Para a gaveta

HC de advogados contra escutas telefônicas é arquivado

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17 de fevereiro de 2004, 17h09

O ministro Celso de Mello arquivou o habeas corpus impetrado pela Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo em favor de todos os profissionais inscritos na seccional da Ordem em São Paulo. A decisão tornou prejudicado o pedido de liminar contido no HC. Adesp deve recorrer.

A Federação impetrou o HC visando a concessão, “a todo advogado inscrito na OAB, Seccional do Estado de São Paulo, e por que não do Brasil” de salvo-conduto, em ordem a “determinar que sejam banidas, das investigações criminais e da instrução processual penal, enfim, das ações penais, as interceptações de linhas telefônicas” pertencentes a advogados.

Sustentou-se que o Ministério Público Federal tem abusado de suas prerrogativas institucionais, por todo o território nacional, pois no curso das investigações criminais que visam informar futura ação penal, requisitam judicialmente a “inconstitucional, ilegal e inadmissível interceptação de linhas telefônicas que previamente sabia pertencer a advogados inscritos na OAB, Seccional do Estado de São Paulo, o que vem acontecendo, inclusive, por todo o país”, afirmou a federação.

O relator, ministro Celso de Mello, examinou preliminarmente a viabilidade da utilização, no caso, do habeas corpus, considerando a alegação de que os advogados inscritos na OAB-SP estariam sendo indiscriminadamente atingidos em suas prerrogativas profissionais, de sigilo profissional pelo MPF nos procedimentos penais (investigações e ações penais).

De acordo com Celso de Mello, os termos da impetração do HC se revelam inadequados, pois a finalidade do instrumento seria a proteção do direito à intimidade dos advogados e o de seus eventuais clientes, sem a necessária conexão com a tutela da liberdade de locomoção física dos ora pacientes.

Segundo o ministro, “o conteúdo absolutamente genérico do pedido ora deduzido pelos impetrantes evidencia, por isso mesmo, o pleno descabimento da ação de “habeas corpus”, pois não se demonstrou, na espécie, e de modo concreto, a possibilidade de “todos os advogados” inscritos na OAB/SP estarem sofrendo, ou virem a sofrer, de maneira imediata, constrangimento em seu direito de ir, de vir e de permanecer”.

Celso de Mello rememorou a jurisprudência do Supremo sobre o cabimento do HC, cuja utilização supõe a concreta configuração de ofensa imediata, atual ou iminente, ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas. “Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que, com a Reforma Constitucional de 1926 – que importou na cessação da doutrina brasileira do “habeas corpus” – este writ passou a amparar, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos”, afirmou o ministro.

O ministro observou que a Federação deixou de indicar atos concretos e específicos que evidenciem, por parte do MPF, a prática de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude, não considerando viável o ajuizamento do habeas corpus.

Assim, Celso de Mello adotou a jurisprudência do STF e não conheceu do HC (arquivou), pois na ação não há referência individualizadora de fatos concretos, imputáveis ao MPF, que caracterizassem situação configuradora de real ameaça à liberdade de ir e vir dos advogados.

Sobre as interceptações das comunicações telefônicas, o ministro ponderou que esse procedimento possui finalidade específica e que sua autorização, em período de normalidade institucional, depende de ordem judicial.

Segundo Celso de Mello, essa circunstância exclui completamente a possibilidade do MPF determinar, por autoridade própria, a escuta lícita de conversações telefônicas. Assim, o ministro relator não conheceu do HC e julgou prejudicado o pedido de liminar da Federação. (STF)

Conheça o entendimento de Celso de Mello

HABEAS CORPUS N. 83.966-5

PROCED.: SÃO PAULO

RELATOR ORIGINÁRIO: MIN. CELSO DE MELLO

PACTE.(S): ADVOGADOS INSCRITOS NA ORDEM DOS ADVOGADOS

DO BRASIL (OAB) – SECCIONAL DE SÃO PAULO

IMPTE.(S): FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DOS ADVOGADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO – FADESP E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : RICARDO HASSON SAYEG E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, que, preventivamente impetrado pela Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo, em litisconsórcio ativo com ilustres Advogados, tem por objetivo a concessão, “a todo advogado inscrito na OAB, Seccional do Estado de São Paulo, e por que não do Brasil…” (fls. 15), de salvo-conduto, em ordem a “determinar que sejam banidas, das investigações criminais e da instrução processual penal, enfim, das ações penais, as interceptações de linhas telefônicas…” (fls. 15) pertencentes a Advogados.


Sustenta-se, na presente impetração – na qual se aponta, como autoridade coatora,o chefe do Ministério Público Federal, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República…” (fls. 15) – que o “Ministério Público Federal, por todo o território nacional, vem, no bojo de investigações criminais que visam aparelhar futura ação penal, e em instruções processuais penais (…), abusando de suas prerrogativas institucionais e, conseqüentemente, requisitando judicialmente a inconstitucional, ilegal e inadmissível interceptação de linhas telefônicas que previamente sabia pertencer a advogados inscritos na OAB, Seccional do Estado de São Paulo, o que vem acontecendo, inclusive, por todo o país” (fls. 12).

Cabe examinar, preliminarmente, a viabilidade, ou não, da utilização, no caso, do instrumento constitucional do “habeas corpus”, considerada a alegação, deduzida pelos próprios impetrantes, de que os Advogados inscritos na OAB/SP estariam sendo “indiscriminadamente” atingidos em suas prerrogativas profissionais, “em razão da violação do direito-dever de comunicação reservada com seus clientes” (fls. 2).

Com efeito, os ora impetrantes, ao ajuizarem o presente “writ”, com ele buscaram resguardar e preservar, exclusivamente, o direito à intimidade dos Advogados em geral, cuja esfera de privacidade – segundo ora sustentado nesta sede processual – estaria sendo desrespeitada pelo Ministério Público Federal, em sede de procedimentos penais.

Na realidade, a própria parte impetrante, ao postular “sejam banidas, das investigações criminais e da instrução processual penal (…), as interceptações de linhas telefônicas (…)” (fls. 15) referentes a Advogados, expressamente apoiou o seu pleito na alegação de que, com tal prática – efetivada “independentemente de qualquer envolvimento na investigação criminal ou instrução criminal” (fls. 14 – grifei) -, atentou-se contra “a intimidade de todo o número infinito de pessoas que venham a procurar o advogado (…)” (fls. 14 – grifei).

Vê-se, pois, considerados os específicos termos em que formulada a presente impetração, que se revela inadequado o meio processual ora utilizado, eis que o “habeas corpus” foi deduzido, na espécie, com a exclusiva finalidade de preservar e de proteger, unicamente, o direito à intimidade dos ilustres integrantes da classe dos Advogados e o de seus eventuais clientes, sem a necessária conexão com a tutela da liberdade de locomoção física dos ora pacientes.

O conteúdo absolutamente genérico do pedido ora deduzido pelos impetrantes evidencia, por isso mesmo, o pleno descabimento da ação de “habeas corpus”, pois não se demonstrou, na espécie, e de modo concreto, a possibilidade de “todos os Advogados” (fls. 2) inscritos na OAB/SP estarem sofrendo, ou virem a sofrer, de maneira imediata, constrangimento em seu direito de ir, de vir e de permanecer.

Cumpre rememorar, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido, presente tal contexto, que não se revela pertinente o remédio constitucional do “habeas corpus”, cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa imediata, atual ou iminente, ao direito de ir, vir e permanecer dos pacientes (RTJ 135/593, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ 136/1226, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 142/896, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 152/140, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 180/962, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que, com a Reforma Constitucional de 1926 – que importou na cessação da doutrina brasileira dohabeas corpus” – este writ passou a amparar, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos…” (RTJ 66/396 – RTJ 177/1206-1207 – RT 423/327 – RT 338/99 – RF 213/390 – RF 222/336 – RF 230/280, v.g.).

Sabemos todos que o sentido abrangente da norma inscrita no art. 72, § 22, da Constituição republicana de 1891, na redação anterior à estabelecida pela Revisão Constitucional de 1926, elasteceu, sob o influxo da doutrina brasileira do “habeas corpus”, o âmbito de incidência desse instrumento formal de proteção às liberdades públicas.

A doutrina brasileira do “habeas corpus” – como enfatiza, em preciso magistério, ROBERTO ROSAS (“Direito Processual Constitucional”, p. 85/86, 1983, RT) – ampliou o campo de utilização desse remédio constitucional, permitindo que, por meio dele, se defendessem outros direitos cujo gozo tivesse por suporte o exercício da liberdade de locomoção física.


O “habeas corpus”, então, sob a decisiva influência das idéias sustentadas pelo notável magistrado desta Corte, PEDRO LESSA (“Do Poder Judiciário”, p. 337/339, 1915, Livraria Francisco Alves), passou a tutelar, no plano jurisdicional, não só o direito de ir, vir e permanecer, ainda quando este, na simples condição de direito-meio, pudesse vir a ser afetado de modo reflexo, indireto ou oblíquo (RF 22/306 – RF 34/505 – RF 36/192 – RF 38/213 – RF 45/183), mas, também, quaisquer outras prerrogativas jurídicas, que, lesadas por comportamentos ilegais ou abusivos dos órgãos ou agentes da administração pública, tivessem, na liberdade de locomoção física, a sua condição de exercício (RF 13/148).

Na realidade, a ampliação das funções do “habeas corpus” deveu-se à inexistência, em nosso ordenamento positivo, de um remédio processual, que, à semelhança da ação de mandado de segurança – que só viria a ser institucionalizada pela Constituição de 1934 -, atuasse como instrumento viabilizador da tutela pronta, imediata e eficaz de outros direitos e liberdades expostos à ação eventualmente arbitrária do Poder Público (CASTRO NUNES, “Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do Poder Público”, p. 1/2, item n. 1, 8ª ed., 1980, Forense; SEABRA FAGUNDES, “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, p. 258, item n. 105, nota n. 19, 4ª ed., 1967, Forense, v.g.).

O fato irrecusável, no entanto, é que, após a Reforma Constitucional de 1926, “A proteção do habeas corpus não vai além do direito de locomoção. Por ele não se tutelam outros direitos, nem mesmo os que, na faculdade de ir e vir ou ficar, têm a sua condição de exercício” (RF 222/336 – RT 173/24 – RT 338/99).

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em inúmeros julgamentos, tem realçado o caráter estrito da destinação constitucional do remédio de “habeas corpus”, como resulta claro das decisões a seguir transcritas:

“Após a Reforma Constitucional de 1926, e com a cessação da doutrina brasileira do habeas corpus, esse remédio processual passou a ter pertinência somente nos casos em que ocorrer situação de risco efetivo ou de dano potencial à liberdade de locomoção física do paciente (‘jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque’). Precedentes.”

(RTJ 180/962, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

“A função clássica do habeas corpus restringe-se à estreita tutela da imediata liberdade de locomoção física das pessoas.

– A ação de habeas corpus – desde que inexistente qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque – não se revela cabível, mesmo quando ajuizada para discutir eventual nulidade do processo penal em que proferida decisão condenatória definitivamente executada.

Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 – que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus – haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediataliberdade de locomoção físicadas pessoas. Precedentes.”

(HC 80.575/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma)

Desse modo, e tendo em vista que, da exposição feita pelos ora impetrantes, constata-se que estes buscam preservar, com o presente remédio heróico, a relação de confidencialidade que deve existir entre o Advogado e seu cliente (fls. 2, 7 e 12/14), torna-se evidente – considerando-se, estritamente, o que emerge do próprio conteúdo desta impetração – que inexiste, no caso, para efeito de incidência da norma inscrita no art. 5º, LXVIII, da Constituição, situação de litigiosidade que afete a imediata liberdade de locomoção física dos Advogados em geral (notadamente daqueles inscritos na OAB/SP) e que, acaso ocorrente, pudesse legitimar a utilização da ação de “habeas corpus”, consoante esta Suprema Corte tem advertido:

“Objetivando as razões da impetração salvaguardar o direito à intimidade, sem demonstração de que a quebra do sigilo telefônico (…) constitua efetiva ameaça à liberdade de ir e vir do paciente, não é o habeas-corpus a via adequada à cessação do imputado ato ilegal.

Habeas-corpus não conhecido.


(RTJ 178/1231, Rel. p/ o acórdão Ministro MAURÍCIO CORRÊA – grifei)

Enfatize-se, no entanto, que, mesmo que se admita a utilização da via do “habeas corpus”, em tema de interceptação telefônica – o que tem sido reconhecido, em situações específicas, por esta Suprema Corte (RTJ 171/258, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 180/1001-1003, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) -, ainda assim revelar-se-á insuscetível de conhecimento o presente “writ” constitucional.

É que os ora impetrantes não fizeram constar, de suas alegações, qualquer alusão a atos concretos ou a procedimentos penais específicos, em cujo âmbito estariam sendo praticadas medidas caracterizadoras da alegada situação de injusto constrangimento à liberdade de locomoção física dos Advogados de São Paulo.

Com efeito, os ora impetrantes, em suas razões, limitaram-se a afirmar, de maneira genérica, sem qualquer especificação individualizadora – e sempre na perspectiva da defesa do direito à intimidade e da inviolabilidade da comunicação reservada entre Advogado e cliente -, que o “Ministério Público Federal, por todo o território nacional, vem, no bojo de investigações criminais (…), abusando de suas prerrogativas institucionais (…), requisitando judicialmente a inconstitucional, ilegal e inadmissível interceptação de linhas telefônicas que previamente sabia pertencer a advogados…” (fls. 11).

Os impetrantes, portanto, deixaram de indicar fatos concretos cuja efetiva ocorrência, desde que objetivamente demonstrada, pudesse ensejar a adequada utilização da via do “habeas corpus”.

Sem a precisa indicação, pelos autores do “writ”, de atos concretos e específicos que evidenciem, por parte da autoridade ora apontada como coatora, a prática de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude, não há como reputar processualmente viável o ajuizamento da ação constitucional de “habeas corpus”.

Cabe rememorar, neste ponto, a advertência de JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1469, item n. 654.7, 7ª ed., 2000, Atlas), cuja lição, a propósito da necessária referência a fatos concretos, assim foi por ele exposta:

“A petição deve conter também a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor’. Devem ser expostas, pois, a natureza da coação, suas circunstâncias, causas, ilegalidade etc., bem como a argumentação de fato e de direito destinada a demonstrar a ilegitimidade do constrangimento real ou potencial (…).”

Essa mesma orientação é perfilhada por EDUARDO ESPÍNOLA FILHO (“Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. VII/277, item n. 1.372, 2000, Bookseller), em abordagem na qual enfatiza a imprescindibilidade da concreta indicação do ato coator:

“A petição deve, pois, conter todos os requisitos de uma exposição suficientemente clara, com explanação e narração sobre a violência, suas causas, sua ilegalidade. Não se faz mister, porém, que a petição esteja instruída com o conteúdo da ordem pela qual o paciente está preso, porque esta falta não pode prejudicar, e é perfeitamente sanável.

A petição, dando parte da espécie de constrangimento, que o paciente sofre, ou está na iminência de sofrer, deve argumentar no sentido de convencer da ilegalidade da violência, ou coação (…).

É óbvio, há todo interesse, para o requerente, em precisar os fatos, tão pormenorizada, tão circunstancialmente, quanto lhe for possível, pois melhor se orientará a autoridade judiciária, a que é submetida a espécie (…).” (grifei)

Daí a observação feita por ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES (“Recursos no Processo Penal“, p. 361, item n. 240, 1996, RT):

“O Código exige, finalmente, a menção à espécie de constrangimento e, no caso de ameaça, as razões em que se funda o temor, ou seja, a indicação dos fatos que constituem a causa petendi.” (grifei)

Esse entendimento doutrinário – que repele a utilização do instrumento constitucional do “habeas corpus“, quando ausente, na petição de impetração, menção específica e concreta aos fatos ensejadores da alegada situação de injusto constrangimento (FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 444, item n. 20.15.10, 2ª ed., 1998, Saraiva; TALES CASTELO BRANCO, “Teoria e Prática dos Recursos Criminais”, p. 158, item n. 156, 2003, Saraiva) – reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, a propósito do tema, assim se tem pronunciado:

HABEAS CORPUS – IMPETRAÇÃO QUE NÃO INDICA QUALQUER COMPORTAMENTO CONCRETO ATRIBUÍDO À AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA – PEDIDO NÃO CONHECIDO.


Torna-se insuscetível de conhecimento ohabeas corpus em cujo âmbito o impetrante não indique qualquer ato concreto que revele, por parte da autoridade apontada como coatora, a prática de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude.”

(RTJ 159/894, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“Não há como admitir o processamento da ação de habeas corpus, se o impetrante deixa de atribuir à autoridade apontada como coatora a prática de ato concreto que evidencie a ocorrência de um específico comportamento abusivo ou revestido de ilegalidade.”

(RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Vê-se, pois, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que a presente impetração revela-se insuscetível de conhecimento, eis que destituída de qualquer referência individualizadora a fatos concretos, que, imputáveis ao eminente Procurador-Geral da República – autoridade ora apontada como coatora – pudessem caracterizar situação configuradora de real ameaça (ou de efetivalesão) ao “status libertatis” daqueles em cujo favor foi deduzido este “writ” constitucional.

Enfatize-se, de outro lado, que, mesmo que a parte ora impetrante houvesse indicado, em sua petição, um específico pedido de interceptação de comunicações telefônicas, formulado pelo eminente Procurador-Geral da República, ainda assim a alegada situação de injusto constrangimento não seria imputável ao Chefe do Ministério Público Federal.

Não custa acentuar, neste ponto, que a mera formulação (sequer comprovada) de pedido de interceptação de conversações telefônicas, embora deduzido pelo próprio Chefe do Ministério Público da União, não importa, só por si, enquanto simples postulação, em ofensa à liberdade de locomoção física de qualquer pessoa, pela simples razão de que o ato eventualmente configurador de lesão ao “status libertatis“, quando praticado no contexto de procedimentos de índole penal, somente pode advir de determinação emanada do Poder Judiciário, como resulta inequívoco da cláusula inscrita no art. 5º, XII da Constituição da República.

É que a interceptação das comunicações telefônicas – que possui finalidade específica e que sempre depende, para efeito de sua autorização, em período de normalidade institucional, de ordem judicial (CF, art. 5º, XII, in fine) – está submetida ao postulado da reserva constitucional de jurisdição (RTJ 177/229, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 180/191-193, Rel. Min. CELSO DE MELLO), circunstância esta que exclui, por completo, a possibilidade de membros do Ministério Público Federal, como o eminente Procurador-Geral da República, virem a determinar, por autoridade própria, a escuta lícita de conversações telefônicas.

Na realidade, não há que se falar em situação de injusto constrangimento imputável seja ao eminente Procurador-Geral da República, seja, ainda, a qualquer membro do Ministério Público Federal, eis que, nos termos do que dispõe a Lei nº 9.296/96 (art. 1º, “in fine”), “A interceptação de comunicações telefônicas (…)dependerá de ordem do juiz” (grifei), incumbindo, pois, ao “Parquet”, unicamente, quando for o caso, formular o pedido de escuta, que poderá, ou não, ser ordenado pela autoridade judiciária competente, e por esta, apenas.

O que não se mostra cabível, no entanto, mesmo no contexto de procedimentos penais, é considerar-se o Senhor Procurador-Geral da República responsável por todos os pedidos de interceptação telefônica, que, no âmbito do Ministério Público Federal, já tenham sido formulados – ou que venham a sê-lo – por Procuradores da República.

Isso geraria, como conseqüência, a possibilidade de se imputar, ao Chefe do “Parquet”, responsabilidade por atos de outrem, tal como pretendido na espécie (fls. 15).

A independência funcional dos membros do Ministério Público não admite que o Chefe da Instituição interfira na esfera de atuação de cada integrante do “Parquet”, mediante incabível determinação das medidas de persecução penal que cada qual deva adotar nos procedimentos em que oficie.

O acolhimento da tese sustentada pelos ilustres impetrantes – que atribuem, ao Procurador-Geral da República, para efeito de “habeas corpus”, a responsabilidade pela iniciativa dos pedidos de interceptação telefônica formulados por outros membros do Ministério Público Federal (fls. 15) – culminaria por deslocar, indevidamente, para o Supremo Tribunal Federal, a competência para apreciar atos emanados, não do eminente Procurador-Geral da República (CF, art. 102, I, “d“), mas, na realidade, praticados por outros integrantes do “Parquet” federal.

Sendo assim, pelas razões expostas, não conheço da presente ação de “habeas corpus”, restando prejudicada, em conseqüência, a apreciação do pedido de medida liminar.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 13 de fevereiro de 2004.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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