Reforma do Judiciário

Governo apresentará projeto para simplificar sistema de recursos

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10 de fevereiro de 2004, 12h14

O governo deverá enviar ao Congresso Nacional até o fim do ano um projeto de lei que prevê a simplificação do sistema de recursos atualmente em vigor no Poder Judiciário. A informação foi transmitida, nesta terça-feira (10/2), aos integrantes da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, durante audiência pública sobre a proposta de reforma do Judiciário.

Para o ministro, a reforma atualmente em análise pelo Senado, é “necessária, mas não suficiente” para aperfeiçoar o funcionamento da Justiça. Também são importantes, segundo ele, as mudanças infraconstitucionais e até mesmo administrativas nos tribunais, como a modernização de procedimentos e a informatização dos processos.

Bastos informou que advogados de vários Estados estão participando da elaboração do projeto destinado a simplificar o sistema de recursos, muitas vezes apontado como um dos responsáveis pela demora nas decisões judiciais. Outro grupo, segundo o ministro, está trabalhando na elaboração de uma proposta que tem por objetivo agilizar a execução de títulos judiciais. Atualmente, recordou, “não é incomum que execuções levem cinco a 10 anos”.

Simplificar o sistema de recursos, como se sabe, não é a opção preferencial da advocacia. Tampouco é a solução dos sonhos do governo. Uma justiça mais rápida teria efeitos diversos. Um deles seria a obrigação de o governo saldar dívidas que vem empurrando com a barriga há décadas. Ou seja, combater a morosidade não é, propriamente, uma questão de Estado. Ao contrário.

Entre as medidas administrativas que vêm sendo analisadas pelo governo, citou o ministro, está a realização de uma pesquisa para avaliar o impacto do funcionamento do Judiciário no chamado “custo Brasil”.

O Executivo contratou, ainda, a Fundação Getúlio Vargas para fazer uma análise do funcionamento do Judiciário e um mapeamento de casos de sucesso em qualidade e digitalização, que seriam tomados como base para a elaboração de um projeto piloto de modernização. “Reengenharia nesse caso representa informatização, digitalização, cartório sem papel, motivação, treinamento e capacitação de juízes e advogados, para enfrentar questões de gestão”, definiu.

Ao assumir a pasta que ocupa, Thomaz Bastos repudiou a reforma em curso no Congresso e sepultou a súmula vinculante, que reduz enormemente o campo de trabalho da advocacia. Com o crescimento político de Nelson Jobim, contudo, o projeto em votação no Senado foi resgatado e é o que deverá se materializar. Com a súmula vinculante de Jobim e não com a impeditiva de recursos proposta por Bastos.

Como a reforma é composta de uma fase constitucional, outra legal e a terceira regimental, cre-se que a secretária comandada por Sérgio Renault ainda possa influir na esfera infra-constitucional.

Súmula vinculante

O ministro afirmou ser “radicalmente contrário” à implantação da súmula vinculante no âmbito da reforma da Poder Judiciário. Segundo ele, a medida imobilizaria os magistrados de primeira instância, que estariam obrigados a seguir diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal. “Anunciada como um remédio aparentemente milagroso, ao qual se atribui o condão de limpar a pauta dos tribunais e acabar com morosidade, a súmula vinculante tem tantos efeitos colaterais que acredito ser uma temeridade a sua implantação”, afirmou.

Em defesa de seu argumento, o ministro citou o caso do confisco das poupanças no início do governo Collor. Ele observou que, à época, o STF adotou uma postura “ambígua” em relação à medida e que a solução dos problemas dos poupadores nasceu de decisões de juízes de primeira instância, que liberaram recursos das contas congeladas. “Se as súmulas vinculantes já existissem, elas teriam impedido os brasileiros de recuperar suas poupanças seqüestradas”, advertiu.

Na ocasião, a OAB poderia ter ingressado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a medida governamental. Mas, se assim o fizesse, drenaria dos cofres da advocacia os bilhões que foram amealhados com a liberação, caso a caso, das quantias confiscadas.

Bastos lembrou que já existe uma alternativa à adoção das súmulas vinculantes. Trata-se, de acordo com ele, do inciso X do artigo 52 da Constituição, segundo o qual compete privativamente ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

Controle externo

O ministro da Justiça defendeu a adoção de mecanismos de controle externo do Poder Judiciário. Os Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, observou, teriam como objetivos fundamentais o controle dos deveres funcionais dos juízes e a fiscalização da execução orçamentária e financeira do Poder Judiciário. A fiscalização feita pelos conselhos, afirmou, estaria para o Judiciário como a renovação de mandatos para os Poderes Executivo e Legislativo.

“É absolutamente razoável que o Judiciário experimente forma de controle que envolva majoritariamente seus membros, mas com a participação da sociedade civil, do Ministério Público e de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil”, afirmou, ao recordar que a criação dos dois conselhos é uma “antiga luta” do PT e da Ordem dos Advogados do Brasil.

Panorama geral

O governo, de acordo com o ministro, defende ainda a unificação dos critérios para ingresso nas carreiras e a quarentena dos membros do Judiciário e do Ministério Público. Bastos defendeu ainda o dispositivo da proposta de reforma que estabelece a federalização dos crimes contra os direitos humanos

Ao responder a uma pergunta do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o ministro da Justiça, afirmou ser absolutamente a favor da autonomia da Defensoria Pública. “O governo tem toda a disposição em atribuir autonomia à Defensoria Pública”, disse.

Para o ministro, essa instituição tem de ser uma espécie de espelho do Ministério Público nos estados, a fim de que se possa ter a realização e a fluência da Justiça, principalmente para os desvalidos, que não têm nem dinheiro nem informação. “É um artigo de primeira necessidade, uma questão fundamental”.

Ele também afirmou que a mediação obrigatória no processo civil, a reformulação dos recursos e a reforma processualística da execução extrajudicial e fiscal são, senão mais importantes, tão importantes quanto as reformas constitucionais para a melhoria do funcionamento do Judiciário.

Na avaliação do ministro, para se garantir um Judiciário rápido e acessível é necessário um conjunto de providências, como as medidas que competem ao Executivo, as mudanças de atitude do Executivo em relação ao Judiciário, as reformulações dos processos civil e penal e a melhora da gestão do Judiciário. “É preciso uma reforma constitucional e uma reforma infraconstitucional, além de medidas de governança, de gestão, de treinamento, de motivação de pessoal, de informatização dos tribunais para que cheguemos ao ideal de trabalhar sem papel”. (com a Agência Senado)

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