Nó apertado

PMs podem pegar até 138 anos de prisão por morte de dentista

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17 de fevereiro de 2004, 17h12

Homicídio duplamente qualificado, fraude processual, porte ilegal de armas e coação de testemunhas. Essas são as acusações que constam da denúncia apresentada pelo promotor de Justiça, Orides Boiati, contra policiais militares acusados da morte do dentista Flávio Ferreira Sant’Ana. As penas máximas somadas chegam a 138 anos de prisão.

O dentista foi morto com dois tiros no dia 3 de fevereiro após ter deixado a namorada no aeroporto, em São Paulo. O Ministério Público apresentou a denúncia nesta terça-feira (17/2).

Os policiais militares Luciano José Dias, Carlos Alberto de Souza Santos e Ricardo Arce Rivera foram denunciados por homicídio duplamente qualificado, fraude processual e porte ilegal de armas.

Os PMs Ivanildo Soares da Cruz e Deivis Júnior Lourenço foram denunciados por fraude processual e porte ilegal de armas.

Edson Assunção e Magno de Almeida Morais, também PMs, são acusados pelo Ministério Público de coação de testemunhas.

Punição

Homicídio duplamente qualificado — pena de 12 a 30 anos de prisão

Fraude processual — 6 meses a 4 anos de prisão

Porte ilegal de armas — 2 a 4 anos de prisão

Coação de testemunhas — 1 a 4 anos de prisão e multa

Leia a denúncia do MP

Exmo (A) Senhor (A) Doutor (A) Juiz (A) de Direito da Vara do II Tribunal do Júri da Comarca da Capital

Consta do incluso inquérito policial, que no dia 03 de fevereiro de 2004, por volta de 01h20m, na Av. Santos Dumont, altura do nº 54, nesta cidade e Comarca de São Paulo, LUCIANO JOSÉ DIAS, qualificado à fl. 131, e foto à fl. 253/IPM, em concurso com CARLOS ALBERTO DE SOUZA SANTOS, qualificado à fl. 113, com foto à fl. 252/IPM e RICARDO ARCE RIVERA, qualificado à fl. 119, com foto à fl. 252/IPM, militares em atividade de rotina, unidos com o mesmo propósito criminoso, um aderindo à conduta do outro, agindo por motivo torpe e utilizando de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, mediante disparos de arma de fogo, produziram ferimentos em Flávio Ferreira Sant’Ana, (1)) causa final de sua morte, conforme documento de fls.17, o que será melhor descrito em laudo de exame necroscópico a ser oportunamente juntado.

Apurou-se que o comando das diligências de rua estava a cargo do tenente CARLOS ALBERTO DE SOUZA SANTOS que tinha o apoio do cabo RICARDO ARCE RIVERA. Diligenciavam no interior do veículo de Antonio Alves dos Anjos, vítima de roubo, à procura de uma pessoa de cor negra que teria praticado esse crime. Avistaram Flávio, também de cor negra, que caminhava pela calçada da Av. Santos Dumont e foi abordado. Para a abordagem os milicianos desprezaram por completo as normas internas da corporação. O soldado LUCIANO JOSÉ DIAS desembarcou do veículo atirando contra a vítima e os disparos foram repetidos por CARLOS ALBERTO e RICARDO ARCE RIVERA, em ação conjunta e solidária.

Ao perceber a ação dos policiais FLÁVIO levantou os braços e pediu que não atirassem, mas mesmo assim foi executado sumariamente a tiros.

Ao que se apurou o motivo do crime é torpe. É que os denunciados, policiais militares em atividade, efetuaram os disparos apenas porque suspeitavam que a vítima seria o autor do roubo contra Antonio Alves dos Anjos.

O crime foi praticado mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima, uma vez que esta caminhava na calçada e não tinha qualquer motivo para esperar a surpreendente e fulminante agressão a tiros, mesmo porque já estava à mercê dos executores com os braços levantados.

Noticiam os autos que logo após a execução do crime de homicídio, LUCIANO JOSÉ DIAS, CARLOS ALBERTO DE SOUZA SANTOS, RICARDO ARCE RIVERA, IVANILDO SOARES DA CRUZ, qualificado à fl. 125, com foto à fl. 253/IPM e DEIVIS JÚNIOR LOURENÇO, qualificado à fl. 137,com foto à fl. 254/IPM em conluio, um aderindo à conduta do outro, inovaram artificiosamente, antes de iniciado o processo penal, o estado de lugar, de coisa e de pessoa, com o fim de induzir em erro o juiz e o perito. Assim é que simularam o envolvimento da vítima Flávio em crime de roubo e colocaram ao lado de seu copo a arma de fogo apreendida às fls. 07/09, clandestina, de numeração raspada, forjando, maldosamente, a ocorrência de uma resistência e troca de tiros que não existiu. Ainda, colocaram no bolso das vestes do cadáver a carteira de identidade de Antonio Alves dos Anjos e dinheiro subtraído desta vítima, o que fizeram com pleno conhecimento da falsidade da conduta. Consta que removeram o cadáver do local, na condição de meliante desconhecido (fl. 05), com o fim de prejudicar a perícia.

Consta ainda que na mesma data LUCIANO JOSÉ DIAS, CARLOS ALBERTO DE SOUZA SANTOS, RICARDO ARCE RIVERA, IVANILDO SOARES DA CRUZ e DEIVIS JÚNIOR LOURENÇO detinham e transportavam em viatura oficial o revólver da marca Rossi, com numeração raspada, apreendida às fls. 07, arma de fogo clandestina e utilizada para inovação de local de crime, que receberam anteriormente em circunstâncias não esclarecidas, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Consta, também, que no dia 06, em um estacionamento sito à Rua Santo Antonio, EDSON ASSUNÇÃO, qualificado às fls. 100 e 144, 155 e MAGNO DE ALMEIDA MORAIS, qualificado à fl. 149, a mando do denunciado RICARDO ARCE RIVERA, usaram de grave ameaça contra Antonio Alves dos Anjos, ameaçando-o de morte caso contasse a verdade, o que fizeram com o fim de favorecer interesse alheio, ou seja, para beneficiar os milicianos envolvidos no assassinato de Flávio Ferreira San’Ana. Consta que no dia 08, por volta das 11:00 horas, RICARDO ARCE RIVERA renovou as ameaças contra Antonio Alves dos Anjos.

A ação criminosa desenvolvida pelos acusados, como acima narrado, constitui ainda ABUSO DE PODER e grave violação de dever para com a Administração Pública.

ANTE O EXPOSTO, denuncio LUCIANO JOSÉ DIAS, CARLOS ALBERTO DE SOUZA SANTOS, RICARDO ARCE RIVERA como incursos nas sanções do art., 121, parágrafo segundo, incisos I e IV do Código Penal, art. 347, c. c. seu parágrafo único, do Código Penal e art. 14 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, tudo combinado com o artigo 29, “caput” e 69, “caput”, do Código Penal. Denuncio ainda RICARDO ARCE RIVERA como incurso nas penas do art. 344, “caput”, c. c. o art. 29, “caput”, ambos do Código Penal.

Denuncio IVANILDO SOARES DA CRUZ e DEIVIS JÚNIOR LOURENÇO como incursos no art. 347 e seu parágrafo único, do Código Penal e art. 14 da Lei n.º 10.826, de 22 de dezembro de 2003, c. c. o art. 29, “caput” e 69, “caput”,ambos do Código Penal.

Denuncio EDSON ASSUNÇÃO e MAGNO DE ALMEIDA MORAIS como incursos nas penas do art. 344, “caput”, c. c. o art. 29, “caput”, ambos do Código Penal.

Requeiro a citação dos denunciados para interrogatórios e demais atos do processo, ouvindo-se as testemunhas do rol abaixo e prosseguindo-se na forma dos artigos 394/406, do CPP, até final pronúncia e julgamento pelo Tribunal do Júri, com aplicação também da pena de perda dos cargos, na forma do art. 92, incisos I, letras “a” e “b”, do Código Penal.

ROL DE TESTEMUNHAS: (restrito aos autos).

P. Deferimento.

São Paulo, 17 de fevereiro de 2004.

ORIDES BOIATI

PROMOTOR DE JUSTIÇA

Nota de rodapé

1- Dentista recém-formado, com 28 anos de idade, muito estimado pela família, amigos e ex-colegas de Faculdade (doc. J.);

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