Uso comum

Empresa não violou marca ao usar domínio equivalente na Internet

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11 de fevereiro de 2004, 11h47

A 10ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná decidiu, por unanimidade, que a empresa Areautil.com do Brasil S/A não violou o direito à marca da empresa Área Útil Imóveis Ltda., ao utilizar-se do nome de domínio “areautil.com.br” na Internet.

A apelação da Área Útil foi conhecida e extinta sem julgamento do mérito, diante de “flagrante ausência de interesse da parte autora e de sua conseguinte carência de ação”, com condenação no pagamento das custas e honorários de advogado.

Para o relator do processo, juiz Carlos Mansur Arida, “a marca que se sujeita à proteção legal conferida pelo registro à parte autora constitui-se não só do termo ‘área útil’ isoladamente – o que como demonstrado seria legalmente obstado – mas sim a marca mista formada pelo termo ‘área útil’, em letras desenhadas no estilo registrado, devidamente acompanhado do desenho de um indicador de vento em forma de galo”.

Assim, pelo teor da decisão, o elemento nominativo da marca e centro do litígio (Área Útil) não se faz possível de registro, a teor dos artigos 122 e 124, em especial seu inciso VI, da Lei nº 9.279/96, “posto que de uso comum na atividade imobiliária”.

Os juízes da 10ª Câmara concordaram que não houve comprovação nos autos que as partes competiam entre si, “pois nem a autora intentou adentrar na mídia informática da Internet – seja no escopo de por meio desta realizar a negociação de imóveis por este meio, seja no desejo de utilizar dito veículo como mídia a sua atividade comercial – nem a ré promove a negociação direta de imóveis.”

A decisão fundamentou-se também no artigo 2.º do Anexo II à Resolução n.º 001/98, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, trazendo que “o termo DPN significa Domínio de Primeiro Nível e é responsável por designar a categoria, o ramo de atividade, em que está inserido o titular do domínio”.

Além de afastar a prevalência indiscriminada das marcas sobre os nomes de domínio, o relator concluiu que “nada impede que a autora, em sendo de sua vontade, construa também um site na Internet, mantendo inclusive o nome e a marca a que fez se registrar, desde que respeite as condições supra aduzidas e, por conseguinte, o domínio já registrado pelo apelado.”

Leia a íntegra:

EMENTA:

AÇÃO CONDENATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE MULTA COMINATÓRIA E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. LIDE ACERCA DO REGISTRO DE UM DOMÍNIO NA INTERNET. O ELEMENTO NOMINATIVO DA MARCA E CENTRO DO LITÍGIO (ÁREA ÚTIL) NÃO SE FAZ PASSÍVEL DE REGISTRO POSTO QUE DE USO COMUM NA ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. NÃO RESTARA COMPROVADO DOS PRESENTES AUTOS QUE AS PARTES QUE ORA LITIGAM EM SEDE JUDICIÁRIA VIERAM A COMPETIR DE FATO POR ALGUM OBJETO JURIDICAMENTE TUTELADO, POIS NEM A AUTORA INTENTOU ADENTRAR NA MÍDIA INFORMÁTICA DA INTERNET – SEJA NO ESCOPO DE POR MEIO DESTA REALIZAR A NEGOCIAÇÃO DE IMÓVEIS POR ESTE MEIO, SEJA NO DESEJO DE UTILIZAR DITO VEÍCULO COMO MÍDIA A SUA ATIVIDADE COMERCIAL – NEM A RÉ PROMOVE A NEGOCIAÇÃO DIRETA DE IMÓVEIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM MANIFESTAÇÕES ACERCA DO MÉRITO. CARÊNCIA DE AÇÃO FACE A AUSÊNCIA DE EFETIVO INTERESSE DE AGIR.

ACÓRDÃO:

VISTOS, RELATADOS e DISCUTIDOS estes autos de apelação cível nº 216.002-5 da 11ª Vara Cível da Comarca de Curitiba – PR, em que é apelante: ÁREA ÚTIL IMÓVEIS LTDA e apelado: AREAUTIL COM DO BRASIL S/A.

ACORDAM os Juízes integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em receber o recurso de apelação cível nº 216.002-5, oriunda da 11ª Vara Cível da Comarca de Curitiba – PR, promovendo a extinção do processo sem julgamento de mérito.

I – RELATÓRIO.

Propôs a autora, ação condenatória de obrigação de fazer com pedido de multa cominatória e antecipação de tutela cumulada com pedido de indenização por danos morais e materiais. Afirma ser titular do registro da marca “Área Útil” junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, na classe 40, item 10, que identifica os serviços de administração, locação e auxiliares ao comércio de bens imóveis. Alega ter conhecimento de que a requerida estaria utilizando a mencionada marca, indevidamente, para o desenvolvimento de suas atividades, vez que a requerida atua no mesmo ramo de atividades e serviços descritos acima. Requer, em antecipação de tutela, a interrupção pela requerida do uso do nome de domínio “areautil.com.br.” em seus serviços e negócios e, que seja oficiado à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP para que proceda o “congelamento” deste nome de domínio. Complementa o pedido requerendo indenização pelos danos extrapatrimoniais, patrimoniais e lucros cessantes.

Pelo despacho de fls. 56, foi deferida a medida antecipatória ordenando que a ré se abstivesse de usar o nome de domínio, no prazo de 30 dias, sob pena de multa pecuniária de R$1.000,00 por dia de descumprimento. Deferida, também, antecipadamente, a expedição de ofício à FAPESP – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, solicitando o congelamento do domínio “areautil.com.br” por igual prazo de 30 dias.


Apresentado o pedido de reconsideração pela ré às fls.78/92, foi o mesmo acolhido, conforme despacho d fl. 153, com a reconsideração das medidas antecipatórias e a retirada de sua eficácia.

Após, a ré ofereceu contestação, alegando que: (i) é empresa atuante no ramo de oferta de imóveis na Internet; (ii) o objetivo do site em litígio é veicular ofertas de imóveis disponíveis, através das respectivas imobiliárias, que se utilizam desse serviço gratuitamente; (iii) não realiza qualquer atividade direta de venda ou administração de imóveis, sendo que sua receita advém exclusivamente da publicidade, constituindo-se, pois, em um veículo de mídia eletrônica; (iv) requereu junto ao INPI em 30.06.2000o direito de uso da marca “área útil” na forma em que faz uso, ou seja, na classe 38, item 10, concernente a serviços de comunicação, publicidade e propaganda; (v) as partes desenvolvem atividades comerciais diferentes, como exposto; (vi) a autora não exerce qualquer tipo de atividade há longa data e está em débito com as anuidades do CRECI/PR, desde 1998 e da atual localização da empresa (situada na residência de um de seus sócios), o que justificaria, nos termos da lei, a caducidade do direito da autora.

Contra decisão que reconsiderou o despacho de concessão da antecipação de tutela, a autora interpôs agravo de instrumento, que por unanimidade de votos fora improvido.

A sentença meritória exarada nos termos do art. 330, I, do CPC,julgou improcedente a pretensão deduzida na inicial, determinando à autora o pagamento das custas e dos honorários advocatícios, arbitrados em R$1000,00.

A autora opôs embargos de declaração, alegando: contradição da sentença que deveria fazer opção pela aplicabilidade do art. 124, XIX do Código de Propriedade Industrial ao reconhecer a semelhança das atividades comerciais exercidas pelas partes, afastando com isso a aplicabilidade do art. 124, VI do mesmo diploma legal em razão de eventual incompatibilidade existente entre as normas; omissão ao analisar o fato de que o nome do domínio nada mais é do que a imitação dos elementos nominativos da marca da autora; omissão da exposição acerca da formação da convicção do MM. Juiz ao conceber que autora não houvera incorrido em prejuízo algum com o uso indevido da marca, por estar em atraso com suas anuidades no CRECI/PR.

Os embargos foram rejeitados às fls.377/378.

A autora interpôs recurso de apelação, sustentando: (i) nulidade processual, por cerceamento de defesa em virtude da impossibilidade de realização de prova testemunhal; (ii) a similitude entre as atividade executadas pelas partes; (iii) titularidade da marca e irrelevância do atraso do pagamento das anuidades do CRECI/PR para a caracterização de caducidade de seu direito; (iv) possibilidade efetiva da ocorrência de confusão ao consumidor com conseqüentes prejuízos econômicos ao seu negócio; (v) que a Organização de Propriedade Intelectual estabeleceu que a marca tem proteção no âmbito da Internet e que o registro do domínio deve ser concedido ao detentor da marca; (vi) que a apreciação da limitação da marca mista não pode desprezar a regra de que a possibilidade de confusão deve ser apreciada pela impressão de conjunto deixada pelas marcas; (vii) a aplicabilidade da disposição trazida pelo art. 124, XIX da Lei nº 9.279/96; e ,ainda, (viii) que restara caracterizada publicidade enganosa e concorrência desleal.

Respondido o recurso, após decidir o Tribunal de Justiça não ser competente para julgar o feito, os autos vieram a este Tribunal.

É o relatório.

II – VOTO E SEUS FUNDAMENTOS.

Em âmbito preliminar, uma análise apurada dos fatos apresentados no decorrer do presente arco processual levam-me à manifestação pela carência de ação pela parte autora ante a ausência de um efetivo interesse de agir.

Condição primordial da ação, o interesse de agir, conforme – de maneira primorosa – nos ensinam Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco, “assenta-se na premissa de que, tendo embora o Estado o interesse no exercício da jurisdição (função indispensável para manter a paz e a ordem na sociedade), não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil. É preciso, pois, sob esse prisma, que, em cada caso concreto, a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada” (vide Teoria Geral do Processo, 15ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1999, p. 257.)

Ora, qual é o resultado útil advindo da intervenção estatal que não o de dirimir a lide, manifestando a vontade concreta da lei.

Ocorre que não se faz possível observar do iter processual um real conflito de interesses, uma tensão advinda de uma pretensão resistida ou de um gravame a direito alheio que tornem indispensável a tutela jurisdicional do Estado, como bem se fará ilustrar a partir de então.


Primeiramente, no que concerne ao registro da marca, a interpretação concomitante dos artigos 122 e 124, especificamente em seu inciso VI, é clara ao afirmar que não se faz possível o registro de uma expressão comumente empregada a designar uma dada característica de uma atividade ou serviço.

Como bem resta explanado nos autos, a expressão “área útil” corresponde ao termo técnico utilizado no ramo imobiliário para designar a área do piso dos compartimentos de uma edificação, descontada a área das seções horizontais das paredes (definição oferecida pelo Dicionário Aurélio Eletrônico e constante dos autos à fl. 82). Trata-se, pois, de um dos casos em que se revela defeso o registro da marca, ressalvando a lei para a possibilidade em se imbuir o termo de “sinais distintivos visualmente perceptíveis” capazes torná-la algo único e inconfundível.

Assim, criou-se a chamada marca mista, na qual alia-se à marca nominativa uma marca figurativa que pode constituir-se desde um logotipo específico, um arranjo estilizado do termo, ainda, um símbolo ou desenho que lhe confira um aspecto “sui generis”.

No caso em tela, a marca que se sujeita à proteção legal conferida pelo registro à parte autora constitui-se não só do termo “área útil” isoladamente – o que como demonstrado seria legalmente obstado – mas sim a marca mista formada pelo termo “área útil”, em letras desenhadas no estilo registrado, devidamente acompanhado do desenho de um indicador de vento em forma de galo, conforme encontra-se devidamente ilustrado em fl. 54.

Precisos, ante ao exposto, os termos da decisão do MM. Juiz a quo ao proferir-se no seguinte sentido:

“Por todo o exposto, numa interpretação sistemática do referido artigo 124 do atual Código de Propriedade Industrial, é de se reconhecer aqui a validade da marca mista registrada pela autora e a exclusividade de seu uso considerada em seu conjunto (expressões nominativas e elementos figurativos), não impossibilitando o uso por terceiro, no caso a ré, somente das expressões nominativas que a compõe (“área útil”), por se tratar de expressão de uso comum e necessário nas atividades comerciais de ambas as partes….”

Não houvera, pois, violação de direito à marca ao fazer-se uso do domínio “www.areautil.com.br” , pois que para sua constituição fez-se uso única e exclusivamente de elemento nominativo não passível de registro e, por conseguinte, inidôneo das medidas protetivas previstas na Lei n.º 9.279/96.

Ainda, não restara comprovado dos presentes autos que as partes que ora litigam em sede Judiciária vieram a competir de fato por algum objeto juridicamente tutelado, pois nem a autora intentou adentrar na mídia informática da Internet – seja no escopo de por meio desta realizar a negociação de imóveis por este meio, seja no desejo de utilizar dito veículo como mídia a sua atividade comercial – nem a ré promove a negociação direta de imóveis, restringindo-se a “veicular as ofertas de imóveis que estão disponíveis para negócios, através das respectivas imobiliárias, que usufruem desse serviço gratuitamente”, como se auto definira à fl. 80.

Ocorre que consonante os termos do artigo 2.º do Anexo II à Resolução n.º 001/98, são pré-requisitos do nome a ser levado a registro a título de domínio em Internet:

I – comprimento mínimo de 2 caracteres e máximo de 26 caracteres;

II – uma combinação de letras e números, não podendo ser exclusivamente numérico. Como letras entende-se exclusivamente o conjunto de caracteres de a a z. O único caracter especial permitido além de letras e números é o hífen (-);

III – o nome escolhido pelo requerente para registro, sob determinado DPN, deve estar disponível para registro neste DPN, o que subentende-se que:

a) não tenha sido registrado ainda por nenhum requerente anterior neste DPN. Para esse critério é importante notar que o hífen não é considerado parte distintiva do nome.

b) Não pode tipificar nome não registrável. Entende-se por nome não registrável, entre outros, palavras de baixo calão, os que pertençam a nomes reservados mantidos pelo CG e pela FAPESP com essa condição, por representarem conceitos predefinidos na rede Internet, os que possam induzir terceiros a erro, etc.”

À guisa de informação o termo DPN significa Domínio de Primeiro Nível e é responsável por designar a categoria, o ramo de atividade, em que está inserido o titular do domínio.

Portanto, nada impede que a autora, em sendo de sua vontade, construa também um site na Internet, mantendo inclusive o nome e a marca a que fez se registrar, desde que respeite as condições supra aduzidas e, por conseguinte, o domínio já registrado pelo apelado.

Ante ao exposto, faço uso da prerrogativa conferida a este Tribunal pelo parágrafo 3° do art. 267 do CPC e amparado na mais vasta jurisprudência, dentre as quais cita-se a seguinte: “A sentença de mérito proferida em primeiro grau não impede que o Tribunal conheça dessas matérias (as do art. 267 – IV, V e VI) ainda que ventiladas, apenas, em fase de recurso, ou mesmo de ofício” (RSTJ 89/193) para, com base no disposto em art. 267, inciso VI, c/c o art. 329 do CPC, manifestar-me no sentido da extinção do processo sem manifestação acerca do mérito, face a flagrante ausência de interesse da parte autora e de sua conseguinte carência de ação, condenando-a ao pagamento das custas e honorários de advogado que arbitro em R$1.000,00.

III – DECISÃO.

ACORDAM os Juízes integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em receber o recurso de apelação cível nº 216.002-5, oriunda da 11ª Vara Cível da Comarca de Curitiba – PR, promovendo a extinção do processo sem julgamento de mérito.

Participaram da sessão de julgamento e acompanharam o voto do Relator, os Excelentíssimos Juízes do Tribunal de Alçada, Edvino Bochnia, presidente com voto e Macedo Pacheco, vogal.

Curitiba, 18 de dezembro de 2003. (Ano do Sesquicentenário da Emancipação Política do Estado do Paraná)

CARLOS MANSUR ARIDA

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