Nova tentativa

Fadesp insiste em banir grampos de telefones de advogados

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26 de fevereiro de 2004, 15h04

A Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo (Fadesp) quer que o Plenário do Supremo Tribunal Federal examine o habeas corpus impetrado em favor de advogados. A Fadesp não quer que operadores do Direito sejam grampeados indiscriminadamente. O ministro Celso de Mello mandou arquivar o HC.

A Federação entrou com agravo regimental. O recurso é assinado pelo advogado Celso Renato Dávila.

Segundo o vice-presidente da Fadesp, Ricardo Hasson Sayeg, disse que a entidade estuda a possibilidade de fazer uma representação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por violação ao pacto São José da Costa Rica.

“Vamos também reclamar dos grampos na comissão de controle externo assim que ela for criada”, disse Sayeg.

Segundo ele, a Fadesp não vai parar a luta contra o monitoramento de advogados. O vice-presidente da Fadesp lembrou que os grampos telefônicos ferem o direito de conversa reservada com clientes.

Conheça o recurso ajuizado no STF

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO CELSO DE MELLO, M.D. RELATOR DO HABEAS CORPUS 83.966-5 DE SÃO PAULO, EM TRAMITAÇÃO NESTE EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

REF.: H.C. 83.966-5/SP

A FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DOS ADVOGADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO, impetrante do Habeas Corpus em referência, em favor dos ADVOGADOS INSCRITOS NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) – SECCIONAL DE SÃO PAULO, não se conformando, maxima venia, com a r. decisão de indeferimento da inicial, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, representada por seu advogado que ao final subscreve, interpor recurso de AGRAVO, a fim de que dele conheça o órgão colegiado competente nesse Excelso Tribunal, na hipótese de não vir a ser essa decisão reformada pelo Ilustre Relator, por ocasião do juízo de retratação, cabível nessa espécie recursal.

Apresentando em anexo suas razões recursais, espera a Impetrante que Vossa Excelência, diante dos argumentos ali expostos, bem como em face da relevância da impetração, que pretende afastar gritante inconstitucionalidade e aberrante violação de garantias e de preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, haja por bem reconsiderar a r. decisão agravada, dando por superados quaisquer obstáculos formais para determinar a recomposição da ordem jurídica agredida, com a concessão da medida pleiteada, pelo menos até que este Supremo Tribunal Federal, órgão maior do Poder Judiciário e responsável pela preservação do Estado de Direito, venha apreciar a matéria destes autos por seu colegiado maior, de forma definitiva.

Nestes termos, pede deferimento.

Brasília, DF, 20 de fevereiro de 2.004.

CELSO RENATO D`AVILA

– Advogado –

RAZÕES DE AGRAVO

HABEAS CORPUS 63.966-5/SP

AGRAVANTE-IMPETRANTE: FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DOS ADVOGADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO

AGRAVADO-COATOR: SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,

Honrados Ministros.

Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor dos Advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, (OAB) – seccional de São Paulo, diante do constrangimento ilegal que vêm sofrendo e que está para atingir indiscriminadamente todos os membros da nobre classe dos advogados, sem exclusão de quem quer que seja, por conta da violação ao direito-dever de comunicação reservada com seus clientes, em razão das constantes, inadmissíveis, inconstitucionais e ilegais interceptações de linhas telefônicas pertencentes sabidamente a advogados inscritos na OAB, no Estado de São Paulo, ocorridas sob a lacônica justificativa de investigação criminal, por iniciativa do Ministério Público Federal, com a complacência da autoridade coatora, o Senhor Procurador-Geral da República, chefe e representante do Ministério Público Federal, a quem compete coibir os abusos cometidos pelos demais membros desse órgão.

Ocorre, entretanto, que inobstante a relevância da impetração e mesmo diante da flagrante violação das garantias e preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, que atinge a toda a sociedade brasileira e, em especial, a nobre classe dos advogados, impedindo o livre exercício de seu poder-dever de assistência e de representação de todos aqueles que têm seus direitos e liberdades de alguma forma agredidos, o Ilustre Ministro Relator Doutor Celso de Mello, apegado a um exarcebado formalismo, fazendo tabula rasa dos princípios da instrumentalidade e da proporcionalidade, acabou por não conhecer da impetração, mantendo e “apadrinhando”, assim, esse deplorável e tirano procedimento do Ministério Público Federal que, repete-se para destacar, AGRIDE FLAGRANTEMENTE AS MAIS ELEMENTARES GARANTIAS E SALVAGUARDAS PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA, comprometendo, pois, o Estado Democrático de Direito.

Reportando-se à integralidade de suas razões de impetração, para não se tornar repetitivo, o Agravante passará a demonstrar a fragilidade dos argumentos utilizados pelo Senhor Ministro Relator para a denegação da ordem de Habeas Corpus, especialmente em face dos valores e das garantias que essa medida procura preservar.

Antes, porém, importa tecer breves considerações a respeito do princípio da proporcionalidade, desconsiderado pelo Nobre Ministro Relator.

Discorrendo sobre o Princípio da Proporcionalidade e das Garantias Constitucionais, leciona Suzana de Toledo Barros, que a Constituição Federal de 1988 sinalizou mudanças substanciais para dar especial proteção aos direitos fundamentais, <<mantendo a garantia da eternidade (art. 60, § 4º, IV) e o princípio da reserva legal (art. 5º, II), ampliou o princípio da proteção judiciária (art. 5º, XXXV) com a criação de instrumentos processuais tendentes a coibir a omissão legislativa, como o mandado de injunção (art. 5º, LXXI) e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), e explicitou a garantia do devido processo legal para a restrição da liberdade ou da propriedade (art. 5º, LIV)

Segunda ainda referida autora, apoiando-se em lição de Konrad Hesse, <> (destaques no original)

Diante disto, transcrevendo agora lição de Gilmar Ferreira Mendes , complementa: <> (destaques no original).

Entretanto, quando o exercício de um direito fundamental colide com o exercício do direito por parte de outro titular, há uma situação de conflito, cuja situação requer se imponham limites a estes direitos para que possam coexistir. É o que se denomina de limites constitucionais não-escritos ou de limites imanentes.

Segundo Hesse, na busca de uma solução ao problema dos conflitos entre direitos fundamentais, devem ser tomados em consideração dois princípios de interpretação constitucional que se acham correlacionados: o princípio da unidade da Constituição e o princípio da concordância prática.

Pelo Princípio da Unidade da Constituição, evidencia-se como possível, diferentes valorações dentro de um esquema harmônico. Mesmo diante de direitos não homogêneos e dos antagonismos entre valores, o texto constitucional há de ser lido como um corpo único e coerente.

O outro Princípio, o da concordância prática, formulado por Hesse, transmite exatamente a idéia de harmonização e de equilíbrio entre os bens jurídicos que devem ser de tal modo coordenados, a fim de que todos eles conservem sua identidade, diante da ausência de hierarquia entre os valores constitucionalmente consagrados.

Desta forma, e pela conclusão de Hesse, não se pode na solução de colisões entre direitos sacrificar um a custa do outro, porque a Constituição garante proteção a todos eles. Assim, havendo colisão de direitos qualquer interferência governamental deve pressupor uma solução otimizadora, que prestigie igualmente, ambos os valores constitucionalmente amparados. Devem, pois, o legislador, o administrador ou o julgador, comprimir cada direito, interpretando a norma jurídica aplicável à situação concreta de forma a reduzindo-lhe o âmbito normativo, na medida do necessário, para garantir a coexistência deles.

Nisto consistem, muito resumidamente, os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade, que deveriam ter norteado a interpretação que se deu, na decisão recorrida, ao Princípio do Devido Processo Legal, a fim de que o Senhor Ministro Relator, em nome das garantias e salvaguardas maiores do Estado de Direito, houvesse por bem relevar e afastar qualquer óbice formal que, segundo seu entendimento (com o qual a Impetrante não concorda e cujo equívoco será abaixo demonstrado), estivesse a impedir a concessão da ordem de Habeas Corpus e o restabelecimento do direito da inviolabilidade da comunicação reservada entre advogado e cliente, usurpados pelo Ministério Público Federal, em todo o território nacional, com o beneplácito da autoridade apontada como coatora, no bojo de investigações criminais.

Ora, a longa tradição liberal e a cultura do mundo civilizado considera o advogado indispensável à boa administração da Justiça, pois, se a solução das controvérsias seja qual for a natureza, não ocorrer pelo Direito, se o pior bandido não tiver um processo justo; todos os conflitos, seja entre as pessoas, seja entre elas e o Estado, serão resolvidos pela força bruta levando-nos ao caos; e, todos pegarão em armas em uma insana luta de todos contra todos. Bellum ominis contra omines, hommo hominis lupus est.

Nossa Constituição Federal reconhece esta indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, como se vê em seu artigo 133, in verbis:

“Art. 133 – O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (grifei)

Tendo a Lei Federal nº 8.906/94, também consagrado que o advogado, no seu ministério privado, presta munus público e exerce função social, ex vi do art. 2º, § 1º, in verbis:

“Art. 2º – O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º – No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.”

Como conta António Arnaut, em sua obra que inspirou a presente impetração “Iniciação à Advocacia”, ed. Coimbra, 1993, p. 44, a independência e a indomabilidade do advogado sempre incomodou os acusadores e os detentores do poder, especialmente, do poder totalitário.

Mas o papel do advogado na administração da Justiça não se esgota na sua intervenção processual – a face pública da profissão – ou seja, quando a violação de normas ou um insanável conflito de interesses desencadeiam a lide e fazem mover a máquina judiciária. Ele desempenha um papel não menos relevante, embora menos visível e, por vezes ignorado, quando, no recato do seu gabinete ou, alternativamente, por via telefônica, escuta o desabafo e a confissão, aconselha, informa, dá apoio moral, dirime ou previne os litígios.

Esta função, invisível aos olhos da maioria das pessoas, é tanto mais socialmente relevante, quando a multiplicidade de interesses antagônicos e o ritmo da vida moderna tornaram as relações humanas tendencialmente conflitantes. E é aqui, justamente, que o advogado assume a sua verdadeira dimensão, que é a de ser, ao mesmo tempo, árbitro, defensor, conselheiro, tutor, confidente e, muitas vezes, amigo.

Enfim, é por isso que Carnelutti considerava a advocacia <>.

Com efeito, para se exercer a advocacia é necessário o contato e diálogo irrestrito e reservado com o cliente, seja ele quem for, pois a nenhum ser humano, por maior que seja o repúdio que tenha contra si, é negado o acesso à Justiça (artigo 5º, inciso XXXV, CF).

Logo, o dever de guardar segredo profissional daquilo que lhe é confidenciado no contato com o cliente, é a regra de ouro da advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, <>.

O cliente, ou simples consulente, deve ter absoluta confiança na discrição do advogado para lhe poder revelar toda a verdade, e considerá-lo um <> que nunca se abre.

Élcio Maciel França Madeira em sua tese de Mestrado defendida e aprovada na USP, 1996, “A Advocatio do Direito Romano” p. 127, citando o Codex Justimianus, D. 47,15,1,1 (Ulpianus 6 ad. ed.), informa que:

“O advogado que traísse seu cliente ou violasse segredo profissional cometia prevaricação, cuja sanção era a infâmia, ou seja, indigno do exercício da profissão, que acarretava a interdictio fori perpétua, ou seja, a exclusão definitiva dos quadros da sua ordem e a impossibilidade de inscrição em outra.”

Passagens históricas excepcionais confirmam o quanto são preciosas a comunicação reservada entre advogado e cliente e a guarda do sigilo respectivo, como a ocorrida com o advogado parisiense Joseph Pyton, que defendeu acusados políticos e recusou-se heróica e bravamente a denunciá-los, apesar de ter sido preso e torturado, por não querer desonrar-se, violando o dever de sigilo. Morreu às mãos da polícia, dando à classe o exemplo supremo da sua dignidade. Morreu o homem, mas salvou-se o advogado, como conta António Arnaut, p. 71, ob cit.

Daí porque, a Constituição Federal ao referir-se ao advogado, determina sua inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, que não é privilégio, mas, sim, instrumento necessário para o exercício de sua atividade pública na defesa das aflições humanas.

Desdobramento disto é o direito-dever do advogado de <>, consagrado no artigo 7º, inciso III, da Lei Federal nº 8.906/94.

Entretanto, o Ministério Público Federal, comandado pela Autoridade Coatora, por todo o território nacional, vem, no bojo de investigações criminais que visam aparelhar futura ação penal, e em instruções processuais penais, data venia, abusando de suas prerrogativas institucionais e, conseqüentemente, requisitando judicialmente a inconstitucional, ilegal e inadmissível interceptação de linhas telefônicas que previamente sabiam pertencer a advogados inscritos na OAB, Seccional do Estado de São Paulo, o que vem acontecendo, inclusive, por todo o país.

Os excessos data venia perpetrados pelo Ministério Público nas investigações criminais estão sendo publicamente denunciados pelo Ministro Chefe da Casa Civil Exmo. Sr. José Dirceu, que ao salientar que <>; e, que <> defendeu iniciativas destinadas <> durante ato de apoio ao Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh, ocorrido em sessão de desagravo promovida pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em 16/01/2004, com apoio de Presidente da República, do Ministro da Justiça e outras importantes autoridades, como atestam as reportagens realizadas por todos os meio de comunicação social do País (imprensa escrita, rádio, televisão e Internet) como, por exemplo, o veiculo Folha de São Paulo, conforme segue anexo, o que faz disso fato notório, ou seja, <>, independente de prova, na forma do artigo 334, inciso I, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao presente habeas corpus por força do que estabelece o artigo 5º, incisos LV e LVI da Constituição Federal.

Ipso facto, assim o Ministério Público Federal data venia está violando o direito fundamental do ser humano, por mais criminoso e nocivo que seja, ainda que tenha as piores atitudes ante-sociais, de manter comunicação reservada com seu advogado, como consagra o artigo 7º, inciso III, da Lei Federal nº 8.906/94, com respaldo no artigo 133 da Constituição Federal, por sua indispensabilidade ao Estado Democrático de Direito, garantido pelo artigo 1º, caput, da Carta Política.

Porquanto, a Lei Federal nº 9.296/96, que regula a interceptação de comunicações telefônicas, para fins de prova em investigação criminal e instrução processual penal, não se aplica ao caso; e, via de conseqüência, não interfere no direito-dever do advogado de manter com seu cliente comunicação reservada, que, evidentemente, pode dar-se pela via da comunicação telefônica, como é inerente à vida moderna.

Isto porque, o advogado é inviolável nos termos da lei, e a norma legal especial, que prevalece sobre a geral, a que se refere o artigo 133 da Constituição Federal, consiste no Estatuto da OAB, Lei Federal nº 8.906/94, que não autoriza a interceptação das comunicações telefônicas mantidas pelo advogado e seus clientes.

Muito pelo contrário, o artigo 7º da referida lei especial, especificamente trata do assunto, afastando a outra disciplina jurídica geral (Lei nº 9.296/86); e, expressamente dispõe que são direitos do advogado <>, salientando-se que a ADIn nº 1.127-8, suspendeu a eficácia da expressão <>.

Como é bem de ver, o mencionado artigo 7º da Lei Federal nº 8.906/94, excepciona tão somente o caso de busca e apreensão; e, não se refere ao caso de interceptação; ressaltando-se que, nisto a mencionada ADIn em nada implicou.

Sendo certo que, busca e apreensão somente pode referir-se a meios físicos, materiais e tangíveis, ou seja, documentos, computadores, etc., contudo, jamais a comunicação telefônica. Violenta o bom senso e o vernáculo, estender o termo <> para se poder admitir a fisicamente impossível <>, de modo que, o legislador ao elaborar a lei especial foi sábio e não permitiu qualquer interferência no sagrado direito-dever de comunicação reservada entre o advogado e seu cliente.

Mesmo que, a lei especial não fosse tão clara, basta a consagração da essencialidade do advogado e o reconhecimento de que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito, tudo respectivamente expresso nos artigos 1º e 133 da Constituição Federal, para se chegar a conclusão de que qualquer violação a comunicação reservada do advogado com seus clientes é absolutamente inconstitucional e intolerável, posto que violenta o direito-dever inerente a existência da própria condição de ser <>.

O Pacto de São José da Costa Rica, consubstanciado na convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969, promulgada pelo Decreto nº 678/92, que tem força constitucional, na forma do parágrafo 2º do art. 5º da CF, também está sendo contrariado, na medida em que expressamente reconhece como garantia judicial, conforme seu art. 8º, nº 2, alínea (d), o <>.

Atenta-se, também, como desdobramento desta coação ilegal para constituição de prova ilícita, a intimidade de todo o número infinito de pessoas que venham a procurar o advogado, independentemente de qualquer envolvimento na investigação criminal ou instrução criminal que motivou a interceptação da comunicação telefônica, o que reforça a inconstitucionalidade destes, data venia, abusos praticados pelo Ministério Público Federal, na forma do artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal.

Ante tais e intoleráveis circunstâncias, não restou outra alternativa senão a impetração do presente habeas corpus para banir das investigações criminais e da instrução processual penal, enfim, das ações penais, a interceptação de linhas telefônicas que sabiam ser de advogados, salvo prévia e criteriosa distinção entre o exercício profissional destes e eventuais infrações cometidas, demonstradas por outros meios de prova, a ser resolvida caso a caso pelo Juiz Federal competente, em decisão fundamentada, por configurar manifesto constrangimento ilegal no curso da persecução criminal, seja na fase inquisitiva, seja na judicial, na forma do artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal.

É, pois, diante de tão relevantes fundamentos, que se entende como frágeis, com a devida venia, os fundamentos utilizados pelo Senhor Ministro Relator para não conhecer do Habeas Corpus e, conseqüentemente, obstaculizar a ordem pleiteada, mormente em sede do referido remédio heróico. Senão vejamos.

Preliminarmente, uma questão tão relevante como a dos autos, que atinge, sem demagogia, o Estado Democrático de Direito não pode ser resolvida por despacho monocrático, não obstante o profundo respeito ao notório saber jurídico do Eminente Ministro Relator.

Nada poderá afastar uma questão tão relevante do plenário deste Supremo Tribunal Federal.

Entrementes, três são os fundamentos utilizados monocraticamente pelo Senhor Ministro Relator para o não conhecimento do Habeas Corpus:

a inaplicabilidade formal do procedimento do Hábeas Corpus em tema da interceptação telefônica, por se tratar de proteção ao direito à intimidade;

a falta de alusão a atos concretos ou procedimentos penais específicos onde estariam sendo praticadas as medidas caracterizadoras do alegado injusto constrangimento e,

a impossibilidade de se imputar à Autoridade Coatora, o Chefe do Ministério Público Federal, a alegada situação de constrangimento.

Quanto ao primeiro fundamento, o próprio Ministro Relator, às fls. 5 de sua decisão, fez questão de enfatizar que este Supremo Tribunal Federal, em acórdãos relatados pelo Min. Sepúlveda Pertence, publicados na RTJ 171/258 e 180/1001-1003, admitiu a utilização do habeas corpus em tema de interpretação telefônica.

Nem poderia ter sido diferente, ressalte-se, na medida em que a ação constitucional de habeas corpus não fica subordinada a requisitos formais, podendo até mesmo ser intentada por telegrama ou concedida a ordem ex officio pela autoridade judicial.

Com efeito, os valores e garantias constitucionais que comportam proteção por esse remédio maior, não podem ficar condicionados a requisitos formais de admissibilidade, sob pena de se dar ao princípio do devido processo legal interpretação capaz de sobrepô-lo as principais garantias e salvaguardas do Estado Democrático de Direito, notadamente, a liberdade humana inerente à própria existência.

Modernamente, a expressão <> deve ser entendida da forma mais ampla possível, sendo que, compreende todas as liberdades publicas cuja violação podem implicar a constrição da liberdade física por conta da imputação penal, como é o presente caso em que a interceptação telefônica transforma-se em prova ilícita que aparelha ação penal, que, como tal, sempre visa, em ultima análise, o julgamento de pedido condenatório restritivo da liberdade física do acusado.

Até porque, como determina o art 5º, inciso XII, da CF, a interceptação das comunicações telefônicas ocorre por conta de investigações criminais, com vistas à produção de prova penal.

Ora, evidente que, por se tratar de matéria criminal é cabível o Habeas Corpus, principalmente para rechaçar prova criminal ilicitamente obtida. Pacifico na doutrina e jurisprudência a admissibilidade de Habeas Corpus contra prova ilícita a ser inconstitucionalmente considerada em ação penal. Neste sentido:

“Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal.” (HC 809494 / RJ – Rio de Janeiro, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

A referencia na petição inicial a atingir o direito de intimidade dos clientes dos advogados, foi mero argumento quanto ao desdobramento perante terceiros do constrangimento ilegal, objeto do writ, e não teve o destaque que lhe foi atribuída pela r. decisão agravada.

No entanto, se, segundo o Eminente Ministro Relator, a interpretação no presente caso deve ser pautada pelo concretismo fático, evidente que a interceptação telefônica atinge a liberdade física de ir, vir e permanecer, na medida em que os advogados não podem valer-se do respectivo meio de comunicação, permanecendo fisicamente onde estão; e, ilegalmente são constrangidos a deslocarem-se fisicamente para o encontro pessoal com o cliente. Lembra-nos a jocosa máxima atribuída ao falecido Presidente Tancredo Neves: segundo Tancredo, telefone serve para dizer “estou indo”.

Outrossim, na linha de entendimento do Ilustre Ministro Relator, o remédio cabível seria, então, o mandado de segurança, contudo, o Eminente Magistrado deixou de levar em conta que o mandado de segurança e o Habeas Corpus possuem idêntica natureza mandamental, de maneira que, pelo principio da fungibilidade, sem nenhum esforço doutrinário, mormente diante da relevância da questão ora enfrentada, poderiam ser tomados, um pelo outro.

Sendo certo que, o inciso LXIX do artigo 5º da CF, demonstra claramente que o remédio da Habeas Corpus é principal e determinante em relação ao remédio constitucional do mandado de segurança que possui mera função subsidiária para a defesa de direitos menos relevantes que as liberdades humanas inerentes à existência do homem.

Mesmo que, o Ilustre Ministro Relator exigisse que constasse da peça vestibular o rótulo mandado de segurança e fosse atribuído a ele valor à causa, na presente questão em que não existe a mínima repercussão patrimonial, deveria o eminente magistrado, data máxima venia, determinar a emenda da petição inicial, na forma do artigo 284 do CPC, deste modo garantindo efetividade ao processo judicial em questão tão relevante ao Estado Democrático de Direito.

Tolher a oportunidade de sequer emendar a petição inicial, no presente feito de competência originária, no primeiro despacho jurisdicional, demonstra claramente, data venia, o excesso de rigor da r. decisão ora agravada, que criou obstáculo concreto à defesa do Estado Democrático de Direito, diante da relevância da advocacia e do respectivo direito-dever de conversa reservada do advogado com o acusado.

Quanto ao segundo fundamento de rejeição da via processual escolhida pelo Impetrante, entendeu o Ilustre Ministro Relator que deveria ter sido feita alusão a atos concretos ou a procedimentos penais específicos, em cujo âmbito estariam sendo praticadas as medidas caracterizadoras da alegada situação de injusto constrangimento.

Ocorre que se trata de habeas corpus PREVENTIVO, impetrado com pedido expresso de SALVO CONDUTO, para que sejam banidas das investigações criminais e da instrução processual penal as interceptações de linhas telefônicas pertencentes a advogados, requisitadas pelo Ministério Público Federal, sob a lacônica justificativa de investigação criminal, sem a prévia e criteriosa distinção entre o exercício profissional destes e eventuais infrações cometidas.

Com efeito, foi deduzido expressamente nas razões de impetração, que esses excessos por parte do Ministério Público Federal foram denunciados publicamente pelo Ministro Chefe da Casa Civil, Sr. José Dirceu, que salientou tratar-se de situação gravíssima, pois se está vendo <>, propondo a adoção de iniciativas destinadas <>.

O que terá maior credibilidade do que as declarações públicas do próprio Ministro de Estado, Chefe da Casa Civil, para comprovar o receio generalizado dos advogados e de toda a sociedade, quanto aos abusos perpetrados pelo Ministério Público Federal nas investigações criminais?

Desconsiderou, ainda o Sr. Ministro Relator as máximas de experiência, não obstante sua gloriosa trajetória neste Augusto Supremo Tribunal Federal, tendo concedido mandado de segurança em varias passagens contra abusos, notadamente de CPI´s, ex vi do art. 131 do CPC: <>.

Portanto, não ignora o Ilustre Ministro Relator, nem os demais Ministros desta Corte e toda a sociedade brasileira, tais fatos públicos e notórios consistente em generalizadas interceptações de linhas telefônicas não apenas de pessoas investigadas criminalmente, como também de advogados, no exercício de seu público e sagrado mister, sem que tais advogados estejam direta ou indiretamente envolvidos nesses fatos criminosos.

Se tais fatos não são especificamente conhecidos, há pelo menos fundado e concreto receio da ocorrência destes, sendo publico e notório a ocorrência de uma infinidade de advogados que estão sendo processados e estão presos por conta de interceptações telefônicas em seus escritórios.

A própria doutrina de Mirabete, destacada pelo Ilustre Ministro Relator na r. decisão agravada, esclarece que deve constar na petição inicial do Habeas Corpus, <>.

Evidente que, declarações públicas de um Ministro de Estado são mais que suficientes para constituírem-se fatos ensejadores de fundado temor, na medida em que o Sr. Ministro Chefe da Casa Civil, declara que a sociedade esta vendo <>, conforme a reportagem as fls. dos autos.

Justifica-se, assim, o temor dos advogados de todo o país, de virem a ser objeto de tão nocivo e agressivo procedimento por parte do Ministério Público, que restringe a liberdade não apenas dos advogados mas também de um número infinito de pessoas que procuram esses profissionais, independentemente de qualquer envolvimento em investigações ou instruções criminais.

Não se pode aguardar que essas violações ocorram ou sejam comprovadas concretamente, para que só então o Poder Judiciário, quando já concretizado o dano, venha a intervir para coibir essa ilegal, inconstitucional e absurda agressão a valores e garantias tão fundamentais.

No mais, em caso de Habeas Corpus, não é o impetrante que tem o ônus processual de esclarecer a fundamentação do constrangimento sofrido, devendo, simplesmente, limitar-se a alegar o constrangimento ilegal a que esta sendo submetido, tanto que pode ser impetrado em uma única frase por telegrama e ainda, independentemente da frase pela qual ocorreu a impetração, concedido de ofício, com base em questões, e afastando constrangimentos totalmente diferentes.

A rigor o esclarecimento a respeito dos fatos relativos a impetração de Habeas Corpus, não são de ônus de impetrante, mais, sim, da autoridade tida como coatora, que deve expor a verdade e tudo que sabe a respeito por ocasião da resposta da requisição de informações, sendo que, face ao principio da moralidade administrativa presume-se que o agente publico prestará com sinceridade as mesmas.

Tanto que, quando o Habeas Corpus está plenamente instruído, as informações da autoridade tida como coatora podem ser e, de fato, são, dispensadas.

Logo, não poderia ser indeferida a inicial pela ausência de fatos concretos, antes das informações prestadas pelo Chefe do Ministério Publico Federal, em razão do dever de sinceridade que orienta a obrigação de prestá-las.

Finalmente, em relação ao terceiro fundamento, de que não pode ser imputado ao Chefe do Ministério Público Federal esse injusto procedimento, trata-se também de argumento que não resiste a uma mais detida análise, especialmente tratando-se de medida de caráter preventivo e em face da unidade do órgão do Ministério Público, que tem o seu chefe, em nível federal, personificado no Senhor Procurador-Geral da República, autoridade apontada como coatora neste Habeas Corpus.

Consoante o parágrafo I do art. 128, da CF, o Sr. Procurador Geral da República é Chefe do Ministério Público da União, ressaltando-se que a expressão constitucional <> evidentemente o legitima passivamente para figurar como autoridade coatora do presente Writ, em face da pratica generalizada pela instituição que chefia, importadora de constrangimento ilegal remediada por Habeas Corpus.

Conforme dispõe o art. 26, I, da Lei Complementar n. 75/93, São atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público da União: I- Representar a instituição.

Além disso, o Regimento Interno do Ministério Público, em seu art. 1o, dispõe: O Ministério Público Federal, órgão integrante do Ministério Público da União, tem por finalidade: VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.

Portanto, não há como negar ser o Procurador-Geral da República a única autoridade capaz de determinar, como chefe do órgão, a paralisação desses atos praticados pelos membros do Ministério Público Federal, em todo o Brasil.

Máxime porque, segundo o parágrafo I do art. 127, da CF, estabelece que o Ministério Público é uno e indivisível.

Não se sustenta também, data venia, o argumento deduzido na r. decisão agravada, no sentido de que a mera formulação de pedido de interceptação de conversações telefônicas, embora deduzido pelo próprio Chefe do Ministério Público da União, não importaria, por si só, enquanto mera postulação, em ofensa à garantia invocada neste mandamus, sob o fundamento de que o ato eventualmente configurador de lesão, quando praticado no contexto de procedimentos de índole penal, somente poderia advir de determinação do Poder Judiciário, nos termos do art. 5o, XII da Constituição Federal.

Como se sabe, tais solicitações de interceptação de conversações telefônicas são deduzidas em juízo pelo Ministério Público de forma generalizada e sem a especificação da prática criminosa que estaria sendo imputada às pessoas cujas linhas telefônicas são interceptadas, apenas sob o fundamento da necessidade de investigação de supostos crimes, lastreado na presunção de sinceridade e idoneidade do parquet; e, ainda, sem mencionar estarem incluídos no rol dessas pessoas profissionais da advocacia.

Não se pode, evidentemente, responsabilizar o Poder Judiciário por essa prática espúria e inconstitucional do Ministério Público, na medida em que age apenas em razão da provocação do titular da ação e do procedimento investigatório, decidindo tais pedidos liminarmente e sem o crivo do contraditório, como forma de garantir o sigilo e o próprio resultado dessas investigações.

A título de exemplo, pode-se invocar analogicamente o art. 811 do CPC, que se refere ao processo cautelar, segundo o qual é o requerente do procedimento cautelar quem responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida cautelar e não, evidentemente, o juiz que a concedeu.

Ou seja, o titular da ação penal, mestre dos rumos da investigação e a quem cabe requisitar esses procedimentos de interceptação de conversas telefônicas, é quem deve figurar como autoridade coatora no presente Habeas Corpus e não, evidentemente, o juiz que, com base nos elementos fornecidos pelo Ministério Público, defere tal requerimento.

São entendimentos data venia equivocados como estes, que levam a população pensar que a magistratura é responsável por todos os males da Justiça e exigir, sem melhores critérios ou reflexões, o controle externo do Poder Judiciário.

Porém, se caso este Augusto Supremo Tribunal Federal venha eventualmente entender que realmente a responsabilidade pelas inconstitucionais interceptações telefônicas, são dos Magistrados, deve, diante da índole do Habeas Corpus e da relevância do tema, ser concedida ordem de oficio, em face de todos os Srs. Magistrados, membros do Poder Judiciário Nacional, com competência quanto à matéria criminal, neles compreendidos os Excelentíssimos Senhores Ministros deste Augusto Supremo Tribunal Federal, os Excelentíssimos Senhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Federais dos Tribunais Regionais Federais em todas as regiões da Republica Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados Federados da Republica Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Juizes de Alçada dos Tribunais de Alçada dos Estados Federados da República Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Juizes Federais de todas as Seções Judiciárias de todas as regiões da República Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Juizes de Direito de todas Comarcas da Justiça Estadual de todos os Estados Federados da República Federativa do Brasil.

Sendo certo que, por envolver toda a Magistratura, inclusive os próprios Eminentes Ministros deste Augusto Supremo Tribunal Federal, na condição de autoridade coatora, a competência para conhecer e julgar o Habeas Corpus de ofício acima mencionado permanece neste Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos termos das alíneas (d), (i) e (n), do inciso I, do art. 102 da CF.

Como se percebe, Ilustres Julgadores, as razões de decidir do Nobre Ministro Relator não resistem a uma mais acurada e detida análise, especialmente em face dos valores e garantias que se procura preservar, devendo, no presente caso ser invocado o mencionado princípio da proporcionalidade, como autorizador do afastamento desses argumentos eminentemente formais, a fim de que os mais relevantes interesses da sociedade e garantias constitucionais sejam resguardados e preservados, sob pena se ter, na mais alta Corte de Justiça deste país, o beneplácito para com essas tão graves violações aos direitos dos cidadãos.

DO PEDIDO.

A vista do exposto, a Impetrante interpõe o presente RECURSO DE AGRAVO, cujo qual deverá ser RECEBIDO, no sentido de determinar o processamento e, conseqüentemente, o encaminhamento do writ a mesa, para que dele esta Corte venha a CONHECER e JULGAR, a fim de que seja concedida a Ordem de Habeas Corpus, tendo em vista as relevantes razões argüidas na presente peça recursal.

Requer-se, também, em face da relevância da fundamentação, seja desde logo concedida medida liminar, a fim de que sejam imediatamente suspensas das investigações criminais e da instrução processual penal, enfim, das ações penais, a interceptação de linhas telefônicas que antecipadamente sabiam ser de advogados, salvo prévia e criteriosa distinção entre o exercício profissional destes e eventuais infrações cometidas, demonstradas por outros meios de prova, a ser resolvida caso a caso pelo Juiz Federal competente em anterior decisão fundamentada.

É o que se espera de melhor, desta Augusta Corte, na sábia aplicação do Direito e na distribuição da consagrada

J U S T I Ç A !!!

Brasília, DF, 20 de fevereiro de 2004.

CELSO RENATO DÁVILA

-Advogado-

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