Corda bamba

Acordo da massa falida da Encol pode ser anulado na Justiça

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16 de fevereiro de 2004, 11h20

O Ministério Público de Goiás vai pedir o desarquivamento de um processo para detectar se houve fraude, falha ou indução a erro no acordo feito entre a empresa Pantanal Plaza Shopping e a massa falida da Encol. O acordo pode até ser anulado se forem constatadas irregularidades. A suspeita está na transação que reduziu a participação da massa falida no shopping a 1/20 avos da original.

O imóvel, localizado em Cuiabá (Mato Grosso), está avaliado em cerca de R$ 55 milhões — tomando-se por base aproximadamente 55 mil debêntures emitidas pela Pantanal Plaza Shopping para a construção do empreendimento.

O acordo foi homologado sob o entendimento de que os novos donos do shopping seriam os condôminos-proprietários do empreendimento. A condição foi imposta e aceita pelas partes para a continuação das obras. Entretanto, certidões públicas comprovam que os lojistas não são os proprietários.

“Se os adquirentes não estão participando do empreendimento, isto não foi informado nos autos. Do processo, depreende-se que a Pantanal Plaza Shopping seria constituída por estes. Se o que ocorre é diferente, a massa falida teria elementos para buscar uma nulidade deste acordo”, afirmou a promotora Maria Bernadete Ramos Crispim, que atua nas ações da massa falida.

O alvará de registro da convenção do condomínio foi autorizado com parecer contrário do Ministério Público. A promotora disse que não foi intimada sobre a decisão para poder recorrer. “O alvará não poderia ser expedido antes do trânsito em julgado da decisão como ocorreu. O documento foi expedido e os autos já estão arquivados — o que é irregular”, afirmou.

Também não consta, na matrícula do terreno do shopping, o acordo homologado em Juízo.

A participação da Encol no shopping era de 65,13% e se transformou em 2.940 debêntures emitidas pela Pantanal Plaza Shopping. A propriedade das debêntures está sendo discutida em uma ação revocatória. Se a massa falida da Encol tiver sucesso, será proprietária apenas destas debêntures — que correspondem a 3,69% do total emitido.

A novela da Encol não acaba por aqui. A Funcef — Fundo dos Economiários Federais — tenta provar na Justiça a regularidade dos pagamentos referentes à aquisição de 34,87% do shopping. Se não conseguir decisão favorável, esse percentual passará novamente para a massa falida.

O shopping e a Funcef foram procurados pela revista Consultor Jurídico. A Pantanal Plaza Shopping optou “por não discutir situações jurídicas respaldadas pela garantia constitucional da coisa julgada”. A Funcef informou que o seu departamento jurídico estava analisando as questões enviadas pela Internet. Entretanto, até o momento não entrou em contato.

Entenda o caso:

1- A Encol paralisou as obras depois de ter celebrado com inúmeros lojistas contrato de Cessão de Direito de Uso das unidades e recebido para tanto. Os lojistas, então, pleitearam a rescisão contratual com pedido de indenização na Justiça. Nessa ocasião, a empresa já se encontrava às portas da falência. Paulo Viana, advogado da Encol na época, fez um acordo com estes lojistas para pôr fim na demanda. Em entrevista à revista ConJur, o advogado disse que os lojistas foram informados sobre a crise da Encol e optaram pelo acordo.

2 – A empresa Pantanal Plaza Shopping S/A tornou-se titular dessa participação sem pagar por isso à massa falida. Para isso, se utilizou de acordo feito entre lojistas de Cuiabá adquirentes de CDUs — Cessão de Direito de Uso — e a Encol através do advogado Paulo Viana e da Viamar. O processo correu rapidamente em vara de Cuiabá, notória pela demora no andamento processual, cujo juiz Aparecido Chagas está atualmente afastado.

3 – A participação da Encol no shopping era de 65,13% e se transformou em 2.940 debêntures emitidas pela Pantanal Plaza Shopping S/A. A propriedade dessas 2.940 debêntures está sendo discutida no processo nº 834/00. Ou seja, se a massa falida da Encol tiver sucesso, será proprietária apenas das debêntures — que correspondem a 3,69% do total emitido.

4 – Os 65,13% que pertenciam a Encol seriam então propriedade da Pantanal Plaza Shopping S/A. Em novo acordo homologado no processo nº 815/00, da vara que cuida do processo de falência, em Goiânia, a Pantanal Plaza Shopping ficou com 62,13% e a massa falida da Encol com 3%.

5 – A homologação do acordo de Cuiabá foi tentada inicialmente pela Pantanal Plaza Shopping S/A junto ao juízo da falência por meio do processo nº 785/99. O processo terminou depois que o então síndico desistiu do recurso, por entender que os lojistas detinham o direito ao empreendimento como proprietários, analogamente a condomínios de outros empreendimentos da Encol, conforme expresso na petição. Os lojistas não eram condôminos compradores de unidades e sim cessionários de direito de uso — proprietários de “luvas”, bens intangíveis.

6 – No novo acordo, homologado no processo nº 815/00, a massa falida passou a ter direito a 3% do empreendimento e mais 3% de garantia. Pelo acordo, 62,13% ficou para a Pantanal Plaza Shopping, que não tem em sua composição societária participação dos lojistas que pretensamente se beneficiaram. A Funcef tenta provar na Justiça a regularidade dos pagamentos referentes à aquisição de 34,87% do shopping.

7 – Pelo acordo, o shopping deveria ser inaugurado em maio de 2004 — o que não acontecerá. O acordo deveria ter sido levado a registro na matrícula do terreno em que será construído. A precatória enviada a Cuiabá com essa finalidade foi apenas parcialmente cumprida. A matrícula foi desonerada por força do acordo. Porém, a participação da massa de 3% mais 3% de garantia sequer foi citada.

8 – Junto com a desoneração da matrícula 43.901, onde está sendo construído o shopping, foi provocada a liberação do terreno da matrícula 43.902, situado próximo da construção. Ou seja, existe uma área de aproximadamente 72 mil metros quadrados, vizinha ao shopping, que era da massa falida e foi liberada para terceiros.

9 – De acordo com Paulo Viana, advogado da Encol na época, essa área fez parte do acordo homologado na Justiça. Entretanto, os autos comprovam que a matrícula 43.902 — área de cerca de 72 mil metros quadrados — não fez parte do acordo. O terreno está em nome da empresa Mercantil S/A.

10 – No processo nº 815/00, no final do ano passado, a Pantanal Plaza Shopping solicitou alvará para que os cartórios competentes de Cuiabá procedessem ao registro da Convenção do Condomínio do shopping. Tal convenção traz como sócios no condomínio a Pantanal, agora com 65,13%, e massa falida da Encol com 34,87%.

11 — O alvará foi deferido pela Justiça contra a manifestação do Ministério Público de Goiás

12 — Os 34,87% do empreendimento correspondem exatamente aos 34,87% vendidos inicialmente para a Funcef. Ou seja, se a Funcef tiver parecer favorável na ação de alvará — processo nº 213/01, a participação passa a ser: Pantanal 65,13% e Funcef 34,87%.

13 — Não constam na matrícula do imóvel os 3% da massa falida e mais 3% garantidos pelo acordo. Também não há qualquer menção ao acordo no cartório de Cuiabá. Segundo Paulo Viana, esses percentuais estão pendentes no cartório de Cuiabá “no aguardo do pagamento do ITBI e demais emolumentos, cujo valor está estimado em aproximadamente R$ 40 mil”. Entretanto, na liberação do terreno de 72 mil metros quadrados para terceiros — feita no cartório de Cuiabá — não consta nenhuma pendência.

Reinado ameaçado

A promotora de Goiás quer a saída do síndico que assumiu a massa falida em outubro do ano passado — Olvanir Andrade de Carvalho — e do juiz do caso — Gerson Santana Cintra. “A entrada deles no caso é um retrocesso para o processo e beneficia os falidos”, afirma.

Ela entrou com reclamação contra nomeação do atual síndico na Justiça de primeira instância, ano passado. Até o momento, o caso ainda não foi julgado. Maria Bernadete também argüiu a suspeição de Cintra no processo de falência da Encol.

O Tribunal de Justiça de Goiás julgou improcedente a argüição. A promotora disse que já entrou com embargos declaratórios no TJ de Goiás e, após o julgamento, entrará com recurso especial no Superior Tribunal de Justiça.

O síndico da massa falida foi procurado pela revista Consultor Jurídico em duas ocasiões. Ele disse que não tem informações sobre o caso de Cuiabá. Afirmou que analisaria o processo em uma semana. Passado o prazo, apesar das inúmeras ligações da revista para Carvalho, ele não retornou o contato.

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