. É a maior taxa verificada para o mês de janeiro desde 1985, quando a pesquisa começou a ser feita. Até então, o recorde era de janeiro de 2003, quando o desemprego atingiu a marca de 18,6%.

Menos empregos

Em relação a dezembro último, a taxa se manteve estável. A estabilidade, contudo, foi provocada pela saída de 127 mil pessoas da população economicamente ativa (PEA) e não pela geração de novos postos de trabalho. No mês passado, 103 mil empregos foram eliminados.

Assim falaram… os funcionários de Bingos

“Zé Dirceu, teu emprego custou o meu.”

Frase escrita numa enorme faixa carregada por funcionários de bingos, em protesto realizado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Agenda vazia

A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Caracas, na noite de ontem, expõe o desgaste do ministro José Dirceu (Casa Civil) com o caso Waldomiro — o ex-assessor de Dirceu Waldomiro Diniz aparece em vídeo de 2002 cobrando propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira. A agenda de Dirceu para esta quinta-feira estava esvaziada, em contraste à intensa atividade que o ministro manteve quando Lula visitou países árabes, em dezembro, e durante a visita do presidente à Índia e à Suíça, em janeiro. Nessas ocasiões, Dirceu assumiu o papel de primeiro-ministro informal, reuniu-se com vários ministros e deu declarações como se fosse o presidente. Agora, entretanto, sua agenda não previa nenhum encontro com integrantes do chamado “núcleo duro” do governo. De última hora, o ministro foi incluído na comitiva que, na manhã de ontem, acompanhou Lula a Belém.

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