Força-tarefa

Proibição de investigação pelo MP vai prejudicar caso Banestado

Autores

  • Carlos Fernando dos Santos Lima

    é procurador regional da República mestre em Direito pela Universidade Cornell (EUA) e membro da força-tarefa da operação "lava jato".

  • Vladimir Aras

    é professor da UFBA e do IDP integrante do MPF mestre em Direito Público (UFPE) doutor em Direito (UniCeub) especialista MBA em Gestão Pública (FGV) e membro-fundador do Instituto de Direito e Inovação (ID-i).

26 de fevereiro de 2004, 18h16

É com preocupação que assistimos às investidas de institutos de ciências criminais e de algumas autoridades contra o poder investigatório do Ministério Público, assim como decisões isoladas do STF e de outros tribunais brasileiros dando espaço a tais idéias. Reconhecemos a importância do trabalho da Polícia Federal e das Polícias Civis em todo o País. No entanto, não podemos deixar de ressaltar que, em muitos casos, é a investigação direta do Ministério Público que consegue elucidar complicadas tramas criminosas, principalmente quando estas se verificam no seio da própria Administração Pública e quando são praticadas por autoridades públicas.

Parece-nos que a questão, posta de forma distorcida à consideração da opinião pública nacional, não é jurídica, e sim política. Do ponto de vista constitucional e legislativo, é evidente que o Ministério Público – tanto o Federal quanto o dos Estados e o do Distrito Federal – pode realizar investigações criminais para a formação de sua convicção na propositura de ações penais, evitando lides temerárias. Como titular da ação penal pública e sendo dispensável o inquérito policial, de acordo com o próprio Código de Processo Penal, não há óbice algum a tais apurações diretas pelo Ministério Público, máxime quando se tem em mira atender o interesse público de persecução penal.

Em vários países do mundo, como os Estados Unidos, a Itália e França, são os promotores e os procuradores da República que dirigem as investigações policiais, encarregando-se depois de sustentar as demandas criminais em juízo. Por que no Brasil, que se espelhou no modelo europeu de Ministério Público, seria diferente?!

A questão tem aparência de corporativa, mas, no fundo, é o interesse público que está em jogo. Instituições independentes têm insistido na mantença do poder investigatório do Ministério Público, como essencial ao regime democrático. Não há, na Constituição, monopólio de investigação. Organizações internacionais como a ONU e o Conselho da Europa admitem a existência de promotores investigadores e recomendam esse modelo aos Estados-membros. É o que se lê nas “Diretrizes sobre a Função dos Promotores” no sistema de Justiça criminal, aprovadas pelo 8º Congresso das Nações Unidas sobre a Justiça Penal e o Tratamento de Delinqüentes, ocorrido em Havana, em 1990 (diretiva n. 11), assim como no item 3 da Recomendação n. 19, de 2000, do Conselho da Europa, intitulada “O Papel do Ministério Público no Sistema de Justiça Penal”. É o que se lê também nos itens 25 a 27 e 87 do relatório da enviada especial ASMA JAHANGIR, divulgado em 24 de janeiro de 2004 pela Comissão de Direitos Humanos da ONU.

A quem favorece o movimento que se levanta contra a possibilidade de investigações diretas pelo Ministério Público? A resposta é uma só: os favorecidos serão pessoas poderosas e os criminosos de “colarinho branco” que nunca viram suas atividades ilícitas investigadas pelos poderes públicos e que nunca se viram punidos pelos seus delitos, lesivos aos interesses mais relevantes da nação.

A vingar a proposta que pretende mutilar o Ministério Público brasileiro, retirando-lhe um fundamental instrumento de combate à impunidade, importantes investigações criminais serão encerradas ou enormemente prejudicadas, em todo o Brasil, a exemplo das apurações do caso Banestado, que tem sido desenvolvidas em vários pontos do Estado do Paraná e também por meio de diligências diretas do Ministério Público Federal, nos Estados Unidos. As investigações realizadas pelo Ministério Público Federal para identificar os participantes do esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas no Banestado serão fulminadas com a proibição da apuração direta. As provas já colhidas nos inúmeros processos e inquéritos poderão ser invalidadas e pessoas detidas ou condenadas liberadas, pelo reconhecimento da nulidade dos indícios colhidos diretamente pelo Ministério Público. E não apenas este caso será atingido. Haverá, sim, um caos no sistema processual penal, para a alegria e o regozijo daqueles que ocupam seus dias maquinando planos para locupletar-se do dinheiro público e para violar a lei. Haverá, em suma, mais impunidade no País.

Não é o homem comum, o pobre cidadão brasileiro, que, em regra, é objeto das investigações criminais diretas do Ministério Público por todo o País. Nesses apuratórios, quase sempre são homens poderosos que ocupam o posto de suspeitos e depois o banco dos réus, como antes não se via. Estes, sim, é que se ressentem da intransigência do Ministério Público na defesa da ordem jurídica e da punição severa para os que violam a lei penal, sem distinção de classes. Para o cidadão comum, o que importa é que a lei valha para todos, e não quem investiga, se a Polícia ou o Ministério Público.

Qual será então o resultado desse movimento supostamente democrático de tais entidades, que agora vêem no Ministério Público o “inimigo público número 1”? Qual será o objetivo oculto, por trás da inacreditável alegação de que o Ministério Público é o responsável por violações aos direitos fundamentais dos investigados e acusados? Querem mesmo esses autoproclamados arautos da democracia proteger o interesse público, a segurança e o bem-estar dos cidadãos? Querem mesmo a punição de corruptos? Ou querem apenas, como defensores de criminosos de “colarinho branco”, advogar o interesse de seus próprios clientes?!

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