Sujeito ativo

Coletividade também pode ser vítima de dano moral

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25 de fevereiro de 2004, 12h21

Sem dano, não há que se falar em responsabilidade civil. Assim sendo, pode-se dizer que o dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil (ou do direito à reparação, se adotar o ponto de vista do lesado), juntamente com a ação lesiva e o nexo causal (ou vínculo).

Consiste o dano na lesão a bens juridicamente protegidos, como, v.g., a vida, a liberdade, a saúde, a honra, o nome, a imagem, o crédito comercial e a propriedade. Na sua caracterização jurídica, é absolutamente fundamental que entrem dois elementos:

a) o prejuízo (elemento de fato); b) a lesão jurídica (elemento de direito).

Mas nem todo dano é passível de trazer ao proscênio a teoria da responsabilidade civil. Efetivamente, o dano deve, em primeiro lugar, ser injusto, ou seja, contrário ao ordenamento jurídico. Por outro lado, para ser indenizável, deve o dano igualmente ser certo, atual, pessoal e direto, admitindo-se, no entanto:

a) o dano futuro e a perda de oportunidade; b) o damnum infectum e a perda de prêmio por acidente; c) o dano a pessoas da família; d) o dano por meio de reflexo.

A medida da importância do dano é dada não só pelo fato de ser ele um dos pressupostos do direito à reparação, mas também pelo alargamento que tem produzido na seara da responsabilidade civil – esta não tem mais como centro, na concepção da moderna doutrina, a noção de ato ilícito, mas sim a de dano injusto, o que lhe ampliou os horizontes e a esfera de aplicação.

Pode-se constatar, pois, que o dano representa lesão sofrida não só em componentes puramente patrimoniais, mas também em elementos da esfera moral do titular. Em outros termos, o dano pode ser dividido em patrimonial e moral, de acordo com o critério dos reflexos na esfera jurídica atingida, que é o mais indicado para delimitar-se e caracterizar-se, com precisão, o dano moral. Este, portanto, é o resultado de golpe desfechado contra a esfera psíquica ou a moral, em se tratando de pessoa física.

Podem, pois, ser traçados os lindes da teoria do dano moral, em sua configuração mais recente, com supedâneo nos seguintes elementos:

a) responsabilização pelo simples fato da violação; b) outorga ao juiz de poderes para a definição da reparação cabível; c) acolhimento de certos fatores como de relevo na determinação da reparação; d) admissão de novas formas de reparação; e) fixação de valor de desestímulo como reparação pecuniária; f) submissão do agente à prestação de serviços na reparação não-pecuniária;g) cumulatividade das reparações por danos morais e patrimoniais.Todas as considerações expendidas sobre o dano moral, até agora, se referem à pessoa física, ao homem, ao indivíduo.

Mas o Direito vem passando por profundas transformações, que podem ser sintetizadas pela palavra “socialização”. Efetivamente, o Direito como um todo – e o Direito Civil não tem sido uma exceção – está sofrendo, ao longo do presente século, profundas e paulatinas mudanças, sob o impacto da evolução da tecnologia em geral e das alterações constantes havidas no tecido social. Todas essas mutações têm direção e sentido certos: conduzem o Direito ao primado claro e insofismável do coletivo sobre o individual. Como não poderia deixar de ser, os reflexos desse panorama de mudança estão fazendo-se sentir na teoria do dano moral, dando origem à novel figura do dano moral coletivo, objeto específico do presente estudo. Ora, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, por que a coletividade não poderia sê-lo?

Consiste o dano moral coletivo na injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, na violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa).

Ocorrido o dano moral coletivo, que tem um caráter extrapatrimonial por definição, surge automaticamente uma relação jurídica obrigacional que pode ser assim destrinchada:

a) sujeito ativo: a coletividade lesada (detentora do direito à reparação);b) sujeito passivo: o causador do dano (pessoa física, ou jurídica, ou então coletividade outra, que tem o dever de reparação); c) objeto: a reparação – que pode ser tanto pecuniária quanto não-pecuniária.

Para a perfeita compreensão da matéria, podem ser citados dois exemplos bem claros de dano moral coletivo:

a) o dano ambiental, que não consiste apenas e tão-somente na lesão ao equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da coletividade a ele ligados, ou seja, a qualidade de vida e a saúde;b) a violação da honra de determinada comunidade (a negra, a judaica, etc.) através de publicidade abusiva.

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