Lobby qualificado

Advogados e deputados unem-se para reforma do Judiciário

Autor

24 de fevereiro de 2004, 13h27

Os dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vão defender os pontos de vista da advocacia na reforma do Judiciário através dos parlamentares que são também advogados. O presidente nacional da OAB, Roberto Busato e o titular da Frente Parlamentar dos Advogados, Luiz Piauhylino (PTB-PE ) decidiram manter reuniões semanais para tratar do assunto. A Frente é composta de 153 deputados federais. Trinta deles participaram da reunião, na semana passada, que definiu o trabalho conjunto.

Entre os parlamentares está o ex-presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP); o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP); e a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP). O compromisso é o de influenciar o Legislativo na aprovação de pontos considerados importantes para a advocacia, como a adoção do controle externo da Justiça. A proposta, defendida pelos advogados, é vista com simpatia pela maioria dos componentes da Frente. A proliferação dos cursos jurídicos de má qualidade também será discutida na reunião.

Diversas iniciativas destinadas a melhorar a qualidade do ensino de Direito e o regramento para a criação de novos cursos vêm sendo examinadas pela OAB. Recentemente, a OAB obteve a suspensão de novas autorizações para o funcionamento de cursos jurídicos pelo Ministério da Educação.

Veja, a seguir, declarações do presidente nacional da OAB, Roberto Busato, sobre propostas defendidas pela Ordem.

Controle externo

“Sou rigorosamente favorável à adoção de um controle externo para o Judiciário, que considero indispensável para a transparência que deve haver nas relações dos Poderes com a sociedade. A defesa do controle externo não pode ser compreendida como um gesto depreciativo ao Poder Judiciário.

No início houve protestos por parte da magistratura porque o clima no Congresso era de CPI para investigar o Judiciário e transmitiu-se a falsa idéia de que haveria interferência de um Poder sobre outro. Mas não se trata de querer controlar mentes e sentenças.

Somos favoráveis à adoção do controle externo, mas estando este focado nos atos de gestão, nos atos administrativos do Judiciário. O controle externo não deve, de forma alguma, interferir na atividade-fim do Judiciário, que é a decisão do juiz. Entendemos que o magistrado precisa trabalhar com independência. Se o juiz não tiver plena independência para julgar, estaremos decretando o fim da Justiça.

Súmula vinculante

A OAB não concorda com a adoção da súmula vinculante, isso porque ela não trará qualquer avanço ou progresso à atuação do Judiciário brasileiro. Hoje, 80% das ações que tramitam nas cortes superiores são advindas do poder público e entendemos que seria muito mais eficaz se nos preocupássemos em formatar uma legislação que limitasse a prática da litigância de má-fé por parte do poder público. Isso sim atravanca o andamento dos processos nas cortes superiores. Não é tentando limitar o particular – que detém somente 20% do movimento das ações – que se conseguirá aliviar a pauta dos tribunais superiores. É necessário dizer que a súmula vinculante engessa a cabeça do juiz e não permite que haja liberdade plena para que ele faça justiça. O Brasil é um País novo, que possui legislação em transformação. Por isso devemos ter ampla liberdade para criar e mudar o Direito a cada tempo.

Reforma processual

A reforma do Judiciário não vai resolver os problemas da Justiça da noite para o dia, principalmente aquele que mais atinge o cidadão, que é a morosidade. Ela deve seracompanhada, necessariamente, de uma série de outras reformas menores, igualmente importantes.

Há anos reclamamos uma reforma infra-constitucional, para que as normas processuais sejam menos burocráticas, mais ágeis, inclusive com a adoção de medidas tecnológicas modernas que sejam capazes de ativar os atos processuais sem, obviamente, criar qualquer cerceamento ao direito de defesa e do contraditório.

A norma processual deve estar a serviço da efetivação concreta do direito material. Vemos com bons olhos medidas capazes de diminuir a distância entre o pleito inicial e a decisão final, diminuindo-se os atos e recursos meramente protelatórios, e, por fixação na lei, os graus de jurisdição em determinados tipos de ações.

Proliferação de cursos jurídicos

Termos no País um número elevado de faculdades de Direito no Brasil. Isso é muito bom sob o ponto de vista formal, mas passa a ser um desserviço quando os cursos deixam de ter qualidade suficiente para atender às necessidades da população.

Sabemos que existem cursos que são verdadeiros caça-níqueis das poupanças das famílias brasileiras, que funcionam dentro de cinemas, após a última sessão, ou que são ministrados a partir das 4h da manhã, o que é um absurdo. O Ministério da Educação cancelou a abertura de novos cursos de Direito no País pelo prazo de 90 dias, mas queremos medidas definitivas.

No encontro que tivemos com o ministro Tarso Genro, pedimos que o parecer da OAB emitido quanto à abertura de novos cursos de Direito passe a ser vinculante, ganhando caráter normativo nas decisões do Conselho Nacional de Educação do MEC.

Hoje a opinião da OAB é apenas opinativa, não repercutindo de fato nas permissões de funcionamento. Precisamos, sobretudo, conhecer o critério social e a contribuição para a cidadania desses cursos de Direito que estão sendo criados.

Profissionais que “vendem” seus nomes

Estamos defendendo o combate sistemático ao comércio criado por faculdades de ensino jurídico com a conivência de professores de Direito, que “vendem” seus nomes para atrair alunos para esses estabelecimentos.

Entendo que a OAB deve enquadrar os advogados que estejam envolvidos com essa prática espúria de venda do ensino jurídico apenas visando o lucro. Um exemplo de profissionais que têm vendido o nome são professores que residem em São Paulo mas dão aulas, entre aspas, em Manaus e, ao mesmo tempo, em Fortaleza e Porto Alegre. Evidentemente que esses professores não estão presentes na sala de aula, são professores virtuais, que praticam um verdadeiro estelionato contra os estudantes.

Estamos estudando punir seus inscritos cujos nomes são divulgados como professores de faculdades particulares, mas, efetivamente, não comparecem às salas de aulas. Para isso, já solicitamos à Comissão de Ensino Jurídico da OAB um levantamento detalhado sobre este assunto.

Desvio de conduta de advogados

Nenhuma entidade ou instituição do mundo está livre de membros ineptos e sem responsabilidade ética. Há padres santos e padres pedófilos e há advogados sérios e advogados que se envolvem com o crime. Estes devem ser tratados como criminosos, na forma da lei. O que não se pode, em hipótese alguma, é se confundir o direito de defesa exercido pelo advogado com a atividade do cliente que ele atende. Vem de Santo Agostinho a máxima segundo a qual o advogado defende o pecador, não o pecado. A advocacia e a magistratura são funções que devem estar diuturnamente atreladas à ética. O advogado ou o juiz que trabalha sem ela acaba por denegrir toda a instituição.

A OAB está cada vez mais preocupada e vigilante nesse sentido e está tomando providências no campo administrativo com o objetivo de penalizar aqueles que se desviam da conduta necessária para a advocacia. Com relação aos mecanismos de controle, a Ordem tem sido exemplar e mostrado à sociedade que não transige diante das denúncias envolvendo qualquer um de seus membros.

Direitos Humanos

Eu tenho dito que a Comissão Nacional de Direitos Humanos é a jóia da coroa da OAB porque tenho muita esperança de que ela continue o trabalho desempenhado nos últimos anos, que acabou por elevar a atuação da instituição aos patamares em que se encontra hoje.

A advocacia brasileira está atenta à preservação dos direitos humanos, à manutenção dos direitos fundamentais das pessoas. Estamos acompanhando de perto o desfecho da investigação de crimes como o cometido contra fiscais do Trabalho, executados enquanto fiscalizavam denúncias de trabalho escravo em Unaí (MG).

Quando vemos uma execução como esta acontecer a 100 quilômetros da capital federal, constatamos que a atuação da Comissão de Direitos Humanos da OAB tem que ser gigante para garantir um basta a situações deprimentes como essa, a do trabalho escravo. Além de ter uma feição muito grande pelo tema dos direitos humanos, a OAB tem a obrigação legal de ampliar as iniciativas para garantir a manutenção desse direito, conforme prevê o Estatuto da Advocacia. Acredito que essa é uma obrigação social de todos e é uma obrigação histórica que a OAB tem com a nação. Estamos acompanhando de perto os problemas que envolvem essa área e o Conselho Federal da Ordem não recuará um milímetro dentro da sua linha de trabalho e na defesa dos direitos humanos, às vezes tão violentados no nosso País.”

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!