Interrupção negada

Justiça não permite aborto de feto com má formação cerebral

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18 de fevereiro de 2004, 10h45

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, concedeu habeas-corpus a um nascituro. A decisão impede o aborto que havia sido autorizado pela Justiça do Rio de Janeiro, porque a criança é portadora de anencefalia (ausência total ou parcial de calota craniana e cérebro rudimentar). É a primeira vez que o STJ julga o mérito de um habeas-corpus sobre o tema.

Por causa da inviabilidade de vida do bebê após o nascimento, a defensoria pública do Rio de Janeiro entrou com ação na Justiça requerendo autorização para que G.O.C. fosse submetida a uma cirurgia de aborto. Segundo exames realizados, constatou-se que o feto tem anencefalia.

Informações médicas traduzem anencefalia como um defeito de fechamento da porção anterior do tubo neural, levando à não formação adequada do encéfalo e da calota craniana. É uma condição incompatível com a vida em 100% dos casos, levando à morte intra-uterina ou no período neonatal precoce.

Na primeira instância o juiz negou o pedido, mas o tribunal estadual autorizou o aborto em julgamento de recurso. A decisão levou um advogado a impetrar habeas-corpus no STJ.

Ele alegou que a decisão afronta os artigos 3º, 5º e 227 da Constituição Federal e o artigo segundo do Código Civil. Para o advogado, o aborto em questão também não se enquadra nas hipóteses dos incisos do artigo 128 do Código Penal (segundo o qual, não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante e se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal).

Em dezembro do ano passado, a ministra Laurita Vaz, relatora do processo, deferiu liminar para sustar a decisão do Tribunal de Justiça até a apreciação final pela Turma. A ministra entendeu ser patente o periculum in mora (perigo da demora), diante da possibilidade de realização da intervenção cirúrgica e conseqüente perda do objeto (vida), bem como o fumus boni iuris (pretensão razoável), consubstanciado na ausência de previsão da hipótese no art. 128 do Código Penal.

Ao apreciar o mérito do pedido, primeiramente, a ministra entendeu ser possível o uso do habeas-corpus para se pleitear o impedimento do aborto. “A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não se há falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro”, afirmou.

A ministra considerou que a legislação penal e a Constituição tutelam a vida como bem maior a ser preservado. E o caso em questão, a de nascituro com anencefalia, não se inclui no rol em que o aborto é autorizado.

“O máximo que podem os defensores da conduta proposta nos atos originários é lamentar a omissão, mas nunca exigir do magistrado, intérprete da lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que, insisto, fora excluída de forma propositada pelo legislador”, destacou.

“Deve-se deixar a discussão acerca da correção ou incorreção das normas que devem viger no país para o foro adequado para debate e deliberação sobre o tema, qual seja, o Parlamento”, concluiu.

Dessa forma, concedeu o habeas-corpus desautorizando o aborto. Os demais ministros acompanharam o voto da relatora também em razão de a gestação já se encontrar em torno do oitavo mês. (STJ)

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