Sexta-feira, 13 de fevereiro.

Primeira Leitura: Lula defende mandato de 5 anos para presidente.

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13 de fevereiro de 2004, 8h31

Castanhas

Menos de uma semana depois de convidar uma jornalista a “encher a boca de castanhas” em vez de fazer perguntas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu encher a boca de 16 jornalistas com churrasco, na casa de Tereza Cruvinel, colunista do jornal O Globo, num convescote que tem como saldo positivo a revelação, talvez involuntária, da alma profunda do poder.

Combinado

Essa particular forma de entrevista coletiva, meticulosamente coordenada pela assessoria presidencial, ocorreu na quarta-feira à noite, em Brasília. Os jornalistas não puderam gravar a conversa, passaram por um sorteio de lugares — já que todos queriam ficar mais próximos de Lula — e supostamente estariam comprometidos com a não publicação das conversas, o que, é óbvio, não foi cumprido — ou, então, armar o encontro para quê?

“Mexicanização”

Segundo informações da Agência Globo, o presidente discorreu sobre a reforma política — uma “prioridade” para 2005 — e, ao negar que o PT tenha pretensões mexicanizantes (ambicionando a ter, no Brasil, um papel semelhante ao que PRI teve no México), previu a sobrevivência de, no máximo três partidos no país. E emendou: “Com isso, alguns do PT e alguns do PSDB poderão estar juntos”.

Mandato

Lula defendeu ainda um mandato único para presidente, de cinco ou seis anos, o que só valeria para o próximo mandato. Como ele é, claro!, candidato à reeleição, abrir-se-ia uma janela de oportunidade, dentro do mais estrito e aparente rigor democrático, para 10 anos de poder.

Para o presidente, o mandato de quatro anos foi uma “heresia, para não dizer cretinice”, decidida na revisão constitucional de 1993, para atingi-lo, já que ele aparecia nas pesquisas com 45% das intenções de voto. Lula perdeu duas eleições presidenciais depois disso.

“Eleição cansa”

Ele defendeu ainda a coincidência de mandatos para evitar que, a cada dois anos, haja eleições no país: “Eleição é bom, mas cansa. Só quem gosta de eleição a cada dois anos é o eleitor”. Houve tempo, também, para querelas de alcance municipal.

O mesmo pensador que especulou sobre a união de interesses entre tucanos e petistas defendeu assim a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy: “O Serra não vai concorrer porque ele não ganha”.

Pacto de silêncio

Ao longo do dia, circularam informações sobre um certo acordo que impediria os participantes de divulgar as circunstâncias da churrascada.

Estranho: a própria anfitriã, Tereza Cruvinel, concedeu entrevista à rádio CBN, também do grupo Globo, narrando detalhes do encontro que patrocinou.

Assim falou…Luiz Inácio Lula da Silva

“Uma mulher do nível da Marta, enfiar o pé na lama para debater com o povo, é fantástico.”

Do presidente da República enaltecendo o fato de a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), ter origem rica e mesmo assim cumprir sua obrigação de prefeita. Aliás, o “debate” com o povo, segundo registraram os jornais foi, na verdade, um bate-boca com uma vítima da enchente.

Lógica do sopão

As mudanças na estrutura administrativa da área social – promovidas no início do ano pelo presidente Lula – não tiraram o governo da rota batida da iniqüidade com que ele enxerga as políticas públicas. Em especial, a área social. O presidente fez o mínimo, a unificação entre ministérios e secretarias, mas não fez o necessário: livrar-se da obsessão de que política social é o rasteiro conceito da concessão de “três refeições por dia a todos os brasileiros”.

Saíram os ministros José Graziano e Benedita da Silva, entrou Patrus Ananias, mas o Planalto não arreda pé da idéia de que será pelo estômago que Lula vai se diferenciar dos programas sociais herdados de FHC. Compelido a manter, não sem constrangimento, os programas da Rede de Proteção Social – que o PT apenas rebatizou para Bolsa Família -, Lula continua a exigir no bastidor que Patrus crie algum tipo de ação pró-estômago que possa ser a âncora do diferencial deste governo.

O novo ministro saiu-se, então, com a história dos restaurantes populares nas regiões metropolitanas. Esse é a idéia fixa do Planalto para se livrar do fato óbvio e incômodo: depois do fiasco do Fome Zero, o que existe hoje na área social, ainda que o presidente Lula discurse apregoando “milagres” invisíveis, depõe mais a favor do governo passado do que do governo do PT.

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