Abuso punido

Empresa é condenada a indenizar ex-funcionária por assédio moral

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11 de fevereiro de 2004, 19h07

A Justiça Trabalhista condenou a empresa Ferroban Ferrovias Bandeirantes S/A, antiga Fepasa, a indenizar em R$ 50 mil sua ex-funcionária Maria Aparecida Berci Luiz.

O juiz Carlos Roberto Ferraz de Oliveira Silva, da 47ª Vara do Trabalho de São Paulo, julgou procedente o dano moral decorrente do assédio moral.

Após o processo de privatização, a empresa passou a pressionar funcionários com mais tempo de casa a aderirem ao Plano de Demissão Voluntária (PDV).

Para isso isolava os empregados em uma sala com condições precárias de higiene, denominada “aquário” em insinuação à suposta ociosidade dos funcionários.

Discriminados, os empregados foram apelidados pejorativamente de “4.49”, uma alusão à estabilidade garantida pelo contrato coletivo de trabalho, em caso de dispensa sem justa causa.

A ex-funcionária alegou ainda ter sido ofendida com expressões como “javali” – em referência à frase “já vali alguma coisa”.

O juiz determinou o pagamento de R$ 50 mil líquidos com correção monetária e juros, desde o ajuizamento da ação, em 1.999, e condenou a empresa a arcar com os recolhimentos fiscais.

“O reconhecimento do assédio moral demonstra que ao empregador também são impostos limites nas suas ações relacionadas ao empregado”, conclui o advogado Eli Alves da Silva, que representou a reclamante.

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL

Justiça do Trabalho – 2º Região

47ª Vara do Trabalho de São Paulo

Termo de Audiência

Processo nº 00154-2003-047-02-00-5

Aos doze dias do mês de janeiro do ano de dois mil e quatro, às 12h00, na sala de audiência desta Vara do Trabalho, por ordem do MM. Juiz do Trabalho Dr. Carlos Roberto Ferraz de Oliveira Silva foram apregoados os litigantes:

Reclamante: MARIA APARECIDA BERCI LUIZ

Reclamada: FERROBAN FERROVIAS BANDEIRANTES S/A

Ausentes as partes.

Conciliação prejudicada.

Submetido o processo a julgamento, foi proferida a seguinte

S E N T E N Ç A

MARIA APARECIDA BERCI LUIZ qualificada na inicial, propôs a presente em face de FERROBAN FERROVIAS BANDEIRANTES S/A, postulando indenização por danos decorrentes do assédio moral. Juntou procuração e documentos.

Em resposta, a reclamada argüiu incompetência em razão da matéria e afirmou que a reclamante não ficou ociosa, que o nome dado à sala “aquário” e em função de sua arquitetura, que não houve pressão para a reclamante se desligasse, que a concessão de licença remunerada foi necessária para a reorganização e que não agiu com dolo ou má-fé. Contestou o pedido de honorários e apresentou os protestos de estilo. Juntou procuração e documentos.

Na sessão designada ouviram-se as partes e três testemunhas.

DECIDE-SE

Justiça Gratuita

Defiro a pretensão quanto aos benefícios da justiça gratuita, vez que a autora, através da declaração de fl. 42 comprovou estado de miserabilidade (CLT, art. 790 § 3º).

Incompetência em razão da matéria

Ao contrário do que defende a reclamada, a competência para conhecer e julgar pedidos de indenização por danos morais em razão da relação de emprego, exceto decorrentes de acidente do trabalho, e desta Justiça Especializada. Nesse sentido já houve decisão, inclusive, do Excelso Supremo Tribunal Federal. Desse modo, tendo em vista que dos fatos narrados se infere que o pedido de danos morais é decorrente da relação de trabalho, rejeito a argüição preliminar.

Danos morais

Verifica-se dos elementos trazidos aos autos que, em um primeiro momento, a reclamante foi deixada em uma sala sem ao menos ser mobiliada (fls. 269/270). Posteriormente, transferida para Campinas (fl. 272), o assédio moral continuou, vez que a reclamante foi obrigada a permanecer em uma sala denominada “aquário” com banheiros em péssimas condições de higiene (conforme depoimento da testemunha) sem que lhe fossem distribuídas tarefas de abril até agosto de 1999. Além disso, a reclamante bem como outros empregados foram apelidados de “4.49” em alusão à cláusula normativa que lhes garante indenização em caso de dispensa sem justo motivo. Esses empregados eram chamados, ainda, de “javali” em razão de terem perdido seu valor para o empregador. A terceira testemunha da reclamante deixou claro que alguns gerentes da reclamada admitiam que, apesar de reconhecer o valor dos empregados, não podiam aproveitá-los em razão de serem “4.49”. A licença remunerada, por sua vez, embora não tenha causado prejuízo financeiro aos empregados e, isoladamente, é direito do empregador, analisada no conjunto, diante de todos os elementos, constitui fator de pressão que traz numerosos prejuízos de ordem moral constituindo, portanto, abuso de direito. Há, ainda, que se ponderar que as duas testemunhas ouvidas pela reclamante afirmaram que havia ameaças de transferências em caso de os empregados não aderirem ao PDV.

Esses fatos, em conjunto, trazem ao empregado profundo constrangimento, principalmente, aqueles que, como a reclamante, dedicaram praticamente toda a vida ao mesmo emprego e se vêem constrangidos a “espontaneamente” aderir a um plano de desligamento que lhes traz prejuízos em relação à dispensa imotivada. Ora, se a reclamante quisesse tratar esses empregados com dignidade não seria sequer capaz de oferecer um plano de desligamento em que se paga menos do que a indenização a que tinham direito por acordo coletivo. Os planos de desligamentos voluntários “normais”, ao contrário, trazem benefícios em relação à indenização devida. Assim, só a instituição de um plano dessa ordem é uma afronta à dignidade da pessoa.

Finalmente, há de se destacar que, conforme incontroverso nos autos, a reclamada obteve considerável desconto no montante pago no leilão da privatização exatamente para poder arcar com as despesas com os antigos empregados. A toda evidência, isso para que não houvesse qualquer lesão aos diretos garantidos aos empregados.

Tais procedimentos, portanto, não podem ser permitidos pelo Poder Público que, aliás, através do Ministério Público do Trabalho, já tem tomado providências inibidoras.

Dessa forma, presente o dano pelo assédio moral, a ação injusta e o nexo de causalidade há que se acolher o pedido da reclamante. Fixo o valor da indenização líquida devida, com base na extensão do dano e na capacidade de pagamento do agente, em R$ 50.000,00.

Honorários advocatícios

Pronunciamento do Excelso Supremo Tribunal Federal declarou subsistente o princípio do jus postulandi nesta Justiça Especializada mesmo após o advento da Lei 8.906/94.

Desse modo e porque ausentes in casu os pressupostos do trabalho o princípio da sucumbência, rejeita-se o pedido em apreço.

ISTO POSTO, nos termos da fundamentação supra, rejeito a preliminar e julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados por MARIA APARECIDA BERCI LUIZ em face de FERROBAN FERROVIAS BANDEIRANTES S/A, para condenar a reclamada no pagamento de indenização líquida por danos morais, no importe de R$ 50.000,00 com correção monetária e juros desde o ajuizamento da ação até o efetivo pagamento.

Tratando-se de verba exclusivamente indenizatória não há falar em contribuição previdenciária. Recolhimentos fiscais, acaso incidentes, serão suportados exclusivamente pela reclamada uma vez que a indenização foi fixada em valor líquido, a serem comprovados nos termos do Provimento nº 01/96 do C.TST.

Custas pela reclamada sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 50.000,00, no importe de R$ 1.000,00 para pagamento em cinco dias, sob pena de execução.

Intime-se. Nada mais.

Carlos Roberto Ferraz de Oliveira Silva

Juiz do Trabalho

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