Ilusões perdidas

Financiamento público de campanhas aperfeiçoa democracia

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27 de fevereiro de 2004, 14h58

O homem suporta tudo, menos a ameaça e a perda de sua liberdade.

O desconhecimento ou a não-valorização dessa verdade pôs a perder a experiência socialista inaugurada em 1917.

Depois que os gregos inventaram a democracia (em grego: demos = povo + kratos = poder), a luta do homem contra seu algoz tem sido a insistência pela implantação desse regime de governo.

Devemos saber que a democracia grega se caracterizava e aplicava da seguinte forma: reuniam-se os cidadãos (nem todo povo era cidadão, mulheres e escravos estavam excluídos desse conceito) em praça pública (chamada ágora) e decidiam o que tinham que decidir. Tomada a decisão, era escolhido, por sorteio, qualquer um daqueles cidadãos para executá-la.

Sócrates, segundo Stone, em O Julgamento de Sócrates, abominava e debochava da democracia (essa a maior razão de sua morte), por entender que apenas os melhores deviam governar.

Seja como for, a proposta democrática é muito atraente (Aristóteles na sua obra “A política”, afirmou que “entre todos os bons governos, tais como a oligarquia perfeita e os outros, a democracia é o pior, mas que é o melhor entre os maus”. [Editora Edipro, p. 194]. Frase que foi parafraseada, sem o devido crédito, por Churchill, milênios depois, ao dizer: “democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras que foram tentadas, de tempos em tempos”), pois nada mais natural que aquele em nome de quem e para quem o governo governa seja o responsável pela escolha do governante. Com essa escolha o cidadão se sente privilegiado em sua opinião e responsável pela escolha realizada.

Democracia como “governo do povo, pelo povo e para o povo”, foi

conceituada por Daniel Webster em discurso em 1830, embora receba a fama Abraham Lincoln, por tê-lo repetido 33 anos depois em pronunciamento em Gettysburg, segundo informa Arend Lijphart em Modelos de Democracia, São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 17.

Eis que a sociedade cresce, se desenvolve, tornando impossível reunir a população que deve escolher seus governantes na praça pública. Surge a chamada democracia representativa. O povo não mais governa diretamente, deve escolher representantes para fazê-lo em seu nome.

Esse é o grande filão sobre o qual irá “trabalhar” o capitalismo. Põe-se ao lado do cidadão para implantar o regime democrático, acusando o reinado de despótico, arbitrário e insensível ao sofrimento popular. Quem poderia ser contra? Apenas os déspotas, mas estes, tendo contra si o povo, rapidamente sucumbirão. Quem assumirá seus lugares? Representantes do povo.

Tudo muito bem pregado, defendido e implantado, não?

Nem tanto. Surgirão empecilhos no meio do caminho e, quando descobertos pelo povo, este já não terá mais como voltar atrás. Quais os empecilhos?

A democracia, que se dava em praça pública, precisará ser exercida em grandes espaços geográficos. Quem terá disponibilidade de tempo para ficar viajando de um lado para o outro do Brasil, por exemplo, sem prejuízo do sustento de sua família para apresentar suas propostas de governo? E capital (dinheiro) para bancar as despesas de viagem e, agora, veiculação de propostas pelos meios de comunicação?

Poucos, muito poucos, ou melhor, pouquíssimos, podem fazer isso. Ou seja, apenas os donos do capital. Foram eles, então, por si, ou por seus prepostos, que passaram a exercer o poder público, a governança. Tudo em nome da democracia, no entanto.

Mas que democracia é essa em que os cidadãos despossuídos (sem capital) não têm a mínima chance de concorrer em igualdades de condições com os possuidores (o capitalista)?

A democracia é o único regime em que todos têm igual oportunidade de exercer o poder? Não, definitivamente não. Apenas os donos do capital podem eleger-se a si próprios ou aos seus porta-vozes. No entanto, continuam afirmando que há a igualdade democrática que há muito eles compraram e da qual se apropriaram.

Pensando nisso, é o que vem fazendo o PT. Chegou ao poder e está instalando em todos os cargos possíveis seus filiados, dos quais arrecada o “dízimo” eleitoral, que irá reforçar seu caixa de campanha.

E quando não existem os “cargos possíveis”? Não há problema, criam-se novos (recentemente foram criados quase 3.000 cargos de confiança), a serem preenchidos por correligionários-companheiros.

Hoje, não existe mais democracia na pureza conhecida pelos gregos. Existe atualmente a “dinheirocracia” ou “capitalcracia”, o demos foi riscado do mapa. Vejam-se duas notícias colhidas em jornais:

“Campanha é mais dinheiro que política”. “A atual fase da eleição norte-americana depende, quase exclusivamente, de dinheiro. Terá dinheiro quem mostrar resultados e terá resultados quem tiver mais dinheiro” (Folha de São Paulo, 08.02.04). E n’O Estado de São Paulo de 07.02.04: “No velório de democrata, em vez de flores, dinheiro para deter Bush”. E: “parentes de mortos pedem doações para grupos que trabalham contra o presidente”. E olha que todos decantam em prosa e verso que se trata da maior democracia do mundo! O que será, então, das menores democracias do mundo.

Em democracia não existe grau. Ou se é ou não é democrata e ponto final.

O Estado Americano do Norte, no entanto, está inventando uma nova forma de democracia. O laboratório é o Iraque.

Invadiram a Mesopotâmia com o pretexto (um deles) de levar a democracia ao Iraque. Agora, que estão no poder, não querem eleições, as quais estão sendo prometidas para o ano de 2005.

Motivo para não realizarem eleições: elas serão vencidas pelos muçulmanos xiitas, inimigos dos americanos. Isso é a democracia americana.

Tudo isso vem comprovar a assertiva do Millôr: “democracia é eu mandar em você, ditadura é você mandar em mim”.

Manda, portanto, quem tem capital para comprar o mandato.

O que fazer?

Educação para a conscientização ainda é o antídoto. Embora a Itália, ao eleger Berlusconi, teime em dizer o contrário. Mas é a exceção à regra geral.

Essa a razão pela qual a educação é tão esquecida por quem por ela tem responsabilidade, obrigação. Agora até mais que nunca, afinal, o nosso presidente nem precisou estudar e é presidente.

Outra possibilidade de aperfeiçoamento da democracia está no financiamento público das campanhas eleitorais (afinal, de forma esdrúxula, elas já são financiadas pelo povo), onde todos poderão ter iguais oportunidades, por mínimas que sejam, já que hoje não têm nenhuma. É isso, aliás, que o PT está fazendo e os outros sempre fizeram, todos, contudo, sobe o mesmo lema: sempre em benefício exclusivo daqueles que detêm o poder.

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