Queda-de-braço

Governo Lula tenta atingir mais uma vez a Justiça, afirma site.

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16 de fevereiro de 2004, 10h46

O site Primeira Leitura afirmou que da lista de propostas a votar na convocação extraordinária — que custou ao menos R$ 50 milhões — uma foi particularmente reveladora: A PEC da Reforma do Judiciário. Segundo o site, a PEC “expôs o oportunismo com que o governo surfou na Operação Anaconda para tentar acuar institucionalmente a Justiça e, aproveitando a convocação extraordinária, apressar uma tomada de posição do Legislativo”.

Leia a notícia assinada por Rui Nogueira

Da lista de propostas a votar na quase inútil convocação extraordinária que custou ao menos R$ 50 milhões, uma foi particularmente reveladora. A Proposta de Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário expôs o oportunismo com que o governo surfou na Operação Anaconda para tentar acuar institucionalmente a Justiça e, aproveitando a convocação extraordinária, apressar uma tomada de posição do Legislativo. O Planalto não se constrange, nem sequer minimamente, com o improviso malicioso e a índole, mais para ronha, com que cerca certas decisões de Estado.

Para disfarçar a carona na onda da Operação Anaconda, os líderes do governo fizeram crer aos liderados que havia uma posição unida do governo sobre os pontos essenciais da reforma do Judiciário. Não havia. Nem sobre a súmula nem sobre o controle externo. Descobriu-se, quando o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) desancou a súmula vinculante em audiência pública no Senado, que existe apenas um acordo político do ministro José Dirceu (Casa Civil) com a bancada e uma monumental queda-de-braço no bastidor do governo entre Dirceu e Bastos.

Os desentendimentos entre ambos remontam ao tempo em que o presidente começou a escolher os novos ministros do Supremo Tribunal Federal. O PT indicou um juiz petista e nordestino, Aires Brito. O presidente exigia um juiz negro em uma das três vagas — o “eleito” foi Joaquim Barbosa.

Bastos considerou óbvia a hipótese de que o terceiro nome deveria ser escolhido pelo presidente a partir de uma lista prévia que ele próprio faria, já que ministro da Justiça. Para seu espanto de Bastos, outra lista competia com a sua nas sugestões para a terceira vaga do STF: a lista do colega José Dirceu, é claro!

Agora, Bastos, munido dos argumentos dos bons advogados que apreciam os recursos sem fim, tentou de todas as maneiras convencer o governo do suposto perigo da súmula vinculante. Dirceu ouviu o que tinha de ouvir e atalhou caminho: foi direto à bancada fechar um acordo político. Quando Bastos foi ao Congresso defender os pontos de vista do ministro-advogado-OAB, sem apoio do Planalto, deparou-se com uma bem orquestrada resistência da bancada governista. Não colou a idéia de que a súmula vinculante criaria uma espécie de “ditadura do STF”. A rigor, é um argumento sensacionalista.

A “ditadura” já existe e é bem outra: os ministros da Corte Suprema transformados em juízes de embargos e agravos. São recursos que os juízes dos tribunais superiores negam, mas os espertos advogados contornam com recursos diretos ao STF – e os processos anexados para fechar a chicana com chave de ouro.

Se, no quesito súmula vinculante, prevalece o acordo político Dirceu-bancada, na questão do controle externo, é a própria bancada que alimenta temores fundados em torno da composição do Conselho que pode vir a ter o poder de até cassar juízes. Como os juízes de primeira instância também vão compor o Conselho, a pergunta, como disse ao Primeira Leitura um juiz, é esta: o que fazer quando um sargento tiver o poder de cassar a patente de um general-de-Exército (quatro estrelas)? Transpondo para a Justiça, isso equivale a um juiz de primeira instância cassar um juiz do STF, corte guardiã da Constituição Federal.

Mesmo com pontos desse calibre em aberto, o governo tentou, sem sucesso, empurrar a PEC da reforma do Judiciário para arena da convocação extraordinária. Malsucedido, restou plantar a última diatribe, na qual até nós, do Primeira Leitura, caímos. Os líderes do governo divulgaram no Senado que a audiência final do debate sobre a reforma do Judiciário não seria feita na convocação porque o ministro Maurício Corrêa, presidente do STF e chefe do Poder Judiciário, não compareceria à audiência marcada. Em tom de lamento, anunciou-se que a ausência do ministro Maurício Corrêa da última audiência não permitiria fechar os trabalhos.

A verdade é outra: o Senado definiu que convidaria o ministro Nelson Jobim (STF), o ministro da Justiça e o presidente do STF. Divulgou as datas do que havia decidido, mas se esqueceu de combinar a data em que Maurício Corrêa poderia aceitar o convite. Corrêa já tinha agenda para o dia proposto pelo Senado, e nada foi negociado. Mais uma manha tão ao gosto dos tempos Executivos atuais. A mesma manha plantada na mídia assim que o Supremo estabeleceu, como manda a Constituição, que o teto salarial das funções públicas é o valor de R$ 19.115,19, o salário do presidente do Supremo.

Pois bem, assim que ouviu de quanto seria o teto o lobby da burocracia da Esplanada saiu a campo dizendo que esse valor promoveria um reajuste em cascata nos salários de 42 mil servidores. E o Planalto concordou – sabe-se lá o motivo! – com os argumentos dos lobistas. Concordou com o lobby, mesmo que isso atente contra a Responsabilidade Fiscal, claramente interessado em, mais uma vez, jogar sobre os ombros do Judiciário a culpa, se não toda, pelo menos parte, da responsabilidade por algo que o STF não tem responsabilidade alguma.

O maior salário do Supremo, o teto anterior, era de R$ 17 mil. Como o teto subiu para R$ 19 mil, quem estava no teto anterior, argumentaram, automaticamente pulariam para o novo teto. A isso se chama pretexto. Teto é teto e significa apenas que esse é o maior salário que a República deve pagar. Nada além disso. Tanto é assim, que os sete ministros do STF com vencimentos até o limite do teto antigo, o dos R$ 17 mil, não têm obrigatoriamente coisíssima nenhuma de se auto-reajustar para o teto dos R$ 19,1 mil de Maurício Corrêa.

Para quem quer saber, eis os salários atuais do Supremo:

Maurício Corrêa – R$ 19.115,19

Sepúlveda Pertence – R$ 17.343,71

Celso de Mello – R$ 17.343,71

Carlos Velloso – R$ 17.343,71

Marco Aurélio Mello – R$ 17.343,71

Nelson Jobim – R$ 17.343,71

César Pelluzzo – R$ 17.343,71

Carlos Aires Brito – R$ 17.343,71

Ellen Grace – R$ 16.701,34

Joaquim Barbosa – R$ 16.701,34

Gilmar Mendes – R$ 16.058,98

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