Discurso de posse

Presidente da OAB do DF critica súmula vinculante e Executivo

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12 de fevereiro de 2004, 17h47

A nova presidente da OAB do Distrito Federal, Estefânia Viveiros, escolheu o auditório Petrônio Portella, do Senado Federal, para tomar posse do cargo e, em seu discurso, criticar a proposta de súmula vinculante na reforma do Judiciário. A proposta é defendida por grande parte de juízes de tribunais superiores como forma de desafogar a Justiça. Segundo Estefânia, ela representa uma ameaça à liberdade dos juízes de primeira instância.

De acordo com ela, o Congresso pode dar um grande passo em direção a uma Justiça mais rápida, eficaz e acessível a todos se ficar concentrado nas discussões emergenciais da reforma — como as mudanças na legislação infraconstitucional, nos códigos Civil e Penal, bem como simplificações nos procedimentos de recursos dos tribunais – e não perder mais tempo com o debate em torno do controle externo do Judiciário. “O controle é importante para que se dê transparência à Justiça, mas não é a questão mais fundamental”.

Estefânia Viveiros criticou também duramente o governo, que utiliza inúmeros recursos jurídicos para deixar de pagar suas obrigações, afetando com isso a credibilidade da Justiça. Segundo ela, recorrer indefinidamente, até que a parte interessada morra ou desista de tanto esperar uma decisão, “é um artifício legal, mas não moral, utilizado em grande escala pelo Poder Executivo”.

Única mulher eleita presidente de uma Seccional da OAB nas eleições de novembro do ano passado, Estefânia Viveiros lembrou sua origem, o Rio Grande do Norte, que foi berço de inúmeras lideranças feministas. Ela lembrou, dentre outras, Nísia Floresta, poetisa do Século XIX, autora do primeiro manifesto feminista no mundo; Celina Guimarães, a primeira mulher a votar na América do Sul, em 1927; e a atual governadora do Estado, Wilma de Faria (PSB), que compareceu à solenidade. “Graças a essas lições eu me sinto inteiramente à vontade e, modestamente, em condições para assumir a missão que me foi concedida e confiada”, afirmou.

Leia o discurso

Senhoras e Senhores,

De onde vim, do Rio Grande do Norte que há 405 anos enriquece o Brasil com histórias e lições de pioneirismo e de inteligência, as mulheres sempre estiveram à frente do seu tempo, destacando-se pelas obras que construíram, pelos trabalhos que executaram e pelas atividades que exerceram.

Nísia Floresta, por exemplo, poetisa e educadora do Século XIX, ainda hoje é lembrada no mundo inteiro porque foi ela quem escreveu o primeiro manifesto feminista de que se tem notícia e é ela, portanto, a precursora da luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Auta de Souza, precocemente morta aos 25 anos, rompeu as fronteiras potiguares da sua pequena Macaíba ao lançar em 1900 a obra-prima “O Horto” – o primeiro sinal concreto do modernismo que duas décadas mais tarde revolucionaria a literatura brasileira.

Celina Guimarães foi a eleitora número um da América do Sul, conquistando em 1927, na brava e heróica cidade de Mossoró, o direito ao voto feminino que só alguns anos depois seria instituído no restante do Brasil e em todos os países do continente.

Alzira Soriano, mais uma conterrânea ilustre que eu lembro e homenageio com prazer, imortalizou seu nome ao eleger-se prefeita de Lages em 1929 – a primeira de tantas mulheres que a partir de então conquistaram nas urnas a honra e o privilégio de administrar as suas cidades.

Outra que também abriu as portas da história foi Maria do Céu Fernandes. Nos anos 50, ao eleger-se para uma cadeira na Assembléia Legislativa do meu Estado, ela transformou-se na primeira deputada estadual de todo o Brasil.

E hoje, agora, o último e mais recente exemplo de pioneirismo no Rio Grande do Norte é dado pela atual governadora, Wilma de Faria. A primeira governadora eleita, graças à vontade legítima e ao desejo soberana do nosso povo.

Feita esta introdução necessária, indispensável para mostrar aos senhores e provar às senhoras o quanto as mulheres norte-riograndenses se sobressaem e se destacam, a responsabilidade que me cabe à frente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, na Presidência desta entidade que a meu ver deve ser a mais intransigente defensora da cidadania, da liberdade e da democracia, não me assusta e nem me intimida.

Graças aos exemplos e às lições de coragem, de pioneirismo e de sabedoria que, particularmente para mim, abençoadamente no meu caso, as mulheres potiguares nos deixaram de herança ao longo da nossa história, eu me sinto inteiramente à vontade e, modestamente, em condições para assumir a missão que me foi concedida e confiada.

Albert Camus, escritor francês que em apenas 47 anos de vida entrou para a história como um dos mais brilhantes filósofos dos tempos modernos, escreveu certa vez: “Todas as gerações se julgam fadadas para refazer o mundo”. Também penso assim.


A minha geração, senhoras e senhores, a geração que começa a despontar e a ocupar o espaço que lhe cabe não só por direito, mas principalmente por dever, também se julga fadada e até obrigada a refazer o mundo. E com a graça de Deus, com o apoio imprescindível dos colegas de profissão e de vocação, além do incentivo indispensável da sociedade organizada que juramos defender, aceitamos este desafio e haveremos de cumprir as tarefas e de alcançar os objetivos que nos credenciaram a estar aqui.

É hora, pois, de transformar em realidade as promessas e os compromissos de campanha.

É hora de passar da palavra à ação, da ação à execução e da execução à consolidação das idéias e das opiniões pelas quais tanto lutamos.

Especificamente no nosso caso, no caso exclusivo dos advogados do Distrito Federal que nos deram a prerrogativa de representá-los, as propostas que hipotecamos ontem são as obrigações que executaremos hoje.

Apoio integral e permanente aos advogados militantes, defendendo da primeira à última linha as prerrogativas constitucionais conquistadas e concedidas para o exercício pleno da profissão, é um dever – e não um favor – que a OAB-DF prestará a todos, indistintamente, porque essa é uma das obrigações primordiais e um dos objetivos essenciais do nosso Estatuto.

Assistência redobrada aos advogados iniciantes, aprimorando e reforçando o papel da Escola Superior de Advocacia e promovendo atividades que permitam uma maior e mais rápida integração profissional dos novos colegas, é um projeto que começamos a executar desde o primeiro instante que assumimos a Presidência da OAB-DF.

Total e absoluta transparência administrativa, fazendo com que os recursos a nós confiados sejam rigorosamente utilizados em finalidades e necessidades de interesse dos advogados a nós filiados, é uma determinação e uma obrigação que a nova OAB-DF irá cumprir diuturnamente.

Aprimorar o exame de Ordem, elaborando provas que verdadeiramente atestem a formação acadêmica dos futuros advogados, é uma exigência que a OAB-DF se compromete a fazer para dotar o mercado de profissionais capacitados ao exercício pleno do Direito.

Uma fiscalização mais efetiva do ensino jurídico, exigindo das 17 faculdades que hoje existem no Distrito Federal o aperfeiçoamento maior dos seus professores para que os alunos possam se graduar em melhores condições, é uma cobrança que nos cabe e da qual a OAB-DF não irá abrir mão.

E, por fim, ainda no campo específico e exclusivo dos advogados que representamos, a OAB-DF vai lutar com todas as suas forças para impedir a aprovação de projetos legislativos que cerceiem o nosso trabalho. A dispensabilidade do advogado em juizados especiais, por exemplo, ou a permissão para que processos judiciais de adoção de crianças prescindam de nós, merecem total repúdio e absoluta reprovação porque moral e constitucionalmente nos impossibilitam de exercer a nossa profissão.

Todos têm o direito a um advogado que defenda as suas causas, que vigie os seus interesses, que zele pelas prerrogativas legais de quem se sentir desrespeitado. Haveremos sempre de repetir que a advocacia é a única profissão com definição estabelecida pela Constituição, em seu Artigo 133. O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sem o advogado, em última análise, não há Justiça. Sem Justiça, não há democracia.

Há dois mil anos, um homem foi levado ao tribunal sem um advogado. Pode-se concluir que Jesus Cristo não foi condenado a morrer na cruz. Ele foi assassinado.

Minhas senhoras e meus senhores, amigos e amigas que me sensibilizam com as suas presenças ilustres e bem-vindas. Sei que não posso e nem devo me alongar, porque corro o risco de cansá-los e, conseqüentemente, de perder a atenção de vocês.

Mas também não posso e nem devo encerrar este discurso sem registrar aqui, agora, a nossa opinião, a opinião da OAB do Distrito Federal que me elegeu presidente, sobre um assunto em pauta que o Brasil inteiro está discutindo e o Congresso Nacional deve começar a votar nas próximas semanas.

Falo da reforma do Poder Judiciário, uma prioridade nacional que há quase duas décadas está em discussão na Câmara e no Senado sem nenhum desfecho mas que, finalmente agora, recebe a atenção dos poderes constituídos como uma necessidade premente.

Antes, porém, que entre no mérito da questão, permitam-me lembrar e citar um brasileiro ilustre que de leis e de Justiça foi mais que doutor, foi um mestre, e não por acaso tornou-se o nosso patrono. Rui Barbosa, em 1892, escreveu a seguinte e atualíssima sentença:

“Fácil é separar a missão destinada ao Congresso da missão reservada ao Supremo Tribunal. Se o governo se serviu, conveniente ou inconvenientemente, de faculdades que se supõem suas, pertence ao Congresso julgar. É a questão política. Se cabem ou não cabem ao governo as atribuições de que ele se serviu, ou se, servindo-se delas, transpôs ou não os limites legais, pertence à Justiça decidir. É a questão jurídica. O critério do Congresso é a necessidade governativa. O do Supremo Tribunal é o direito escrito. Legalidade e utilidade podem estar em divergência, Direito e necessidade podem contradizer-se. Porque a política, em crises extremas, pode considerar-se forçada a violar as barreiras da lei, para satisfazer as exigências da conservação social. Daí, da distinção entre essas duas normas e da fatalidade de ambas, daí a existência dos dois tribunais: o tribunal político e o tribunal judiciário.”


Fecho aspas, senhoras e senhores, deixando que cada um entenda e processe livremente a sentença definitiva escrita por Rui Barbosa há mais de um século.

Fecho aspas, mas não me calo. Lembro e ressalto que a reforma do Poder Judiciário não pode apenas se resumir à criação de um órgão externo para o seu controle e a sua vigilância. Esta questão é importante, sim, e acho mesmo que imprescindível para que se dê à Justiça a transparência democrática que felizmente hoje temos o dever de mostrar e de demonstrar. Mas não é – a meu ver não é – a questão mais importante.

Paralelamente à instituição do controle externo do Judiciário – controle este que precisa ficar à margem da vontade e da influência do Executivo e do Legislativo, porque só assim a independência e a soberania constitucionais dos poderes estarão a salvo e imunes a eventuais exceções -, o que se espera é uma reforma que permita à Justiça brasileira ser mais rápida, mais transparente, mais eficiente e mais democrática.

Alterar a legislação infraconstitucional, por exemplo, é uma necessidade urgente para que todos nós, operadores, credores ou devedores da Justiça, tenhamos o direito a julgamentos íntegros, precisos e inatacáveis.

Reformar os atuais códigos de processo civil e penal, dando-lhes a modernidade e a celeridade que eles não têm há muitas décadas, é uma imposição dos novos tempos que já deveria ter sido percebida desde a virada do século.

Simplificar os sistemas recursais, desonerar as execuções judiciais, institucionalizar formas alternativas para resolver rápida e conciliatoriamente os milhares de conflitos que abarrotam os tribunais de todo o País, são outras exigências, quase diria emergências, que precisam ser levadas em conta se quisermos de fato e de direito exercer e cumprir na plenitude a justiça das leis. O que não devemos, o que não podemos, é suprimir os direitos, retirar as prerrogativas e limitar os deveres que conquistamos com tanto esforço ao longo de tantos anos.

Instituir a súmula vinculante, fazendo com que os juízes de primeira instância sejam tolhidos em suas decisões e na independência dos seus pareceres, é uma medida que só serve para engessar o magistrado e não para agilizar a Justiça.

Postergar indefinidamente as decisões judiciais, interpondo recursos e mais recursos até que a parte interessada desista ou morra de tanto esperar, é um artifício legal, mas não moral, utilizado em grande e vergonhosa escala pelo Poder Executivo, que precisamos impedir, ou ao menos diminuir, para atender e favorecer o cidadão que tem sede e pressa de Justiça.

Subtrair do Ministério Público as atribuições conquistadas na Constituição de 1988, que lhe deram poderes de investigar e de denunciar aqueles que ousem burlar e desrespeitar os interesses públicos da sociedade, é um retrocesso que devemos combater para o bem da Justiça. E também para o bem da Justiça, verso e reverso da medalha, o Ministério Público precisa ater-se apenas e somente à letra da lei. Senão, comprometeremos a própria Justiça.

Justiça, senhoras e senhores. Eis a palavra mágica, a palavra de ordem, a palavra de lei.

Justiça sempre – é o que importa e o que conta. Justiça rápida, Justiça ágil, Justiça transparente, Justiça eficiente.

Justiça para todos e especialmente para os mais pobres, os mais desamparados, os mais necessitados, os eternamente marginalizados pela sociedade em permanente débito com a cidadania.

Justiça hoje, justiça agora. Porque justiça atrasada – como bem lembrou o mestre Rui Barbosa em outro dos seus muitos ensinamentos – “não é justiça, senão justiça desqualificada e malfeita.”

Este é o papel, esta é a tarefa da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal. É o desafio que temos e que enfrentaremos em qualquer circunstância. Defender a Justiça para construir uma cidadania digna e democrática. Defender a Justiça para erguer um país livre, digno e decente. Afinal, como bem disse o presidente Tancredo Neves no discurso que inaugurou a Nova República, “não teremos a Pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer de cada brasileiro um cidadão com plena consciência dessa dignidade.” Mãos à obra, pois. Que já é hora, mas não é tarde.

Como já é hora, também, e nunca é tarde, de encerrar a minha fala com dois agradecimentos essenciais e especiais.

Um, aos diretores, aos conselheiros, aos colegas que formam a nova OAB-DF. Sem vocês, caríssimos amigos e indispensáveis companheiras, a nossa vitória não teria sido possível.

O outro agradecimento vai para meus pais, Da Graça e Augusto, fonte e origem de tudo o que sou. A eles, os primeiros a me mostrarem e a me ensinarem o caminho do bem e da Justiça, eu deixo o meu beijo e peço as suas bênçãos.

Muito obrigada.

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