Reforma do Judiciário

Maurício Corrêa debate pontos polêmicos da reforma em audiência

Autor

18 de fevereiro de 2004, 20h14

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, participou de audiência pública, nesta quarta-feira (18/2), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. Por cerca de três horas, o ministro falou aos parlamentares sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 29/00, a reforma do Judiciário, tratando de temas como o controle externo, a perda de cargo de juiz, a aplicação da súmula vinculante e a federalização de crimes contra os direitos humanos.

Corrêa iniciou sua exposição lembrando que o Poder Judiciário foi taxado, genericamente, de “caixa preta”, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Para o ministro, passou-se a idéia, para a opinião pública, de que a reforma do Judiciário seria a salvação de um “mecanismo ultrapassado e obsoleto que é o Judiciário” e que tornaria a Justiça mais rápida.

“Ledo engano”, disse Corrêa, que defende a reforma processual como saída para a crise da lentidão da Justiça. Para ele, a possibilidade exagerada de recursos e a divisão do processo em fase de conhecimento e em fase de execução contribuem para o atraso da solução de processos e para o descrédito da Justiça perante a população.

Controle externo — Corrêa explicou que o modelo de controle proposto na Reforma, formalizado no Conselho Nacional de Justiça, é um misto de experiências européias adaptadas para o Brasil. No entanto, ele sustenta que a experiência norte-americana é que seria o modelo ideal para o caso brasileiro, uma vez que os Estados Unidos também são um país presidencialista e que nossa base constitucional tem origem no sistema americano.

Naquele país, há um “Conselho Judicial dos Estados Unidos” (Judicial Conference of the United States), órgão de cúpula composto por 26 magistrados, mais o presidente da Suprema Corte, que se reúne duas vezes por ano. A esse Conselho, submete-se um órgão de administração do Poder Judiciário (Administrative Office of the United States Court), encarregado de executar e operacionalizar as políticas formuladas pelo Conselho Judicial. Existe, ainda, o Centro Judicial Federal (Federal Judicial Center), órgão responsável pelo treinamento e aperfeiçoamento de juízes e de funcionários do Judiciário. “Eu invejo, sinceramente, esse Conselho. Isso resolveria nosso problema”, disse o ministro.

A posição institucional do STF quanto à fiscalização externa, adotada na sessão administrativa de 5 de fevereiro, foi levada ao Senado por Corrêa. O ministro deixou claro que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) compartilham da visão do Supremo, contrária ao modelo de controle proposto na Reforma do Judiciário. Mas Corrêa ressalta que o STF não se opõe à criação de órgão superior de fiscalização da magistratura.

Ele sustentou que todos os ministros do Supremo são a favor de um Conselho Nacional de Justiça, e que a maioria deles defende que o órgão não inclua pessoas de fora da magistratura. Segundo Corrêa, o STF entende que o Conselho deveria ser formado exclusivamente por juízes, no sentido lato sensu, admitindo que dele participem membros do Ministério Público e advogados, porém sem direito a voto.

“Por que só o Poder Judiciário tem de ter controle externo nos moldes em que está sendo proposto, com pessoas indicadas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado, pela OAB, para fiscalizar as atividades de outro Poder?”, questionou Corrêa. Ele defende que se dê um crédito ao Judiciário, em vez de se buscar solução drástica, “que, além de pôr em cheque a eficiência e capacidade do Judiciário brasileiro, ameaça os pilares do estado democrático de direito da República, que determina serem os Poderes harmônicos e independentes entre si”.

Assim como o Legislativo e o Executivo, o Judiciário é fiscalizado em todos os seus atos administrativos pelos Tribunais de Contas da União ou dos Estados, esclareceu Corrêa. Ele acredita que aceitar a necessidade de outro tipo de fiscalização é admitir a ineficiência do controle externo exercido constitucionalmente pelo Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, “constatação que me recuso a chancelar”, complementou.

Perda do cargo de juiz — Para Corrêa, a possibilidade de perda do cargo de juiz, considerada a composição do Conselho Nacional de Justiça proposto, cria “situações intransponíveis”. Ele aponta problemas em processos que envolvam questão de hierarquia (quando se tratar de ministro de tribunal superior), ou de imparcialidade, já que seis dos membros do Conselho não seriam juízes e teriam mandato temporário.

“Como pode um magistrado julgar com autonomia, se um órgão político-administrativo pode determinar a perda de seu cargo?”, indagou. O ministro também quer saber como se afastaria a questão da influência política de julgamentos disciplinares, se membros do Conselho são indicados pelos demais Poderes e não têm as prerrogativas que asseguram a independência do juiz.


Corrêa preocupa-se com a possibilidade de demissão de juízes pelo Conselho, competência que, “segundo o ministro da Justiça, não pode ser retirada (do Conselho), sob pena de sua total desestruturação”.

Súmula vinculante — Corrêa considera que a Súmula Vinculante é o maior avanço da Reforma do Judiciário, apesar das opiniões contrárias do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de juízes de 1º grau e de advogados. Ele destaca que existem mecanismos de revisão da Súmula Vinculante previstos na PEC 29 e que, caso o Congresso entenda necessário, o Supremo suspenderá a aplicação da Súmula.

Ao fazer uma análise da movimentação processual no STF de 1940 até hoje, Corrêa destacou períodos em que houve grande aumento da entrada de processos no Tribunal. Segundo ele, esses picos de demanda são justificados por atos governamentais, sobretudo planos ou medidas econômicas, a exemplo do Plano Cruzado e de processos envolvendo o FGTS. Caso venha a ser adotada, a Súmula Vinculante poderia ser aplicada a esses casos, que guardam semelhança entre si, informou o presidente do Supremo.

Federalização de crimes contra os direitos humanos — O dispositivo da PEC 29 que trata da federalização de crimes permite que o procurador-geral da República, para assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais em direitos humanos, proponha incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Corrêa destacou que não se trata de duvidar da isenção ou capacidade dos Tribunais estaduais para julgar esses crimes. O dispositivo permite o deslocamento do foro nas condições objetivamente previstas, quando a responsabilidade da União, assumida em tratados internacionais, se justificar, explicou o ministro. “Ponho-me inteiramente de acordo (à federalização), sem a mínima objeção”, disse. (STF)

Leia pronunciamento de Maurício Corrêa sobre o controle externo do Poder Judiciário

AUDIÊNCIA PÚBLICA NO SENADO

CONTROLE EXTERNO DO PODER JUDICIÁRIO

Senhoras Senadoras, Senhores Senadores.

Esse tema reflete, sem dúvida alguma, a questão mais polêmica dentre as que estão na pauta de discussão sobre a reforma constitucional do Poder Judiciário. Na condição de Presidente do Supremo Tribunal Federal trago ao conhecimento e reflexão de Vossas Excelências, como não poderia deixar de ser, a posição institucional da Corte, adotada na Sessão Administrativa realizada no último dia 05 de fevereiro de 2004.

É relevante consignar, de início, que o Tribunal não se opõe à criação de um órgão superior de fiscalização do Judiciário. Os Ministros, de forma unânime, são a favor da criação do Conselho Nacional de Justiça, ou outro nome que se lhe dê.

A maioria, porém, discorda da presença, entre os seus membros, de pessoas de fora da magistratura. É bom deixar claro, desde logo também, que a posição institucional do Tribunal, contrária à composição do órgão tal como aprovada na Câmara dos Deputados, não foi adotada sob o prisma jurídico, e por isso mesmo, não reflete exame acerca da constitucionalidade ou não da proposta ora em debate. Consiste, em verdade, numa avaliação de conveniência e oportunidade de sua instituição.

Com efeito, o Tribunal entende, nesses termos, que o Conselho deveria ser formado exclusivamente por juízes, lato sensu, admitindo, como ocorre no dia-a-dia da atividade jurisdicional, que oficiem perante o órgão membros do Ministério Público e da Advocacia, sem direito a voto.

Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal, pela maioria dos seus membros, tem a convicção de que um controle exercido por órgão superior da magistratura, que tenha a participação e o acompanhamento do Parquet e da OAB, como oficiantes, pode atender plenamente ao anseio da sociedade brasileira, assegurando ainda maior transparência e efetividade ao funcionamento da máquina judiciária nacional.

No mesmo sentido institucional, o Superior Tribunal de Justiça, reunido no último dia 16 de fevereiro, manifestou-se contrário à criação de um ente de fiscalização externa do Poder Judiciário. De igual modo, o Tribunal Superior do Trabalho, em decisão plenária, associou-se à posição do Supremo, entendendo que o Conselho deve ser constituído apenas por magistrados, podendo junto a ele oficiar advogados e membros do Ministério Público.

A posição contrária à instituição de um conselho integrado por pessoas estranhas à magistratura é, portanto, consenso entre os órgãos de cúpula do Poder Judiciário. A propósito, não conheço um único Tribunal no País que tenha divergido dessa orientação, sendo certo que no 1º Encontro de Presidentes de Tribunais do Brasil, realizado em 17 de junho de 2003, na sede do Supremo Tribunal Federal, foi unânime a manifestação contra a fiscalização externa do Poder Judiciário.


É oportuno consignar que jamais existiu órgão dessa envergadura na composição do Poder Judiciário no Brasil. As atribuições e competências que lhe são reservadas em muito se diferem, em poder e amplitude, do antigo Conselho Nacional da Magistratura, não servindo a experiência desse último, por isso mesmo, de paradigma.

Se é assim, por que não dar um crédito ao Poder Judiciário, à magistratura nacional, e deixar que ele demonstre ao povo brasileiro e aos Poderes Legislativo e Executivo que pode assegurar as melhorias a que se propõe?

Por que buscar de pronto uma solução drástica, que, além de pôr em cheque a eficiência e capacidade do Judiciário brasileiro, ameaça, ainda que por via oblíqua, os pilares do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, em especial o que determina serem os Poderes harmônicos e independentes?

Tenho ouvido aqui e ali que a função desse Conselho é meramente administrativa, que se destina apenas a fiscalizar os atos de gestão e a execução orçamentária dos órgãos do Poder Judiciário.

Ora, se assim é, parece-me que há um grande equívoco no debate. Tal como ocorre com os Poderes Executivo e Legislativo, o Poder Judiciário, em todos os seus atos administrativos, e aí se incluem, por óbvio, os de natureza orçamentária e financeira, está sujeito ao controle e à fiscalização ampla e eficaz dos Tribunais de Contas, da União ou dos Estados, conforme o caso.

Os Tribunais de Contas não apenas analisam e julgam os atos de gestão dos Tribunais sob o aspecto formal, mas também o fazem sob a ótica material, observados os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência a que estão sujeitos pelo artigo 37 da Carta da República todos os administradores públicos.

Admitir a necessidade, nesse aspecto, de outro tipo de fiscalização é aceitar e sacramentar a ineficiência do controle externo exercido constitucionalmente pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas, conforme previsto textualmente no artigo 71 da Constituição Federal, constatação essa que me recuso a chancelar.

Seria isso, em conseqüência, uma evidente captis deminutio, por exemplo, do próprio Tribunal de Contas da União, órgão que conheço bem e cuja atuação vem ano a ano ganhando eficiência e qualidade. É evidente a colisão de atribuições entre os artigos 71 da Constituição e o inciso II do § 4º do artigo 103 “B” da PEC 29.

Por outro lado, o Ministério Público atua permanentemente junto a todos os órgãos do Poder Judiciário. Onde houver um Juiz haverá um promotor ou um procurador ao lado. Ora, o Parquet, como defensor constitucional da ordem jurídica, também fiscaliza e tem o poder de impugnar, se for o caso, todo e qualquer ato administrativo praticado pelos membros do Poder Judiciário.

Finalmente, assim como o Poder Executivo tem sua Controladoria-Geral, os Ministérios e o Poder Legislativo têm os seus órgãos de Controle Interno, os Tribunais da mesma forma possuem Secretarias, Coordenadorias e Assessorias de Controle Interno. No Supremo, por exemplo, há uma Secretaria de Controle Interno que, por estar subordinada diretamente à Presidência, atua com total independência e em perfeita sintonia com o Tribunal de Contas da União.

Com tantas formas de controle administrativo, de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, parece-me, ao menos sob essa ótica, desarrazoada a instituição de mais um órgão para controlar os atos de gestão do Poder Judiciário. Examinando a questão no contexto da PEC 29, não vejo, sinceramente, em que um Conselho composto por pessoas estranhas à magistratura poderia ser mais eficiente do que um órgão de cúpula do Poder Judiciário formado por magistrados.

Vejamos suas competências constantes do mencionado artigo 103-B:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, e recomendar providências;

Essa uniformidade de procedimentos administrativos é de todo conveniente e absolutamente necessária. Não é possível que cada Tribunal do País adote essa ou aquela interpretação sobre a aplicação das normas de direito administrativo, provocando uma indesejável variedade de regulamentos divergentes acerca do mesmo tema. Isso, porém, pode perfeitamente ser feito pelo Conselho da Magistratura, que certamente saberá, por igual, zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura.

II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;


Sem embargo da ressalva constante da parte final do inciso, ressai claro que essas atribuições são específicas dos Tribunais de Contas, razão pela qual sua adoção é de todo inconveniente como antes destaquei, além de criar-se a possibilidade de evidente conflito entre órgãos de hierarquia constitucional.

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a perda do cargo, a remoção, determinar a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

Medidas que assegurem maior efetividade às questões disciplinares são necessárias e garantem ainda mais transparência ao Poder Judiciário. Porém, nada justifica que um Conselho da Magistratura não possa realizá-las a contento e com maior legitimidade.

Por outro lado, a questão da perda do cargo cria, considerado o Conselho com a composição proposta, situações que a meu ver são intransponíveis.

Como resolver a questão da hierarquia se o processado for, por exemplo, Ministro de um Tribunal Superior? Como conjurar a questão da imparcialidade se 06 (seis) de seus membros não são juízes e têm mandato temporário. Os advogados poderiam ter atuado ou vir a atuar junto ao órgão judicial do juiz processado disciplinarmente. O mesmo poderá se dar com a atuação passada e futura dos representantes do Ministério Público e, com maior razão, dos dois cidadãos indicados pelo parlamento.

O Conselho será órgão jurisdicional? Suas decisões serão consideradas como sendo sentença judicial?

Caso positivo, como afastar a questão da influência política desses julgamentos disciplinares quando seus membros são indicados e escolhidos pelos demais Poderes e não gozam das prerrogativas assecuratórias da independência do Juiz?

Por outro lado, se de natureza administrativa, estarão ameaçadas, por óbvio, sob a perspectiva do juiz processado, exatamente essas prerrogativas da magistratura, em especial a vitaliciedade.

Como pode um magistrado julgar com autonomia se um órgão político-administrativo pode determinar a perda do seu cargo?

Com todas as vênias das opiniões em sentido contrário, que evidentemente respeito, não vejo como compatibilizar todos esses problemas com o sistema que adotamos para o nosso País. Ou temos um Poder Judiciário independente, em toda a extensão dessa qualificação, ou não temos, e devemos optar por outro sistema constitucional.

IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

Medida salutar e necessária que hoje já é amplamente praticada pelos Tribunais e que evidentemente poderia ser de responsabilidade de um Conselho formado por magistrados.

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

Temo essa medida, em especial se o Conselho tiver formação política, pois poderá haver um verdadeira “caça às bruxas”, incompatível com a segurança jurídica desejável em um estado de direito democrático. Normas criadas para mudar regras que presidiram situações passadas são sempre preocupantes e dão o tom de casuísmos e autoritarismos.

VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

Medida absolutamente indispensável. É essencial que o Poder Judiciário conheça efetivamente sua realidade, para que possa planejar estrategicamente ações de melhoria. Nada, porém, que um Conselho composto de juízes não possa fazer.

VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa;

Medida oportuna. É salutar que o Judiciário tenha um planejamento estratégico e o compartilhe com os demais Poderes. Nada, porém, que um Conselho composto de juízes não possa fazer, até porque ninguém melhor que os próprios magistrados para identificar os problemas e as soluções.

Como visto, é perfeitamente factível que o Conselho Superior da Magistratura, composto de juízes, como quer o Supremo Tribunal Federal, dê ao País as respostas que se esperam desse órgão.

Repito aqui, porém, o que tenho dito reiteradamente. Não é o Conselho, qualquer que seja sua composição ou atribuições, que resolverá o grande problema do sistema judiciário brasileiro, que é a morosidade. Isso somente será equacionado com a reformulação dos nossos ultrapassados códigos processuais, além de medidas concretas de gestão e de investimento públicos, não apenas no Poder Judiciário, mas igualmente nas Polícias, no Ministério Público, no Sistema Penitenciário e na Defensoria Pública. É preciso, ainda, rediscutir a forma como o poder público demanda junto ao Judiciário, recorrendo sistematicamente de todas as questões, mesmo aquelas já superadas pela jurisprudência dos Tribunais. Essa soma de fatores é que dará à Justiça a efetividade reclamada e desejada por todos.


O chamado controle externo nos moldes propostos é, a meu ver, muito temerário. Além das questões já arroladas, preocupa-me sobremodo a possibilidade de demissão de juízes pelo Conselho, competência que, segundo o Ministro da Justiça, não pode lhe ser retirada, sob pena de sua total desestruturação.

Segundo a visão do Governo parece-nos que o Conselho terá precípuo desempenho como órgão disciplinar, e aí evidencia-se a possibilidade de sua politização, passando a desenvolver verdadeira fiscalização ideológica do Poder Judiciário na sua função constitucional de julgar, ainda que realizada de forma indireta.

A propósito, é relevante consignar manifestações veiculadas pela imprensa que dão exatamente essa conotação ao chamado controle externo. Por exemplo, o Editorial do Estado de São Paulo, 10/01/04, intitulado “Reforma do Judiciário modelo Incra” – Para o Incra o Judiciário emperra a reforma agrária, e atribui-se ao Presidente daquele órgão a seguinte frase: “enquanto não se fizer uma reforma e controle social do Judiciário, continuaremos a ter muitos entraves”.

Essa simples possibilidade de interferência na liberdade de julgar dos magistrados, torna a medida um desastre para a democracia, o estado de direito, a segurança jurídica e a paz social. Juiz sem independência e autonomia, sem a certeza de que poderá julgar a causa segundo sua convicção, sem receio de contrariar a quem quer que seja, não é juiz. Poder de Estado controlado em suas funções constitucionais por órgão externo não é mais um Poder de Estado.

Como não dar conotação política a um órgão que tem todos os seus membros submetidos à aprovação do Senado Federal, inclusive os representantes dos Tribunais Superiores. Que tem dois advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e dois membros do Ministério Público escolhidos pelo Procurador-Geral da República, todos virtuais candidatos a vagas reservadas ao quinto constitucional nos Tribunais do País, de nomeação, como se sabe, do Presidente da República.

Que tem dois membros escolhidos livremente pelo Parlamento, e cujos atributos são idênticos aos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal. São, por óbvio, potenciais nomes para eventuais vagas surgidas na mais alta Corte do País.

Não é diferente quanto aos juízes de primeiro e segundo graus que, naturalmente, almejam progredir na carreira, necessitando, para tanto, no mais das vezes, de apoio político. Enfim, parece-me perfeitamente possível que o Conselho, tal como concebido originalmente, possa, por seu poder disciplinar supremo, influir política e ideologicamente na independência dos magistrados, o que é inaceitável. Seria, definitivamente, o fim do Judiciário enquanto Poder do Estado.

Há, ainda, outras preocupações. Como compatibilizar a já inviabilizada situação de acúmulo de processos no Supremo Tribunal Federal com a redução de um membro, pois o Ministro indicado para o Conselho ficaria “excluído da distribuição de processos”? Como ficariam as Turmas com um ministro a menos. Enfim é um problema e precisa ser enfrentado se quisermos instituir o Conselho nesses termos.

Como visto, a questão do controle externo é bastante polêmica e complicada, que tem conseqüências e repercussões ainda não totalmente definidas.

Não pretendo, obviamente, convencer os Senhores Senadores a favor dessa ou daquela tese. O que gostaria, isso sim, é que o Congresso Nacional examinasse, com a ponderação, prudência e astúcia que lhe são peculiares, os argumentos e as preocupações do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho, antes de deliberar sobre a instituição e, principalmente, a composição do Conselho, com a rigidez de uma emenda constitucional.

Façamos como sugeriu o Ministro da Justiça, deixemos para uma análise mais aprofundada e amadurecida as questões controvertidas, e nada menos consensual do que o controle externo. É um apelo que faço ao Senado Federal, em prol da preservação das instituições, em especial do Judiciário, tal qual foi concebido pelo constituinte originário, como Poder de Estado independente.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!