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TJ paulista anula condenação de Nicéa em ação movida por ACM

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11 de fevereiro de 2004, 16h24

O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a condenação da ex-primeira-dama Nicéa Camargo, ex-Pitta, em ação indenizatória movida por Antônio Carlos Magalhães. O julgamento aconteceu na terça-feira (10/2). Ainda cabe recurso.

Nicéa foi condenada, em primeira instância, a pagar 25 salários mínimos para o político. Motivo: afirmou à imprensa que ACM pressionava o então prefeito Celso Pitta a pagar dívidas da OAS.

A ex-primeira-dama — representada pelo advogado Laércio Loureiro dos Santos — recorreu. A 10ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista acatou os argumentos do advogado e declarou nula a sentença de primeira instância. Participaram do julgamento os desembargadores Ruy Camilo, Marcondes Machado e Paulo Dimas Mascaretti.

Apelação nº294.813.4

Leia o memorial distribuído aos desembargadores

Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ruy Camilo

Apelação nº 294.813.4/6

Origem: proc n. 000.00.567418-2 9ª vara cível – Com S. Paulo

ACM x NICEA C. NASCIMENTO

Data do Julgamento: 22 de dezembro de 2003

NICÉA CAMARGO DO NASCIMENTO, já qualificada nos autos da ação em epígrafe que lhe promove ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, vem, apresentar MEMORIAIS em face da r. sentença de fls. 377/393 que condenou, a ré, COM EVIDENTE CERCEAMENTO DE DEFESA, a indenizar ANTONIO CARLOS MAGALHÃES.

A decisão merece reforma em razão da ilegitimidade passiva da ré, falta de interesse de agir, inépcia da petição inicial e impossibilidade jurídica do pedido.

Tal decisão merece ser reformada, também, em razão do evidente cerceamento de defesa em virtude da falta de apreciação do pedido de produção de provas formulado pela ré consistentes em depoimento pessoal, quebra do sigilo telefônico do autor e oitiva de testemunhas.

Também merece reforma, venia concessa, em razão da inexistência de razão ao apelado, já que a ré agiu em estrito cumprimento de seu direito de representação.

DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ

1. O Autor objetivou ser indenizado pela Ré, sustentando, como uma das causas de pedir, que teria sua honra violada pela última em virtude de entrevista concedida ao jornalista Chico Pinheiro e veiculada pela Rede Globo de Televisão.

2. Com a devida vênia, a Ré é parte ilegítima nesta ação, devendo figurar no pólo passivo apenas a empresa jornalística controladora da Rede Globo de Televisão.

3. Aliás, a Lei nº 5250/67 -Lei de Imprensa-, de aplicabilidade inconteste “in casu”, é peremptória ao estatuir a legitimidade passiva das empresas jornalísticas.

4. É o que dispõem os seus artigos 49, § 2º e 50:

“Art. 49 ………..

§ 2º – Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação.

Art. 50 – A empresa que explora o meio de informação ou divulgação terá ação regressiva para haver do autor do escrito, transmissão ou notícia, ou do responsável por sua divulgação, a indenização que pagar em virtude da responsabilidade prevista na lei.”

5. Ensina DARCY ARRUDA MIRANDA, em seu indispensável “Comentários à Lei de Imprensa” que:

“Na forma do art. 49, parágrafo 2º, in fine, quem responde civilmente pela reparação do dano (moral ou material) é a empresa, pessoa natural ou jurídica, que explora o meio de informação ou divulgação, através do qual o fato foi divulgado. Entretanto, ressarcindo o prejuízo causado, a empresa fica com direito a uma ação regressiva contra o autor do escrito, transmissão ou notícia, ou do responsável por sua divulgação, para haver a quantia que foi obrigada a desembolsar, com a limitação prevista no art. 52.” (Ed. RT, p. 730)

6. No mesmo sentido é a jurisprudência uníssona de nossos Tribunais, reconhecendo a exclusiva legitimidade passiva das empresas jornalísticas:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

“INDENIZAÇÃO – Dano moral decorrente de publicação de entrevista injuriosa e difamatória – Responsabilidade da empresa jornalística – Ação ajuizada contra o entrevistado – Sentença que acolheu preliminar de ilegitimidade de parte – Decisão confirmada – Recurso não provido (Ap. Cível 26.397-4 – Santos – Rel. Alexandre Germano – 06.03.98)”

“DANO MORAL – Imprensa – Entrevista ofensiva – Indenização a cargo da empresa jornalística que, por sua vez, tem ação regressiva contra o autor da entrevista – Valor da indenização – Limites estabelecidos pelo artigo 51, IV combinado com o artigo 52 da Lei n. 5250/67 – Recurso provido em parte (Ap. cível n. 45.245-4, Bauru, Rel. Testa Marchi – 06.08.98)

7. E ainda:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

“AÇÃO INDENIZATÓRIA – Dano Moral – Ofensas irrogadas em entrevista publicada em jornal – Legitimidade passiva “ad causam” da pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação – Possibilidade de ação regressiva contra o entrevistado, autor das ofensas, desde que comprovadas a autenticidade da entrevista e a autorização para sua publicação.” (RT 751/222)

“Ação por danos morais. Lei de Imprensa. Legitimação passiva. A empresa que explora periódico, radioemissora ou agência noticiosa figura no pólo passivo da ação indenizatória por danos morais, toda vez que por qualquer desses veículos tenha sido divulgada a matéria causadora do dano” (Resp n. 2372-RS, Min. Gueiros Leite)

“É parte ilegítima para figurar, como réu, em Ação Indenizatória promovida por quem se sentiu ofendido em sua honra, aquele ao qual restou atribuída, em publicação jornalística, a condição de entrevistado. A legitimidade passiva ad causam, em hipóteses tais, a detém a pessoa natural ou jurídica que explora o veículo de comunicação, que poderá haver ressarcimento do entrevistado, via regressiva, desde que comprovadas a autenticidade da entrevista e a autorização para publicá-la. ( Resp n. 11.884-0 – SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 16.11.93)


8. Ora, não há dúvidas de que a Ré não pode figurar no pólo passivo para responder processualmente sobre eventuais ofensas à honra do Autor veiculadas pela REDE GLOBO DE TELEVISÃO.

DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR E DA INOBSERVÂNCIA AOS ARTIGOS 283 E 396 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

9. Além de não atender à legitimidade passiva, o Autor também deixou de observar o interesse de agir, de vez que inexiste dano moral ao Autor que tenha sido causado pela Ré.

10. Ademais, também falece interesse processual ao Autor que anexou à sua petição inicial documentos indispensáveis em absoluta desconformidade com os requisitos previstos pelo Código de Processo Civil, sendo flagrante a sua imprestabilidade.

11. De fato, como exposto outrora, o Autor funda a sua pretensão em causa de pedir consubstanciada em entrevista concedida pela Ré e veiculada pela REDE GLOBO DE TELEVISÃO.

12. Com a devida vênia, Excelência, esta causa de pedir não pode ensejar a prática pela Ré de dano moral contra o Autor e, por isso, não se faz presente o interesse de agir.

13. Como já foi dito anteriormente, a Ré não pode ser responsabilizada por eventual dano moral cometido em entrevista concedida ao jornalista Chico Pinheiro e veiculada pela REDE GLOBO DE TELEVISÃO.

13. Se houvesse dano moral ao Autor, seria decorrente, única e exclusivamente, da divulgação de referida entrevista, tornando públicos os fatos revelados pela Ré ao jornalista.

14. E, esta decisão de transmitir a entrevista, via satélite, não coube à Ré, sendo da alçada exclusiva da REDE GLOBO DE TELEVISÃO, que decidiu por reproduzir a entrevista em canal aberto de televisão.

15. E, como se isso não bastasse, Excelência, também deixou o Autor de observar seu dever processual de anexar à petição inicial documentos indispensáveis à materialização das supostas ofensas.

16. É o que prescrevem os arts. 283 e 396 do Código de Processo Civil:

“Art. 283 – A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

Art. 396 – Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art.297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.”

17. Com efeito, em sua petição inicial, juntou o Autor apenas uma fita de vídeo-cassete, com a inscrição “GLOBO REPÓRTER 10/03/2000” (fls.28).

18. Como se passa a demonstrar, a fita de vídeo-cassete, tida como prova indispensável à pretensão indenizatória, apesar de anexada pelo Autor em sua petição inicial, não respeita os requisitos legais de sua validade, razão pela qual deve ser imediatamente desconsiderada, implicando, destarte, na extinção do processo sem julgamento de mérito por inobservância aos arts. 283 e 396 do CPC.

19. Estabelece o Código de Processo Civil, em seu artigo 383, que:

“Art. 383. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.”

20. De fato, o Autor trouxe aos autos simplesmente uma fita de vídeo-cassete com a inscrição ” “GLOBO REPÓRTER-10/03/2000”. Mais nada !

21. Inexplicavelmente, deixou o Autor de anexar aos autos a indispensável degravação da fita de vídeo-cassete, devidamente realizada por profissional legalmente habilitado.

22. Além disso, inexiste nos autos qualquer documento que comprove a autenticidade de referida fita de vídeo-cassete.

23. Sem dúvida, por se tratar de matéria jornalística reproduzida pela Rede Globo de Televisão, deveria o Autor, com fundamento no art. 58, §§ 1º e 3º da Lei nº 5.250/67, ter procedido à notificação daquela empresa televisiva para que não destruísse a gravação da entrevista reproduzida, bem como que lhe fornecesse uma cópia.

24. Ao assim não se conduzir, Excelência, revela o Autor profunda falta de interesse no prosseguimento desta ação, não se preocupando em produzir prova idônea a sustentar sua infundada pretensão.

25. Desse modo, diante da falta de degravação técnica da fita de vídeo-cassete abojada e da ausência de comprovação da autenticidade da mesma, conclui-se, inexoravelmente, que sua produção se deu em desconformidade com o artigo 383 do CPC, devendo ser desconsiderada. Não há, portanto, prova idônea a sustentar a condenação sofrida pela ré.

26. Assim, com a desconsideração desta fita de vídeo-cassete, tem-se que a petição inicial deixou de trazer documento indispensável à ação, circunstância que deveria ter levado ao indeferimento da petição inicial em virtude da absoluta e manifesta falta de interesse processual do Autor, requerendo a Ré se digne Vossa Excelência reconhecer a inépcia da petição inicial pela ausência de uma das condições da ação – interesse de agir.


DA INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO PRATICADO PELA RÉ

27. Determinava o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 159 reproduzido no artigo 186 do atual Código:

“Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”

28. Ao analisar referido dispositivo, leciona a insígne jurista MARIA HELENA DINIZ, em seu indispensável “Curso de Direito Civil Brasileiro” que:

“No nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral de que o dever ressarcitório pelo prática de atos ilícitos decorre da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. O comportamento do agente será reprovado ou censurado, quando, ante circunstâncias concretas do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente. Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade.” ( Ed. Saraiva, 6ª ed., 7º volume, p. 33).

29. Com fundamento na legislação vigente conclui-se que para que haja o dever de indenizar é necessário que o agente tenha praticado um ato contrário ao direito, agindo voluntariamente ou com culpa (negligência ou imprudência).

30. Adentrando-se o exame do caso em comento, não há que se cogitar de ato ilícito, doloso ou culposo, que tenha sido praticado pela Ré, Nicéa Camargo do Nascimento.

31. E, sendo assim, não havendo ato ilícito, inexiste também o dever de indenizar.

32. Com efeito, a Ré, Nicéa Camargo do Nascimento, na condição de ex-esposa do atual Prefeito do Município de São Paulo, Celso Pitta, presenciou algumas graves irregularidades administrativas praticadas pelo ex-marido, em sua própria residência, e tomou conhecimento de outras, através de relatos feitos pelo mesmo Celso Pitta.

33. Como é público e notório, a Ré jamais compactuou com estas irregularidades, que se tornaram cotidianas no âmbito da Prefeitura do Município de São Paulo e nas relações entre Poder Executivo e a Câmara de Vereadores.

34. Aliás, esta divergência de posicionamento ético e político acabou se transformando em um dos motivos ensejadores da separação judicial entre a Ré e Celso Pitta.

35. Ora, Excelência, ao tomar conhecimento de tão graves suspeitas de irregularidades administrativas, envolvendo, inclusive, pagamento de propinas a Vereadores para que votassem a favor dos interesses do Prefeito Municipal e pagamento de dívidas de empreiteiras com burla à ordem cronológica, como deveria se comportar a Ré ?

36. Deveria permanecer silente e se tornar cúmplice da prática de conduta administrativa absolutamente ilegal, imoral e ímproba ?

37. Ou, ao contrário, deveria a Ré levar tais suspeitas e informações ao conhecimento do Ministério Público do Estado de São Paulo para que adotasse as providências cabíveis ?

38. SINCERAMENTE, ALGUÉM TEM DÚVIDAS ACERCA DA VERACIDADE DAS AFIRMAÇÕES FEITAS PELA RÉ ATRAVÉS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO?

39. A condenação da ré só fomenta a abominável impunidade reinante em nosso país. Os poderosos continuaram imunes a críticas caso haja confirmação da condenação da ré.

40. A reforma da decisão se faz necessária para que novas denúncias por pessoas igualmente preocupadas com o interesse público possam propalar irregularidades cometidas por agente públicos.

41. Dona Nicéa é um paradigma da indignação contra os desmandos de nossos inescrupulosos políticos. A reforma da r. decisão se faz necessária a fim de que o pradigma da defesa instransigente do interesse público reste legitimado pelo Poder Judiciário.

42. Sem dúvida alguma, a conduta da Ré em prestar declarações ao Ministério Público do Estado de São Paulo, reveste-se de natureza jurídica de exercício regular de um direito, sendo irreprovável e incensurável.

43. Com a devida vênia, Excelência, o ordenamento jurídico pátrio confere a todos aqueles que tenham conhecimento de infrações ou irregularidades, o direito de apresentá-los a autoridade competente, que fará um juízo de apreciação, que poderá implicar tanto em seu arquivamento, como na abertura de investigações.

44. A Ré, no exercício de sua cidadania, prestou depoimento aos Representantes do Ministério Público do Estado de São Paulo, a respeito de irregularidades que tinha presenciado e de outras informadas pelo próprio Prefeito do Município de São Paulo.

45. Para tanto, exerceu a Ré o direito que lhe é conferido tanto pelo art. 5º, § 3º do Código de Processo Penal, como pelo art. 14 da Lei nº 8.429, de 1992.

46. Dispõe o Código de Processo Penal, em seu artigo 5º, § 3º que:

“§ 3º-Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.”

46. Do mesmo modo, a Lei nº 8.429/92, denominada “Lei de Improbidade Administrativa”, prevê em seu artigo 14 que:

“Art. 14 -Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar prática de ato de improbidade.”

47. Constata-se, portanto, que a Ré tinha o direito de se dirigir ao Ministério Público do Estado de São Paulo e prestar declarações a respeito do teor das irregularidades que chegaram ao seu conhecimento.

48. Esta conduta da Ré Nicéa Camargo, insista-se, tem inegável natureza jurídica de exercício regular de um direito, e, sendo assim, incide como autêntica excludente da sua eventual imputabilidade.

49. É o que prescreve o artigo 160, inciso I, do Código Civil Brasileiro:

“Art. 160 – Não constituem atos ilícitos:

I – Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.”

50. Novamente, ensina MARIA HELENA DINIZ, ao comentar este dispositivo legal, que:

“assim, se houver lesão a direito alheio causado por um ato perpetrado no exercício regular de um direito reconhecido não haverá imputabilidade, excluindo qualquer responsabilidade pelo prejuízo, por não ser procedimento contrário ao direito ( CC, art. 160)” (ob. Cit, p. 38)

51. Ademais, não há que se cogitar de eventual abuso de direito perpetrado pela Ré, pois, a verossimilhança de suas declarações originou a instauração de inquérito penal e civil pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e o pedido de cassação do mandato do Prefeito formulado perante a Câmara Municipal de São Paulo pela Ordem dos Advogados do Brasil.

52. Do mesmo modo, Excelência, não há que se sustentar que a Ré teria abusado de sua liberdade de manifestação, razão pela qual deveria indenizar o Autor.

53. Com efeito, consagra a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV que:

“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”

54. Sobre o tema ensina ALEXANDRE DE MORAES, em sua obra “DIREITO CONSTITUCIONAL” que:

“A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a consequente responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga.” ( Ed. Atlas, 1999, p. 68)

55. Portanto a Ré tinha o direito constitucionalmente assegurado de manifestar-se perante a Rede Globo de Televisão, concedendo entrevista para revelar os fatos que chegaram a seu conhecimento.

56. Ademais, Excelência, ninguém em sã consciência há de negar a relevância dos fatos narrados nesta ação: suspeita de que um Ex- Senador, Gilberto Miranda, a pedido do Presidente do Senado Federal, o Autor, estaria pressionando o Prefeito Celso Pitta a efetuar o pagamento de dívidas à empreiteira OAS.

57. Ora, a Ré, acompanhada de seu ex-mario Celso Pitta, esteve na residência de Gilberto Miranda e presenciou uma conversa por telefone, onde o mesmo dizia estar conversando com o Autor.

58. Ao término da ligação telefônica, Gilberto Miranda voltou-se para o Prefeito Celso Pitta e afirmou que o Autor estaria “bravo” com ele porque não estaria pagando pontualmente as dívidas da Prefeitura de São Paulo com a empreiteira OAS.

59. ADEMAIS, SE HOUVESSE DEFERIMENTO DO PEDIDO DE QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO FORMULADO PELA RÉ TAIS FATOS SERIAM CABALMENTE DEMONSTRADOS.

60. Destaque-se: SEQUER HOUVE ANÁLISE DOS PEDIDOS DE PRODUÇÃO DE PROVAS FORMULADO PELA RÉ. (vide fls.222/223)

61. Houve, sem dúvida, falta de apreciação do pedido da defesa, configurando-se evidente cerceamento de defesa.

62. Inquestionável a gravidade dos fatos presenciados, a Ré simplesmente relatou-os ao jornalista Chico Pinheiro, não tendo qualquer intenção de prejudicar a honra do Autor.

63.. Aliás, em decorrência da extrema gravidade destes fatos e de sua verossimilhança, decidiu o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo elencá-los como um dos motivos da denúncia ofertada à Câmara Municipal de São Paulo, que originou o processo de cassação do mandato eletivo do Prefeito Celso Pitta, subscrita pelos renomados advogados RUBENS APROBBATO MACHADO, LAÍS AMARAL REZENDE DE ANDRADE, FERNANDO DE CÁSSIO RODRIGUES E EDSON COSAC BORTOLAI.

64. Por derradeiro, em respeito ao princípio da eventualidade, tornam-se indispensáveis ainda duas ponderações por parte da Ré.

65. Em primeiro lugar, necessário refutar a afirmação constante da petição inicial de que o Autor “não tem, nem nunca teve, interesse na OAS”.

66. Com efeito, como atesta a inclusa matéria jornalística retirada do site www.uol.com.br, sob o título “O IMPÉRIO EMPRESARIAL DO CARLISMO”, publicada pela “Folha de S. Paulo”, em 04 de junho último, revela intenso relacionamento empresarial entre Antonio Carlos Magalhães Júnior e César Mata Pires, sócio da empreiteira OAS e ex-genro do Autor.

67. Ao elencar as 16 empresas que compõem o império empresarial da família do Autor, noticia a aludida matéria que:

“2. Bahiapar Participações e Investimentos Ltda

É a holding do grupo. Está sob a administração de ACM Júnior, que tem um terço das cotas. César Mata Pires, dono da Construtora OAS e ex-genro de ACM, tem outro terço, mas não participa da gestão. Os três filhos de Luis Eduardo Magalhães dividem o terço restante do controle.(…)

9.Televisão Bahia Ltda

É a cabeça-de-rede regional. Foi criada em 83 e tem entre seus sócios César Mata Pires, sócio da Construtora OAS, e o deputado federal Félix Mendonça (PTB-BA) “

68. Destarte, em que pese a afirmação do Autor constante na inicial, é evidente o relacionamento empresarial de sua família com a Construtora OAS e com seu sócio César Mata Pires.

69. Em segundo lugar, com relação ao relacionamento contratual entre a OAS e a Prefeitura de São Paulo, pede vênia a Ré para submeter à elevada apreciação deste colegiado as seguintes ponderações.

70. A OAS, embora seja uma empreiteira estabelecida no Estado da Bahia, celebrou vários contratos com a Municipalidade de São Paulo, sobretudo a partir de 1993 (gestão Paulo Maluf).

71. Como exemplos, cabe mencionar a construção da Avenida Águas Espraiadas e do Viaduto Luís Eduardo Magalhães, nome dado em homenagem ao filho do Autor.

72. Com relação à obra das Avenida Águas Espraiadas, faz-se oportuno mencionar que o Ministério Público Estadual está investigando supostas irregularidades, de vez que a “Avenida custou R$ 621 milhões, 422, 63% acima do previsto” , conforme noticiam a s matérias jornalísticas anexas.

73. Além disso, a OAS também tinha participação societária na VEGA SOPAVE, empresa contratada pela Municipalidade para realizar limpeza urbana na cidade, contratação esta também investigada pelo Parquet.

74. No que tange aos pagamentos feitos pela Prefeitura do Município de São Paulo à empreiteira OAS, em dados fornecidos pela EMURB, percebe-se que, coincidentemente, houve uma sensível diminuição no atraso dos pagamentos de junho a dezembro de 1998, época em que se passaram os fatos relatados pela Ré à Rede Globo de Televisão.

75. Como se nota das inclusas planilhas, durante os anos de 1993 a 1996, a Prefeitura de São Paulo efetuou todos os pagamentos à OAS rigorosamente em dia.

76. Durante o período de outubro de 1996 (final da gestão Maluf) e junho de 1998 (gestão Pitta), os pagamentos passaram a ficar atrasados em cerca de 08 (meses).

77. Impende relembrar que a conversa telefônica presenciada pela Ré entre Gilberto Miranda e o Autor deu-se em junho de 1998, quando supostamente o Autor estaria “bravo” pelos pagamentos atrasados à OAS .

78. COMO JÁ AFIRMADO A QUEBRA SO SIGILO TELEFÔNICO REQUERIDA PELA RÉ E SOLENEMENTE IGNORADO PELO JUÍZO COMPROVARIA TAIS FATOS.

79. Coincidentemente, a partir deste mês, junho de 1998, os pagamentos da Prefeitura à OAS deixaram de atrasar e passaram a ser pontuais, como demonstra a planilha ora anexada.

80. Repita-se: após a conversa telefônica presenciada e relatada pela Ré, os pagamentos da Prefeitura à OAS passaram a ser pontuais.

81. Em estranha omissão o magistrado de primeira instância sequer apreciou o pedido de quebra do sigilo telefônico do autor, apesar da evidente relevância para o caso.

82. E, no ano passado de 1999, a Prefeitura voltou a efetuar os pagamentos com significativo atraso, como atesta a inclusa planilha.

83. Portanto, como se comprovou, os fatos relatados pela Ré, no exercício de sua liberdade de manifestação, encontram farta sustentação probatória e, também por este motivo, não podem configurar qualquer abuso de direito ensejador de indenização ao Autor.

84. Por todo o exposto, demonstrada a licitude da conduta da Ré no exercício de sua legítima liberdade de manifestação, aguarda que, em sede de mérito, seja reformada a decisão de primeira instância.

DA NECESSÁRIA LIMITAÇÃO DO VALOR PLEITEADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS

85. Por derradeiro, embora confie a Ré que o presente processo seja extinto sem julgamento de mérito ou que o pedido seja julgado improcedente, “ad argumentandum tantum” passa a refutar o valor pretendido pelo Autor a título de danos morais.

86. Com efeito, os danos morais não podem ultrapassar, em qualquer hipótese, o montante de 20 (vinte salários mínimos).

87. É absolutamente assente em nossos tribunais que à falta de legislação específica a respeito da fixação de indenização por danos morais, deve o magistrado valer-se, por analogia, dos dispositivos constantes da Lei nº 5250/67, comumente denominada Lei de Imprensa, mesmo naquelas situações que não versem sobre eventuais abusos cometidos através dos meios de comunicação.

88. E, no presente caso, tudo recomenda a aplicação desta Lei, pois, o Autor se funda em uma entrevista concedida pela Ré como exclusiva causa de pedir.

89. Esta lei, em seu artigo 51, incisos I a IV, limita o valor de indenização por danos morais a ser arcada pelo jornalista profissional em quantias de 2 (dois) a 20 (vinte) salários mínimos.

90. Portanto, impõe-se a aplicação do artigo 51 da Lei nº .250/67 para que a indenização por danos morais que eventualmente venha a ser arbitrada pela r. sentença, seja fixada entre 2 (dois) e 20 (vinte) salários mínimos, sopesando-se a situação financeira da Ré, que não goza de capacidade econômica para suportar uma elevada indenização.

Por todo o alegado, aguarda e confia a Ré se digne este colegiado a:

a) DECRETAR A NULIDADE DA R. SENTENCÁ DE PRIMEIRA INSTÂNCIA EM RAZÃO DA FALTA DE APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVAS (FLS. 222/223) E CONSEQUENTE CERCEAMENTO DE DEFESA;

b)em razão do princípio da eventualidade seja julgado extinto o processo em razão da ilegitimidade passiva da ré e falta de interesse de agir por falta de anexação das fitas degravadas com a anexação de provas imprestáveis;

c)sejam acolhidas as razões de mérito, julgando-se improcedente a ação, já que a ré agiu em exercício regular do seu direito de representação e de manifestação do pensamento;

d) Caso não sejam acolhidas as teses referidas acima, haja condenação em patamar inferior ao da r. decisão de primeira instância, determinando-se a indenização no valor de 2(dois) salários mínimos, conforme previsão do artigo 51 da Lei federal 5250/67.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 11 de dezembro de 2.000.

Laércio José Loureiro dos Santos

OAB/SP 145.234

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