Ondas do som

Lei sobre direitos autorais de obra fonográfica é confusa

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17 de fevereiro de 2004, 9h55

Relevante é a questão que respeita aos direitos autorais sobre a obra fonográfica, assumindo interessantes contornos na atualidade, à medida que se confronta com o advento de inovações tecnológicas absolutamente não previstas pelo legislador pátrio e com a incrível sagacidade dos contrafatores de obras protegidas.

A obra fonográfica corporifica-se, ou seja, cria corpo ao fixar-se sobre um suporte físico, exatamente a teor do que dispõe o inciso IX do artigo 5º da Lei nº 9.610/98, antes do que, sem a respectiva corporificação, pertence tão-somente ao domínio do esforço intelectivo do autor e ao mundo ideário humano, acervo não protegível sob a égide do Direito de Autor.

Conceitua o referido artigo 5º, inciso IX, in verbis: “Para os efeitos desta Lei, considera-se….fonograma – toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”.

O texto legal refere-se, dessa forma e exemplificativamente, a fixações de músicas (com ou sem letra), declamações, alocuções, conferências, sermões – a teor do inciso II do artigo 7º -, e toda e qualquer fixação de som que envolva alguma espécie de esforço criativo por parte do autor (por exemplo: a gravação de sons captados da natureza, como o canto aleatório de pássaros silvestres, em nossa opinião, não constituiria obra protegível pelo Direito de Autor, de vez que seria tão-somente a fixação mecânica de sons naturais.

Outrossim, se os mesmos sons fossem editados de modo a compor melodias, ou interpolados com textos ou congêneres, teríamos um fonograma efetivamente albergado sob a égide da proteção autoral). Cumpre referir, no entanto, que, se os mesmos sons estiverem englobados no contexto de uma obra audiovisual, composta pela fixação de som e imagem, por essa categoria serão os mesmos abarcados, por inclusão, como pertencentes ao diverso gênero do que antigamente se convencionava chamar videofonograma. A redação da lei é um tanto confusa no que diz respeito a essa conceituação, eis que o fonograma sempre será parte destacável da obra audiovisual no que respeita ao pagamento de direitos autorais e à defesa dos direitos patrimoniais e morais a ele referentes.

A alínea “i” do inciso VIII do artigo 5º da lei refere-se à obra audiovisual como a fixação de imagens com ou sem som, o que, a nosso ver, consiste em equívoco conceitual, de vez que o próprio termo cunhado para a definição da espécie é auto-explicativo: audiovisual, ou seja, composto de áudio – som – e imagem. Parece que a mens legislatoris, ao cunhar o conceito de audiovisual ligado à possibilidade da ausência de som, foi a de se conferir proteção igualmente àquelas obras corporificadas através da simples fixação de imagens e desprovidas de sons, a exemplo do que seria o cinema mudo.

O fonograma, obra criada através do esforço intelectivo de seu autor e positivada em seu próprio suporte físico (cuja variedade o avanço tecnológico vai implementando dia após dia e que, na atualidade, abrange o vasto universo dos compact discs, cassetes e antigos compactos e long plays) é colocado à disposição do mercado consumidor para que o autor possa fruir dos proventos financeiros de sua obra decorrentes. Para que essa circulação da obra, quando devidamente autorizada pelo autor, efetivamente ocorra, concorre a figura do produtor, que á a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma, qualquer que seja a natureza do suporte físico utilizado (cfr. artigo 5º, XI, da Lei nº 9.610/98).

Quanto à utilização do conteúdo de um fonograma, cabe exclusivamente ao autor definir e autorizar cada espécie de uso possível de sua obra, estabelecendo contratualmente o que se autoriza ou proíbe em relação ao mesmo conteúdo. O artigo 31 da lei de direitos autorais é claro ao manter a independência para as diversas modalidades de utilização de fonogramas, sendo certo que a autorização concedida pelo autor (ou pelo respectivo produtor, quando o caso) não pode ser estendida a modalidades não expressamente previstas. E é no corpo do artigo 29 que podemos visualizar as numerosas possibilidades de aproveitamento econômico de fonogramas, tais como a reprodução parcial ou integral; o aproveitamento em produção audiovisual; a distribuição mediante cabo, fibra ótica, satélite e outros, mediante pagamento; a utilização em execuções públicas com emprego de alto-falantes ou sistemas análogos; a radiodifusão sonora ou televisiva; sonorização ambiental, entre outras.

O § 1º do artigo 30 da lei autoral faz pequena ressalva ao direito de exclusividade de reprodução da obra fonográfica (que pertence, via de regra, ao autor ou a quem este o delegou em decorrência de contrato), qual seja, a permissão para reprodução temporária cujo propósito seja tornar o fonograma apenas perceptível em meio eletrônico ou quando guarde natureza transitória ou incidental, desde que isto ocorra no curso do uso devidamente autorizado da obra. Para dar um exemplo, usemos o caso de autorização de fonograma para uso em radiodifusão sonora ou televisiva, em que o citado fonograma seja objeto de utilização ou exibição em determinado programa da respectiva emissora. Ficaria autorizada, assim, à referida emissora, sem necessidade de autorização complementar, a utilização de trechos do mesmo fonograma em chamadas incidentais em sua programação.


O artigo 46 da Lei nº 9.910/98, o qual trata das limitações aos direitos autorais, determina que não constitui ofensa a esses direitos a utilização de fonogramas (incluídas as transmissões de rádio e TV) em estabelecimentos comerciais, se essa utilização for exclusivamente para demonstração à clientela dos suportes ou equipamentos que permitam a referida utilização dos fonogramas. É o caso das lojas de aparelhos eletrodomésticos, que necessitam valer-se dos fonogramas para demonstrar aos clientes os seus aparelhos de som, home theaters, etc. Igualmente, o inciso VII do mesmo artigo determina que a utilização de qualquer tipo de obra (fonogramas, inclusive) será possível para a produção de provas judiciárias ou mesmo administrativas.

A lei de direitos autorais, a partir de seu artigo 68, trata da assim chamada comunicação ao público, que é a forma através da qual a obra fonográfica é colocada à disposição do público consumidor, mediante qualquer meio ou procedimento – excluída a distribuição de exemplares -, exatamente a teor do que dispõe o artigo 5º, inciso V, do mesmo ato normativo. O referido artigo 68 dispõe que, sem prévia e expressa autorização do autor ou do titular dos direitos patrimoniais de autor, não poderão ser utilizados fonogramas em execuções públicas.

A execução pública de um fonograma, por sua vez, é a utilização do mesmo em locais de freqüência coletiva por qualquer processo que seja, inclusive a radiodifusão ou a transmissão por qualquer modalidade. Esse é o dispositivo legal que veda a utilização de aparelhos de rádio ou reprodução em funcionamento em consultórios médicos, bares, restaurantes e outros semelhantes, sendo certo que a lei deseja proteger os autores para que seu trabalho intelectual não seja usado como um atrativo comercial, um plus, pelo qual o dono do estabelecimento nada pagaria, acrescendo o valor intrínseco gerado pela execução da obra ao patrimônio incorpóreo de seu próprio negócio, enriquecendo ilicitamente em detrimento dos autores das obras fonográficas.

A esse respeito, é importante observar o rol do § 3º do mesmo artigo, o qual elenca, exemplificativamente, os locais que são considerados como sendo de freqüência pública, para efeito da vedação legal: teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, dentre outros. Cumpre referir que esse dispositivo legal muitas querelas vem causando, postas para a apreciação de nossos Tribunais, sendo matéria largamente questionada em Juízo.

Anteriormente a qualquer forma de execução pública, a lei determina que o empresário responsável pela mesma execução apresente ao escritório central (no caso, o ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais. Caso a remuneração dependa da freqüência do público, o empresário poderá efetuar o pagamento após a referida execução, quando o empresário deverá entregar a relação completa das obras e fonogramas utilizados, indicando os nomes dos respectivos autores, artistas e produtores.

As empresas de radiodifusão – aqui incluídos rádio e televisão, em todas as suas modalidades -, bem como as empresas cinematográficas, deverão manter à disposição dos interessados cópia autêntica dos contratos, individuais ou coletivos, que autorizam e disciplinam a remuneração por execução pública de obras musicais e fonogramas, contidos em seus programas ou obras audiovisuais.Ao publicar um fonograma, o produtor deverá mencionar, em cada exemplar, o título da obra incluída e seu autor; o nome ou pseudônimo do intérprete; o ano de publicação e o seu próprio nome ou marca de identificação.

Os direitos autorais de execução musical relativos aos fonogramas incluídos em obras audiovisuais são devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos que exibam as referidas obras audiovisuais, exatamente a teor do mencionado artigo 68, § 3º, da lei autoral, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem. Dessa forma, os fonogramas constituem parte destacável para efeitos do pagamento de direitos autorais.

As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão, restando intactas, outrossim, as garantias asseguradas aos autores das obras em questão.

O produtor de fonogramas tem o direito exclusivo de autorizar ou proibir a reprodução direta ou indireta, total ou parcial do fonograma; a distribuição por meio de venda ou locação de exemplares da reprodução; a comunicação ao público por meio de execução pública, inclusive radiodifusão, bem como quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas, sendo certo que o legislador desejou deixar esta última possibilidade em aberto face ao grande incremento tecnológico que vem sendo implementado, principalmente nos últimos tempos. É o produtor fonográfico, ainda, quem tem a incumbência de receber dos usuários definidos pelo artigo 68 e seus parágrafos os resultados financeiros da execução pública dos fonogramas, repartindo-os com os artistas, de acordo com a forma com eles convencionada.


O artigo 99 da lei autoral é a fundamentação legal para a existência do ECAD, que é o escritório central que arrecada e distribui os direitos relativos à execução pública dos fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e exibição de obras audiovisuais.

As sanções para os casos de infrações aos direitos autorais existentes na obra fonográfica estão previstas a partir do artigo 102 da Lei n 9.610/98. A lei define e disciplina uma série de sanções às possíveis condutas lesivas aos direitos autorais. Assim é que, em caso de reprodução, divulgação ou utilização fraudulentas de uma obra fonográfica, o titular dos respectivos direitos autorais poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da sua divulgação, sem prejuízo da indenização cabível. Outrossim, quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar um fonograma fraudulentamente reproduzido, restando clara a finalidade de obtenção de ganhos ou vantagens diretas ou indiretas, será responsabilizado solidariamente com o contrafator (responderão como contrafatores o importador e o distribuidor, em caso de reprodução no exterior).

A transmissão e retransmissão, por qualquer meio ou processo, bem como a comunicação ao público de fonogramas, que sejam realizadas em violação aos respectivos direitos autorais, serão imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária por descumprimento da referida determinação judicial e das indenizações cabíveis, e isso independentemente das sanções penais aplicáveis. Em caso de reincidência de infração, a multa poderá ser aumentada até o seu dobro.

A sentença prolatada em processo respectivo, cujo teor seja condenatório, poderá determinar a destruição de todos os exemplares fraudulentos, assim como a destruição de todos os aparatos e equipamentos utilizados na produção da contrafação, se essa for sua finalidade precípua. Independentemente da perda ou destruição dos equipamentos úteis à contrafação, responde por perdas e danos quem, de qualquer maneira, concorrer para a eliminação de dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares da obra ou produção, destinados a evitar ou restringir sua cópia. Da mesma forma, responde por perdas e danos quem elimina ou inutiliza qualquer forma de sinal codificado destinado a restringir a comunicação ao público de obra, produção ou emissão protegida, ou que se destine a evitar sua cópia.

Igualmente, haverá responsabilidade civil pelo ato ilícito em caso de supressão ou alteração de informações sobre gestão de direitos; e em caso de distribuição, emissão ou comunicação ao público, sem autorização, de obra fonográfica, desde que haja conhecimento de que as respectivas informações sobre gestão de direitos, sinais codificados ou dispositivos técnicos foram alterados sem autorização.Em caso de publicação fonográfica utilizada com supressão de nomes, pseudônimos ou sinais convencionais de autores e intérpretes, além da responsabilidade pelos danos morais advindos dessa utilização, incidirá a obrigação de divulgação das mesmas identidades de acordo com o contido no artigo 108 da lei de direitos autorais.

Qualquer execução pública de fonograma sem a respectiva autorização sujeita os responsáveis ao pagamento de multa; bem como a violação de direitos autorais em espetáculos e audições públicas, realizados naqueles locais a que alude o já mencionado artigo 68, sujeita seus proprietários, diretores, gerentes, empresários e arrendatários à responsabilidade solidária com quem organizar os mesmos espetáculos.

Os fonogramas sujeitam-se, a partir da edição do Decreto nº 4.533/2002, que regulamentou o artigo 113 da Lei nº 9.610/98, a sinais de identificação apostos em cada exemplar do suporte físico que os contenham. O referido decreto destina-se a combater, ainda mais e melhor, a tão insidiosa pirataria, que tanto vem assolando o mercado fonográfico na atualidade. O supracitado ato normativo disciplina criteriosamente a forma pela qual deverão ser identificados os exemplares legítimos das obras fonográficas, determinando regras técnicas para a positivação dessa identificação.

O efetivo combate à pirataria é de curial importância para a defesa do patrimônio cultural da humanidade, do qual faz parte a criatividade autoral ensejadora de obras adoráveis, a qual não pode restar à mercê dos falsários em geral, eis que o esforço criativo do autor deve sempre ser recompensado adequadamente, havendo lídima contrapartida ao ato de criação como fiat positivador do conceito do belo em nossa sociedade. Proteger a obra fonográfica, impedindo a fraude em qualquer dos momentos de seu iter, é proteger parte essencial da cultura como um todo, defendendo os interesses de todos aqueles que contribuem para o aprimoramento dos valores humanos.

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