Sem pressão

MP deve investigar porque tem independência funcional

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16 de fevereiro de 2004, 12h13

A separação entre as funções de investigar, acusar e julgar representa avanço histórico na construção de um sistema de garantias do cidadão face ao poder punitivo do Estado. A polícia investiga a notícia do crime, o promotor – com base nessa investigação – promove a acusação, o advogado defende e o juiz – preservada a sua imparcialidade dessa maneira – absolve ou condena o réu.

Como a ação penal já é uma restrição à liberdade do indivíduo, a separação entre as funções de investigar e de acusar robustece esse sistema de garantias, pois permite ao promotor formar a sua convicção sobre a existência ou não de justa causa para a ação penal sem envolvimento direto na investigação.

Ainda na construção desse sistema de garantias do cidadão, assegurou-se ao juiz – e posteriormente ao promotor – independência funcional. No exercício das suas funções, juiz e promotor devem obediência apenas à Lei. Não existem chefes que os impeçam de cumprirem com as suas obrigações. Não podem ser removidos, não podem ser exonerados, não podem ser prejudicados em suas carreiras…

Também não podem ser designados (escolhidos) para oficiarem nesse ou naquele caso. Para todos os casos a competência de cada juiz ou promotor está definida em critérios prévios definidos em lei. Tudo isso para proteger o cidadão do juiz ou promotor de exceção.

O delegado de polícia não tem independência funcional. Investigando uma notícia de crime pode ser removido, pode o inquérito ser avocado por um superior ou, ainda, em alguns casos, sobretudo naqueles que são foco da imprensa, ser escolhido (designado) para investigar.

Na proteção do cidadão comum, a hierarquia na investigação não tem representado maiores problemas. Contudo, em tese, a falta de independência funcional prejudica a persecução penal, quando o investigado não é um cidadão comum – quando o investigado tem poderes, ou pode influenciar, na hierarquia policial. Assim, nesses casos, enquanto não se assegurar ao delegado independência funcional, o Ministério Público deve investigar.

Apenas para exemplificar, está sendo noticiado que um assessor do alto escalão do governo foi exonerado por suspeita de propina. Este, por sua vez, afirma que recebeu parte do dinheiro para campanha política do partido que está no governo (Revista Consultor Jurídico, 13/02/04). O governo, então, designou delegado para investigar e esclarecer a notícia do crime. E, sintomaticamente, “solicitou à Procuradoria-Geral da República a indicação de um procurador para acompanhar a investigação” (Jornal O Popular, 14/02/04).

Ora, por que é necessário um promotor (procurador da república) para acompanhar a investigação?! A resposta é óbvia: para dar-lhe credibilidade perante a opinião pública, porque o delegado não tem independência funcional. Mas esta credibilidade será apenas aparente: o promotor não tem “poderes investigatórios” e, ao ser indicado (designado) para acompanhar a investigação, perde a sua independência funcional. Para preservá-la, deverá atuar na investigação em razão da sua função, isto é, investigando a notícia do crime, se for competente para eventual propositura da ação penal ou por outro critério previamente definido em lei.

Portanto, simplesmente interpretar o ordenamento jurídico brasileiro para declarar que o promotor não pode investigar compromete, em tese, a persecução penal, quando se tratar de determinados suspeitos, pelo menos enquanto não for assegurado ao delegado a necessária independência funcional – por isso, e somente por isso, deve o Ministério Público investigar.

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