Saldo positivo

Arbitragem tem sido concluída em menos de seis meses

Autor

20 de fevereiro de 2004, 18h08

O professor Arnoldo Wald, integrante da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, fez um balanço sobre o Congresso Internacional de Arbitragem da International Bar Association, promovido em São Paulo, há poucos dias. Segundo ele, a arbitragem ganhou novo impulso com a adesão do Brasil à Convenção de Nova York, sobre o reconhecimento e a execução das sentenças arbitrais.

“Conseguimos terminar uma arbitragem em menos de seis meses, embora outras estejam demorando um ano e até mais, quando há perícia técnica e depoimentos de pessoas localizadas em lugares distintos”, explicou o professor.

O evento, o maior e mais importante já realizado no Brasil, aconteceu no dia 12 de fevereiro, no Hotel Renaissance, e contou com mais de sessenta juristas estrangeiros e mais de duzentos nacionais.

Leia o balanço do evento:

O assunto tratado foi “A contribuição da América Latina ao desenvolvimento de uma nova cultura da arbitragem. Qual a importância da arbitragem no Brasil, hoje?”

O Brasil passou a admitir a arbitragem, a partir de 1996, com o advento da Lei nº 9.307, pois, anteriormente, a decisão arbitral dependia sempre de homologação judicial e ensejava numerosos processos de nulidade e anulação, um dos quais demorou mais de trinta anos, de modo que era mais simples e eficaz recorrer à Justiça Estatal.

A nova lei, inspirada em projeto do senador Marco Maciel, dispensou a homologação, deu execução específica à clausula compromissória e maior flexibilidade à arbitragem e fez a distinção entre arbitragens nacionais (cuja sentença é proferida no Brasil) e internacionais (com sentença proferida no exterior).

Mais recentemente, a arbitragem ganhou novo impulso com a adesão do Brasil à Convenção de Nova Iorque de 1958, sobre o reconhecimento e a execução das sentenças arbitrais.

As únicas dificuldades que têm surgido são as das sociedades de economia mista, pois algumas delas se recusam a respeitar as cláusulas em virtude das quais se submeteram à arbitragem.

Podemos, pois, afirmar que houve uma importante modificação cultural em relação à arbitragem, passando-se de uma fase da desconfiança para uma cultura de confiança e de prestígio da arbitragem.

Como o senhor definiria a arbitragem e as razões do seu sucesso?”

A arbitragem é um meio de solução sob medida para questões mais complexas. O sucesso da arbitragem decorreu:

a) da globalização da economia e da abertura econômica do Brasil, intensificando as nossas relações internacionais que necessitavam da previsão de solução arbitral para eventuais litígios;

b) do congestionamento da Justiça brasileira e da demora para o julgamento definitivo de questões que exigem rapidez, sob pena de ser inócuo o julgamento;

c) da necessidade de um processo, “sob medida”, para determinados casos, em relação aos quais o sistema do Código de Processo Civil é rígido e não funciona bem;

d) da maior complexidade dos litígios em relação aos quais os juizes não têm formação especializada (questões bancárias, de telefonia, eletricidade, comércio exterior, societária);

e) da dificuldade de julgar rapidamente as grandes causas;

f) da organização de centros de arbitragem cujas normas são aplicadas pelos árbitros e que supervisionam a arbitragem internacionalmente tais como:

f.1) a CCI (Câmara de Comércio Internacional, também denominada ICC em inglês) e

f.2) a AAA (American Arbitration Association);

ou no tocante as arbitragens domésticas:

a) Fiesp,

b) Câmara do Rio de Janeiro,

c) Câmara de Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas,

d) Câmara de Arbitragem de Belo Horizonte, CAMARB;

e) Câmara Americana do Comércio;

f) Câmara de Comércio Brasil-Canadá.

Como reagiram os tribunais à introdução da arbitragem no Brasil?

Inicialmente, havia algumas reservas dos tribunais, em todos os países, com receio de perda de competência da Justiça Estatal.

Mas, rapidamente, os tribunais reconheceram a importância da arbitragem, como forma auxiliar ou paralela de julgamento e passaram a prestigiá-la.

As principais questões suscitadas na jurisprudência foram:

a) inicialmente, a constitucionalidade da arbitragem reconhecida pelo STF (o julgamento terminou em 12.12.2001);

b) dúvidas suscitadas quanto à validade de cláusula compromissória em virtude da qual as partes se comprometem previamente a submeter os seus litígios à arbitragem (decisões sucessivas de primeira instância e do TJSP e TJDF reconhecendo a sua validade, como a decisão da 5ª Câmara de Direito Privado do TJSP no caso Renault) que foi citada em vários simpósios internacionais como exemplo a ser seguido;

c) o reconhecimento de que a competência para anular decisões arbitrais internacionais é do juiz do lugar onde a sentença foi proferida.

No particular, houve tentativa de anular sentença arbitral estrangeira no Brasil, que foi rejeitada pelo TJSP em junho 2003, ficando claro que:

a) as ações de anulação correm no local onde a sentença foi proferida;

b)no Brasil, o reconhecimento e a execução da sentença arbitral estrangeira dependem de homologação do Supremo Tribunal Federal que, só não a concede quando há violação da ordem pública brasileira ou quando ocorreram falhas sérias no processo, não sendo respeitado o contraditório ou não tendo sido assinada por ambas as partes a convenção de arbitragem.

O seu escritório tem funcionado em arbitragens? Há quanto tempo?”

Começamos a discutir o problema da arbitragem nos anos 1960, em estudos e pareceres que fizemos para o então Ministro da Fazenda, Professor San Tiago Dantas, nas negociações que estavam sendo realizadas com a Aliança para o Progresso, organizada pelo governo Kennedy, cujos contratos incluíam cláusulas de escolha de lei e de foro.

Posteriormente, realizamos algumas arbitragens na área societária e defendemos a validade e a constitucionalidade da cláusula compromissória incluída nos acordos da dívida brasileira que puseram fim à moratória nos anos de 1980. Essa questão deu ensejo a uma ação popular na qual representamos o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central e que acabamos ganhando, tanto em primeira instância como no então Tribunal Federal de Recursos cujas decisões constam na Revista de Direito Bancário.

Mas a verdadeira renovação da arbitragem ocorreu com a Lei nº 9.307 de 1996. Estamos funcionando atualmente numa dezena de processos arbitrais, tanto internacionais quanto nacionais, ora como árbitros, ora como advogados na arbitragem ou defendendo a validade da convenção de arbitragem ou a sentença arbitral nos tribunais, ou ainda dando parecer sobre o direito brasileiro aplicável. Temos hoje um departamento próprio tratando da matéria, com vários advogados e árbitros.

Quanto demora uma arbitragem?

Conseguimos terminar uma arbitragem em menos de seis meses, embora outras estejam demorando um ano e até mais, quando há perícia técnica e depoimentos de pessoas localizadas em lugares distintos.

O senhor tem publicado trabalhos sobre arbitragem?”

Já publiquei uma dezena de artigos, tanto no Brasil como na Europa e nos Estados Unidos, explicando a arbitragem no direito brasileiro e procurando criar confiança no instituto, pois a arbitragem brasileira ainda é pouco conhecida no exterior. Dirijo uma Revista que trata da arbitragem, além de outros assuntos, há cerca cinco anos, e acabemos de reorganizá-la para que se dedique exclusivamente à arbitragem a partir de 2004, contando com colaboradores nacionais e estrangeiros e publicando acórdãos que ainda não constam das demais revistas especializadas.

Também participa de entidades arbitrais?”

Sou membro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI, que se reúne mensalmente para apreciar os julgados arbitrais, e participo também de outras entidades que organizam a arbitragem, além de ser palestrante em numerosos seminários e congressos. Acabamos, aliás, de criar o Instituto Brasileiro de Direito Comparado que também atua no setor e publica a Revista de Arbitragem e Mediação.

Como julga os resultados do recente Congresso?”

Foi da maior importância, pois reuniu não só professores e acadêmicos, mas também profissionais da arbitragem do nosso país, dos Estados Unidos, de outros países da América Latina e da Europa. Os assuntos tratados foram a evolução da arbitragem na América Latina, indicando os progressos realizados na última década, o papel dos juizes como órgão de apoio, quando concedem medidas cautelares, ou de controle das arbitragens, na homologação das decisões estrangeiras, e o procedimento arbitral que é muito flexível que o judicial e os recursos contra as decisões arbitrais.

Entre os relatores estrangeiros destacaram-se os advogados Bernard Hanotiau, Horácio Grigera Naon, Bernardo Cremades, Mark Baker, Carole Malinvaud, David Sutton, Eduardo Silva Romero e, entre os nacionais, os Professores Leães e José Carlos Magalhães.

Coube-nos relatar a questão dos recursos contra as sentenças arbitrais em direito brasileiro e pudemos evidenciar que os tribunais brasileiros costumam prestigiar e até privilegiar as decisões dos árbitros, reconhecendo que lhes cabe, em primeiro lugar, julgar se são ou não competentes. Assim, admite-se o princípio kompetenz-kompetenz de acordo com o qual os árbitros são competentes para fixar a sua própria competência, sem prejuízo do controle posterior da Justiça Estadual.

Fizemos referências especiais à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais estaduais que trataram do assunto, já havendo algumas dezenas de acórdãos importantes proferidas pelo Judiciário brasileiro, alguns das quais têm sido citados reiteradamente por professores europeus em congressos internacionais e em artigos publicados em revistas especializadas.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!