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Verbete: Justiça pode ser engessada para ficar mais rápida.

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10 de fevereiro de 2004, 16h43

Verbete escrito pelo atualizador da Enciclopédia Jurídica Soibelman. A íntegra pode ser encontrada no CD-ROM em www.elfez.com.br

A nova redação do artigo 557 do CPC (dada pela lei 9.756 de 17.12.1998) é considerada por muitos como uma espécie de prenúncio da polêmica súmula de efeito vinculante. Ainda não chega a ser completamente o que assim denominar-se-ia porque não subordina as decisões de primeira instância, como idealizam ser no estabelecimento pleno do efeito.

A nova redação do referido artigo dispõe que o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior; mas se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com a súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

Note-se que a nova redação do artigo inclui não somente a súmula, mas também o que denomina como jurisprudência dominante, o que certamente poderá dar azo para muitas polêmicas no cotejo das decisões de Tribunais Superiores.

A idéia fundamental do dispositivo, assim como era em sua redação anterior, é impor celeridade ao processo, evitando a repetição de argumentos e expedientes já ampla, repetida e vigorosamente refutados pela jurisprudência, que terminam unicamente por procrastinar os feitos.

Não se pode mirar a nova disposição sem graves indagações. Uma delas é relativa ao duplo grau de jurisdição ser ou não elemento da ampla defesa. Em caso positivo, não estariam os tribunais, através de súmulas de efeito vinculante, invadindo a esfera do Poder Legislativo (único encarregado de regularizar o acesso ao duplo grau de jurisdição), ao criarem limitações de ordem substantiva?

Uma das críticas que serpenteiam em torno da idéia de atribuir-se efeito vinculante a toda e qualquer súmula é que esta instituição constitui um engessamento da justiça, uma mumificação dos entendimentos, uma avalização da ausência de esforço intelectual dos julgadores. Não se concebe a petrificação jurisprudencial; isto equivaleria a negar ao direito a sua forja nas circunstâncias incessantemente renovadas que a mutação social oferece. Além de tudo, quantas vezes não sucede que um grande advogado venha, por força de seus dotes e maior visão, demolir um entendimento faz muito sedimentado? (vide o verbete do autor denominado obrigatoriedade da jurisprudência).

Discussão de natureza semelhante é aquela levantada em torno do efeito vinculante na ação declaratória ou direta de constitucionalidade (V.) e agora na chamada “argüição de descumprimento de preceito fundamental” (V.). (estaremos publicando estes dois verbetes nos próximos dias).

Muito embora sem previsão legal, o STF se posicionou pela aplicação do efeito vinculante à ação direta de inconstitucionalidade e à decisão nos recursos extraordinários provenientes de Juizados Especiais (V. Juizados especiais cíveis e criminais e Juizados especiais federais.) Neste último caso o “remédio” não deixa de ser um contra-senso, posto que foi o próprio STF que na súmula 726 determinou a obrigatoriedade de recepção de agravo sobre recurso extraordinário não admitido, ensejando a subida do recurso e assim a procastinação processual, sejam quais sejam os efeitos limitados do agravo, com o conseqüente quebrantamento da celeridade que sublinha os Juizados Especiais.

Esta incorporação do efeito vinculante é exemplo do chamado “ativismo judicial” (lamentamos que tal expediente “criador de direito” no STF não tenha tomado ímpeto em causas socialmente urgentes e justas, como foi o caso da ADIN nº 4, abaixo citada), porém sua eficácia é relativa, posto que a verticalização judicial inexiste através de jurisprudência, pois esta jamais é obrigatória, como assevera o brocardo “nom exemplis sed legibus judicandum est” (deve-se julgar segundo as leis e não por outros casos), consoante o que se conclui que os arestos do STF não possuem o condão de impor o que a anunciada Reforma do Judiciário (ora em trâmite no Congresso Nacional) pretende com a normatização da súmula vinculante. Não basta que o STF diga o que é a Constituição, é preciso que as instâncias inferiores o escutem, e a isto serve a positivação do instituto.

Sob o prisma da viabilidade prática a disposição do artigo 557 apresenta ainda maiores dificuldades, face ao expressivo número de súmulas existentes, aumentando-se a dificuldade quando tratam de matéria controvertida, e mais ainda quando já se fala, conforme acima, de jurisprudência dominante.

Registrem-se algumas sugestões correntemente aventadas, de conteúdo menos perigoso, mas igualmente prático, para imprimir-se maior celeridade à justiça: a) a simplificação e redução do sistema recursal; b) a incrementação dos Juizados Especiais (V. Juizados Especiais Cíveis e Criminais); c) o cumprimento dos prazos por auxiliares da justiça e juízes, que deve decorrer de uma consciência do dever, mas também da ampliação dos quadros de pessoal e número de juízes; d) limitar o Supremo Tribunal Federal à função de Corte Constitucional, criando-se Varas Federais especiais.

Por outro lado, é forçoso o reconhecimento de que os Tribunais tiveram o volume de feitos muitíssimo aumentado após o advento da CF/88, sendo isso inerente à consciência crescente dos direitos individuais e coletivos que a democracia proporciona num Estado de Direito; assim sendo, se em determinado aspecto há o temor do que acima chamamos de engessamento da justiça, noutro ângulo de visada torna-se inegável que a implementação do efeito vinculante das decisões dos Tribunais Superiores que pudessem subordinar desde a primeira instância os julgamentos representariam uma grande redução de tempo e dispêndio com feitos notoriamente recorrentes.

A questão em muitos casos tem forte conotação política, com decisões consideradas conservadoras ou socialmente injustas por parte dos Tribunais Superiores, que encontram assim a resistência a sua aplicação pelas instâncias inferiores, por vezes mais afinadas com a problemática social. Exemplo claro foi o julgamento da ADIN nº 4, pelo STF, pacificando-se nos Tribunais Superiores o entendimento de que a norma do art. 192, §3º da CF (agora revogada por emenda) em relação à limitação de juros em 12% ao ano não era auto-aplicável, sendo, em conseqüência, incabível, enquanto não editada a lei complementar a que aludia o caput do mesmo artigo. Mesmo cientes da decisão, muitíssimos juízes e Tribunais continuaram a decidir em sentido contrário, sensibilizados pela grande injustiça social frente ao autoritarismo especulativo que a decisão concentrava, e, sobretudo, vendo como óbvia e cristalina a aplicabilidade imediata da norma, pela claridade literal do comando que encerrava (V. Aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais).

O presente exemplo ilustra que a manutenção de posições contrárias, consoante a independência decisória dos órgãos do judiciário, serve a produzir uma forte corrente doutrinária que apura o pensamento jurídico, podendo vir um dia a forçar a transformação do entendimento do STF; entretanto este processo de amadurecimento jurisprudencial periga estancar no tempo se adotada a inteira submissão às súmulas de efeito vinculante.

Não é possível finalizar o tema com uma posição inconteste, havendo, como demonstrado supra, diversos fatores contra e igualmente fortes fatores a favor da adoção do efeito vinculante, sendo não obstante irrefutável a celeridade e o conseqüente descongestionamento do serviço judiciário que traria a sua inserção no ordenamento jurídico, pelo que deixamos o leitor com estas considerações reflexivas.

Com relação ao tema recomenda-se também a leitura dos seguintes verbetes: técnica da declaração de inconstitucionalidade, cânones da interpretação constitucional, ação direta de inconstitucionalidade, ação genérica de inconstitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ação declaratória ou direta de constitucionalidade, controle jurisdicional das leis, Cícero e a inconstitucionalidade das leis e conteúdo jusnaturalista do controle jurisdicional das leis.

Nas próximas publicações, estarão os verbetes: “Ação declaratória de constitucionalidade”, “Obrigatoriedade da jurisprudência”, “Argüição de descumprimento de preceito fundamental. ” e “Falta de valor da jurisprudência como ciência”.

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